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É Desporto

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06 de Outubro, 2017

Bucareste. Um inesperado jogo de voleibol premonitório

Rui Pedro Silva

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Um frio dos diabos e uma enorme preguiça puseram-nos a jantar ao lado da equipa de voleibol do CS Arcada Galati e a tentar perceber se podíamos acrescentar um jogo de voleibol na Roménia à nossa lista. Acabámos por ver ao vivo futuros reforços de Benfica e Sporting. 

 

Às vezes o que conta é estar no sítio certo à hora certa

 

É certo que muitas viagens giram à volta de um jogo – ou até mais do que um. Veja-se a logística necessária para conseguir ir ver os New England Patriots ou estar presente no último jogo de Kobe Bryant. Mas às vezes as coisas acontecem por acaso.

 

O acaso aqui juntou o frio das noites de fevereiro em Bucareste, a preguiça de sair do hotel na noite seguinte a uma viagem que acabou às 4h00 da manhã e um monte de homens muito grandes vestidos de igual sentados ao nosso lado.

 

A curiosidade é mais forte que nós: jogarão basquetebol? Voleibol? A resposta chegou rapidamente, assim que um deles nos virou as costas. Na camisola lia-se claramente “Arcada Volleyball”.

 

Não é preciso ser um génio, nem sequer saber que o Arcada é de Galati, para perceber que se toda uma equipa está num hotel em Bucareste equipada a rigor, vai haver jogo. Não foi preciso muito para pormos mãos ao trabalho. Literalmente, porque é sempre muito mais divertido passar horas agarrado ao telemóvel a pesquisar a data e local de uma partida em sites romenos do que ir perguntar isso mesmo aos senhores que estão à nossa frente.

 

Não foi fácil. E nem era por estar em romeno (o que, diga-se de passagem, acaba por parecer estranhamente fácil de deduzir tendo em conta a origem latina), mas sim porque a organização e a clareza dos detalhes não era muito… clara.

 

Percorremos todo e mais qualquer site. No da federação, conseguimos o primeiro avanço. O jogo é contra o Steaua Bucareste. Talvez pudesse facilitar um pouco mais, mas não: como é um clube que pertence ao Ministério da Defesa, tem instalações e pavilhões espalhados pela cidade inteira e os jogos parecem não ser sempre no mesmo local.

 

E, subitamente, o Facebook. Procurando por Steaua e Arcada Galati, encontramos a página específica da secção de voleibol da equipa da capital romena. Lá está, a publicidade ao jogo, com o dia e a hora. E o local? Zero, mentira, niente, nicles. Agora que estamos tão perto, não fugimos ao desafio e comentamos: «E onde é o jogo? Os bilhetes pagam-se?»

 

A resposta não é instantânea mas chega em pouco tempo. Dizem-nos a morada e pedem desculpa por não ter a informação sobre a questão dos bilhetes. Com o nome do pavilhão, fazemos a pesquisa e não demoramos muito a chegar a uma conclusão: mesmo tendo de apanhar dois autocarros diferentes e o caminho a pé ainda demorar alguns minutos, não podemos fugir à oportunidade. «Amanhã vamos ver o jogo, está decidido!»

 

Onde está o Wally? 

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Vamos recapitular: estamos em Bucareste, em fevereiro, os dias estão limpos mas frios e ainda há neve por todo o lado. Os dias são curtos e à hora do jogo começa a escurecer. E não sabemos bem por onde andamos. Mas não interessa: aventura é aventura, seja num dia de sol em Boston ou num dia escuro em Bucareste.

 

Chegamos com muito tempo de antecedência. Faz parte da prospeção do local. Será que é mesmo ali? Será que faz sentido ser ali? Visto de fora, é estranho. Não parece um pavilhão. A cancela à entrada e os militares de vigia conseguem intimidar mas os carros de exteriores de televisão ajudam-nos a acreditar que estamos no sítio certo, mesmo que não saibamos muito bem por onde entrar.

 

Falta muito tempo mas conseguimos matar os minutos num complexo comercial que fica do outro lado da estrada. Quando regressamos, seguimos um grupo de pessoas que parece ir ver o jogo. É confuso. Não nos sentimos num pavilhão de voleibol. Parecem corredores de escritórios e a qualquer momento podemos ser bloqueados com palavras de ordem que não vamos conseguir perceber.

 

E os bilhetes? Perdemos a noção e quando damos por nós já conseguimos ver o campo. A bancada é estranha, com poucos lugares e para ir para as sete, oito filas em cada uma das extremidades é preciso passar à frente dos bancos com os jogadores.

 

Preferimos falar com alguém responsável antes. «É preciso pagar alguma coisa para ver o jogo?», perguntamos timidamente. Ele fita-nos com um ar sério, tira-nos as medidas da cabeça aos pés e responde com um inglês macarrónico mas perfeitamente percetível: «Sim, têm de me dar 2000 euros». Continua a olhar-nos nos olhos e ri-se finalmente. «Não, estava só a brincar. Estejam à vontade. E sim, podem passar à frente dos jogadores para ir para a bancada.»

 

O brasileiro surpresa e os futuros reforços

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Os jogadores já aquecem e estamos junto ao banco do Arcada. Durante o trabalho de investigação descobrimos que a equipa tem um brasileiro chamado Caio Júnior. Olhamos um a um e pensamos que apenas um poderá ser brasileiro. E seguimos os seus movimentos.

 

Não temos forma de garantir que o brasileiro é aquele mas estamos razoavelmente seguros dos nossos poderes de adivinhação. E completamente errados. Aquele jogador que seguimos com atenção durante o aquecimento e que tem a palavra “Danger” escrita na camisola é o venezuelano Iván Márquez, atual jogador do Sporting (número 13 na foto). Ao lado dele está outro nome que nos parece conhecido das madrugadas, manhãs e tardes a ver Liga Mundial. Tem nome de búlgaro e confirmamos que já foi internacional. Chama-se Miroslav Gradinarov e joga no Benfica (em primeiro plano na foto).

 

Ali, naquele dia 20 de fevereiro em Bucareste, vimos dois jogadores que a 8 de outubro se vão reencontrar, agora como adversários, no primeiro dérbi de voleibol no Pavilhão João Rocha. Pontaria, hein? E o brasileiro? Entretanto percebemos quem é. Apesar de estarmos sempre à procura do nome Caio Júnior, o jogador parece ser mais conhecido por Provenzano de Prá.

 

O jogo começa e o Arcada parece mais forte. Afinal, esteve na luta pelo título na época e está novamente a fazer uma grande temporada, liderando depois de 17 jornadas. Na premonitória prospeção, Danger é titular mas lesiona-se logo no primeiro set (a coxa elástica com que começou o jogo já parecia confirmar alguns problemas) e é substituído por… Gradinarov.

 

O Steaua venceu o jogo sem discussão (25-15, 25-22 e 25-20) e subiu ao primeiro lugar, fazendo uma grande festa no final. Nós, com a aventura terminada, iniciámos a aventura de regresso ao hotel, nas costas do imponente Parlamento de Bucareste numa noite ainda mais fria. Demorou, foi preciso esperar pelos autocarros, mas chegámos a tempo de jantar.

 

Ali, na mesma mesa da véspera. Praticamente ao mesmo tempo, chegou a equipa para jantar depois do jogo. O ciclo tinha-se fechado, com o fim da história igual ao início. Valeu a pena.

RPS/SSM