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É Desporto

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21 de Outubro, 2019

Carl Zeiss Jena. O lado derrotado na festa do Bloco Oriental

Rui Pedro Silva

Düsseldorf acolheu final entre soviéticos e alemães de leste

A final da Taça das Taças em 1981 foi histórica: pela segunda vez na história, uma competição europeia ia ser discutida entre duas equipas de leste. Se os soviéticos do Dínamo Kiev tinham levado a melhor sobre o Ferencvaros em 1975, em 1981 foi a vez de o Dínamo Tbilisi derrotar o Carl Zeiss Jena. Foi a segunda presença da RDA numa final europeia.

O Carl Zeiss Jena foi uma das melhores equipas da República Democrática da Alemanha. Mas, com três títulos nacionais para amostra (1963, 1968 e 1970), nunca conseguiu estar ao nível de potências como Dínamo Berlim, Dínamo Dresden e Magdeburgo. A década de 70, marcada pela estreia nas competições europeias, foi o melhor período do clube, mas só em 1981 é que conseguiu chegar a uma final, na Taça das Taças.

Para compreender o que se passou nessa temporada é preciso recuar até à época anterior. Mais do que nunca, o campeonato parecia ser de uma potência só. O Dínamo Berlim foi campeão pela segunda vez consecutiva na última jornada, ao derrotar o então líder Dínamo Dresden por 1-0, e o Carl Zeiss Jena não foi além do terceiro lugar, a onze pontos do primeiro lugar. A classificação seria suficiente para disputar a Taça UEFA mas a equipa garantiu outro passaporte graças ao desempenho na final da Taça da RDA.

À semelhança do que aconteceu na Oberliga, também a Taça doméstica foi decidida em cima da reta final. O Rot-Weiss Erfurt marcou primeiro (Romstedt 40’) e esteve a vencer até dez minutos do final. Aí, Jürgen Raab empatou (81’) e forçou o prolongamento. Motivados pela segunda oportunidade, os jogadores orientados por Hans Meyer não deram hipóteses no início do tempo extra e marcaram dois golos de rajada: Lothar Kurbjuweit aos 94 minutos e Dietmar Sengewald aos 97.

Quando a nova temporada começou, a campanha europeia tornou-se uma prioridade. A nível doméstico, a Stasi e a simpatia dos árbitros pareciam empurrar o campeonato sempre para os mesmos; a nível internacional, a sorte podia ser outra.

A campanha do Carl Zeiss Jena foi verdadeiramente notável… e teve muito pouco de fácil. Na primeira ronda, uma derrota em Itália com a Roma por 3-0 (Ancelotti marcou um dos golos) transformou o apuramento em missão praticamente impossível mas, numa tendência pouco habitual para as equipas da RDA, os jogadores não vacilaram e protagonizaram uma noite inesquecível a 1 de outubro de 1980: o Carl Zeiss Jena seguiu em frente ao golear por 4-0 e o apuramento foi garantido com um golo de Andreas Bielau a três minutos do fim.

O Valencia foi o adversário que se seguiu e a eliminatória voltou a ser decidida nos detalhes. Depois de ganhar em casa por 3-1, o Carl Zeiss Jena viajou até Espanha sabendo que tudo poderia acontecer. Perdeu, é certo, mas apenas por 1-0 (Botubot aos 61 minutos), disputando os últimos minutos com o coração nas mãos.

Olhando para 1981 com os olhos de 2019, é impossível não achar que o duelo dos quartos de final com os galeses do Newport County era uma tarefa fácil. O que aconteceu em campo foi radicalmente diferente. Em Jena, a equipa britânica surpreendeu e arrancou um empate a dois golos em cima do minuto 90, garantindo que iria jogar a segunda mão em vantagem.

A equipa da RDA estava obrigada a vencer em Gales – ou pelo menos a marcar dois golos – e não desiludiu, graças a um golo solitário de Kurbjuweit aos 27 minutos. Nas meias-finais, uma equipa portuguesa surgiu no caminho pela terceira vez na história. Depois de eliminar o Sporting na Taça dos Campeões Europeus em 1970/1971 e de ser afastado pelo Benfica na segunda mão da Taça das Taças em 1974/1975, o Carl Zeiss Jena teve uma oportunidade de desforra contra os encarnados.

A equipa de Chalana, Humberto Coelho, Carlos Manuel e companhia não teve argumentos para os alemães de leste. A primeira mão, no Ernst Abbe Sportfield, foi decidida com dois golos madrugadores (Bielau 8’ e Raab 15’) e duas semanas depois, na Luz, um golo de Reinado foi insuficiente para impedir que o Carl Zeiss Jena atingisse a final.

A 13 de maio de 1981, em Düsseldorf, o Carl Zeiss Jena defrontou o Dínamo Tbilisi com o objetivo de se tornar a segunda equipa da RDA a vencer uma final europeia. Sete anos antes, em Roterdão, o Magdeburgo vencera o Milan e fizera história. Agora, havia esperança. E Hoppe, o autor do 1-0 para o Carl Zeiss Jena aos 63 minutos.

Perante uma assistência praticamente insignificante de 4750 pessoas – tal como em 1974, o sistema de autorizações de adeptos da RDA filtrara toda a gente a não ser diplomatas e pessoas que ocupavam cargos estatais -, o título pareceu estar ao alcance.

Desta vez, porém, a tragédia de deixar fugir as vitórias por entre os dedos chegou mesmo à equipa de Hans Meyer. Vladimir Gutsaev empatou para os georgianos aos 67 minutos e Vitaly Daraselia decidiu a final com um golo a quatro minutos do fim. O sonho do Carl Zeiss Jena morria ali, na praia, praticamente sem hipótese de resposta.