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É Desporto

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17 de Agosto, 2016

Caster Semenya. Ninguém a fará parar de correr

Rui Pedro Silva

Caster Semenya/AP

«Não sou falsa, sou natural. Sou apenas a Caster. Não quero ser alguém que não sou. Não quero ser alguém que as pessoas querem que eu seja. Quero ser apenas eu própria. Nasci assim, não quero mudanças.» 

 

Montanha-russa

 

Tinha apenas 18 anos quando surpreendeu o planeta nos Mundiais de Berlim, em 2009. Imparável, cumpriu os 800 metros com um tempo de 1:55.45, com mais de dois segundos de vantagem sobre toda a concorrência.

 

A manifestação de superioridade foi total mas acabou ofuscada pela polémica. A capacidade atlética de Caster Semenya estava a ser questionada e ia ser alvo de testes de género por parte da Federação Internacional de Atletismo (IAAF).

 

As críticas e suspeições chegaram de todos os lados. A adversária italiana Elisa Cusma, sexta classificada, foi a mais bruta: «Este tipo de gente não devia correr connosco. Para mim não é uma mulher, é um homem.»

 

A sul-africana tinha acabado de alcançar o resultado mais importante da carreira, mas em vez de bonança só chegou tempestade: «Era campeã do mundo mas nunca tive a oportunidade de festejar. Foi uma palhaçada. Se não fosse pela minha família, não tinha sobrevivido.»

 

«Foi perturbador, sentes-te humilhada. Não podes controlar o que as pessoas pensam. Tem a ver contigo, em controlares-te», contou a atleta em entrevista à BBC em 2015, acrescentando que só se queria concentrar no futuro: «Não quero voltar àqueles tempos. O que está feito, feito está.»

 

Resultados e evolução

 

Os resultados diagnosticaram hiperandrogenismo. Os níveis de testosterona em Caster Semenya eram mais elevados do que o padrão. Num carrossel constante com fugas de informação, a atleta esteve suspensa até 6 de abril de 2010.

 

«Fui alvo de um escrutínio indesejado e invasivo dos meus detalhes mais privados», lamentou na altura. E se Caster Semenya pôde voltar a correr, fê-lo com a obrigação de ser submetida a um tratamento hormonal para reduzir os níveis de testosterona, reduzindo a massa muscular e afetando o desempenho.

 

Caster só queria correr. «É algo que farei para sempre. Mesmo que as federações me tivessem impedido, não me teriam conseguido fazer parar de correr no campo. Teria continuado a correr, não importa. Quando corro, sinto-me livre. A minha mente está livre.»

 

A evolução na pista foi prejudicada pelos tratamentos. Os tempos baixaram mas as medalhas continuaram a aparecer: foi prata nos Mundiais de Daegu em 2011 e nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Em ambas, a campeã foi a russa Maria Savinova.

 

E se a IAAF não parou Semenya, as lesões sim. Durante dois anos, esteve fora do radar, garantindo que poderia recuperar em pleno. «A paragem foi boa para mim. Ajudou-me a pôr as prioridades no local. Foi pelo melhor, descansar o corpo e a mente. Sei que tenho de fazer alguma coisa para melhorar a minha vida. A educação é a chave. Se tens educação, nada te pode vencer.»

 

A atleta está a estudar Ciências do Desporto na North West University, em Pretória. «Não há muito para fazer aqui: comer, treinar dormir, estudar…», diz, garantindo que gosta da calma.

 

Sonho olímpico

Vitória em Berlim-2009/AP

O Rio de Janeiro tem a sul-africana como principal favorita. E Semenya não quer desperdiçar a oportunidade, colocando a fasquia o mais alto possível: «Sou uma sonhadora. E o que sonho é ser campeã olímpica, campeã do mundo e detentora do recorde mundial.»

 

Para já, está a dois segundos. A 15 de julho, Caster Semenya correu os 800 metros em 1:55.33, enquanto o recorde de Jarmila Kratochvilova, fixado em 1983, é de 1:53.28.

 

Com a obrigação de fazer o tratamento hormonal suspenso desde 2015, as marcas têm melhorado e a ameaça pode ser real. «Vou tentar bater o recorde mundial mas depende da forma como o meu corpo estará na altura», disse há um ano.

 

A polémica e especulação à sua volta deixou de ser uma preocupação. Agora, só pensa nela e no seu país: «Quando estou na pista e ouço ‘Caster Semenya pela África do Sul’, sei a razão por que estou ali. Eles adoram-me e apoiam-me, vou deixá-los orgulhosos. Sem eles, não sou nada.»

 

Os críticos estão do outro lado: «Se tiverem um problema com isso, têm de mo dizer na cara. Não vou parar só porque dizem que pareço um homem, e isto e aquilo. É problema deles, não meu.»  

 

«Não sou falsa, sou natural. Sou a apenas a Caster. Não quero ser alguém que não sou. Não quero ser alguém que as pessoas querem que eu seja. Quero ser apenas eu própria. Nasci assim, não quero mudanças.»

 

«Nunca vou desistir do atletismo», promete a atual campeã sul-africana dos 400, 800 e 1500 metros, provas que correu num espaço de quatro horas. 

RPS