Carl Jackson. O eterno caddie do Masters
Carl Jackson era apenas mais um rapaz afro-americano à procura de uma forma de sobreviver num estado da Geórgia assumidamente racista, no final da década de 50. A mãe era criada e precisava de sustentar oito filhos.
O peso era grande e a proximidade com o campo de Augusta mudou a vida da família Jackson, especialmente a de Carl. Em 1958, com 11 anos, foi abordado na rua pelo responsável pelos caddies. «Perguntou-me se queria ir ganhar algum dinheiro naquele dia. E eu disse que sim.»
Os outros sete irmãos já o tinham feito todos pelo menos uma vez, mas nenhum lhe deu tanta continuidade como Carl. Começou por ser caddie de Jack Stephens, futuro diretor do campo, mas outro membro, o presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower, quis mandá-lo embora para que pudesse voltar para a escola. «Achou que era demasiado novo para trabalhar lá, o que poderia causar problemas. Mas o senhor Stephens interveio e fê-lo ver que eu tinha uma boa educação», explicou à BBC Sport.
A estreia como caddie no Masters de Augusta aconteceu em 1961, dando corpo a uma filosofia apregoada por Clifford Roberts, um dos fundadores da competição: «Enquanto for vivo, todos os golfistas serão brancos, e os caddies pretos».
Para Jackson, esse era um assunto secundário, até porque essa distinção ajudava muito a comunidade afro-americana de Augusta, que juntava o dinheiro para fazer uma festa na noite de domingo, após a quarta e última ronda. E o próprio Carl esteve perto de fazer outra festa cedo na carreira. Se o primeiro golfista de Carl Jackson, Bill Burke (campeão do US Open em 1931), falhou o cut, três anos depois, o australiano Bruce Devlin foi quarto.
A questão racial esteve sempre presente na evolução enquanto caddie, mas não houve momento mais delicado do que quando fez de caddie de Gary Player, em 1970. O sul-africano – que, na altura, já vencera cinco dos nove majors da carreira – pronunciara-se a favor do apartheid e tornara a participação em Augusta mais controversa.
O primeiro caddie designado, Ernest Nipper, renunciou à prova após receber ameaças de morte e Jackson entrou em cena. «Sabia que ia correr um risco. Mas ele era um golfista de classe mundial que tinha uma oportunidade de vencer a prova e eu precisava mesmo daquele dinheiro. Por isso, disse que sim. Fiz de caddie o torneio inteiro com os serviços secretos perto de mim, às vezes até dentro dos limites do campo.»
A relação com Gary Player não chegou a ser problemática: «Disse-me no primeiro buraco do primeiro treino que só queria que eu mantivesse as bolas e os tacos limpos. Mas quando o torneio começou, já me andava a pedir conselhos».
A dupla terminou no terceiro lugar. O derradeiro passo na vida de caddie foi dado em 1976, quando Jack Stephens pensou que Carl Jackson faria uma excelente dupla com Ben Crenshaw, visto serem ambos sulistas e tímidos. Tinha razão. Na estreia terminaram em segundo e, mais tarde, venceram dois troféus, primeiro em 1984 e depois em 1995, numa edição que ficou resolvida com um putt de Crenshaw.
«É a minha melhor memória de Augusta, sem dúvida. E a fotografia do nosso abraço ainda tem um lugar muito especial em minha casa», contou. Os dois não se intimidam nos elogios. «Tudo o que alcancei no Masters devo-o ao Carl», diz um. «Devo a minha vida ao Ben. Se consegui dar algo de volta, fico feliz», responde o outro.
Carl Jackson despediu-se do Masters em 2015, uma vez mais ao lado de Ben Crenshaw. No total, desempenhou a função em 54 edições, 39 delas ao lado do eterno parceiro, falhando apenas em 2000, quando estava a recuperar de um cancro no cólon.
Ben e Carl deviam ter arrancado juntos para a última participação, mas o caddie não estava em condições devido à remissão de um cancro no pulmão. Curiosamente, foi substituído pelo irmão mais novo, Bud Jackson. Ainda assim, não deixou de estar pronto para dizer adeus no segundo dia da prova.
Ben Crenshaw falhou o cut e o adeus ficou dado. Tinha 63 anos. Carl Jackson era mais velho, com 68. As 32 pancadas acima do par depois de duas rondas foram um mero pormenor. Ao terminar o último buraco de sexta-feira, sentiram o momento, deram um longo abraço e não esconderam a emoção. Um dizia adeus como duas vezes campeão de uma das provas mais emblemáticas do golfe mundial; o outro despedia-se como recordista de edições como caddie.