Brandi Chastain. O soutien desportivo mais famoso da história
Foi internacional pelos Estados Unidos de 1988 a 2004. Marcou 30 golos e fez 192 jogos pela seleção. Ganhou dois títulos mundiais e dois olímpicos. E é a autora do momento mais memorável na história das fases finais, quando tirou a camisola após marcar o penálti decisivo que decidiu o desempate na final de 1999 com a China.
Hollywood estava a menos de uma hora de viagem mas dificilmente aquele Estados Unidos-China conseguiria vencer o Oscar para Melhor Argumento. O caso mudaria de figura se se juntasse a palavra “Adaptado” à frase.
Era julho de 1999 na Califórnia. O Rose Bowl tinha 90 mil pessoas na bancada – nem o presidente Bill Clinton faltou – e Estados Unidos e China estavam a disputar a final do Mundial de futebol feminino. Cinco anos antes, no mesmo mês, no mesmo estádio, com lotação esgotada, Brasil e Itália tinham passado pela mesma experiência.
No total, 240 minutos de uma nulidade absoluta. Jogos com poucas oportunidades e zero golos, tanto no tempo regulamentar como no prolongamento. Se Roberto Baggio entrou para a história em 1994, com o famoso pontapé para as nuvens, a estrela de 1999 foi da equipa vencedora: Brandi Chastain.
A jogadora tinha 30 anos e estava longe de ser uma das principais estrelas da seleção. Se os Estados Unidos fossem um cruzeiro, Michelle Akers era o teatro e Mia Hamm era a brilhante vista panorâmica. Brandi Chastain seria… a casa das máquinas. Não era pomposa nem se destacava pela espetacularidade, mas garantia que o futebol norte-americano não sentia problemas.
No meio-campo, controlava e orientava as tarefas para que nada faltasse a ninguém. E quando cometia um erro, dava a vida para garantir que este não tinha uma consequência negativa. Foi o que aconteceu no jogo dos quartos-de-final com a Alemanha no qual, depois de fazer um autogolo aos cinco minutos da primeira parte, compensou com um golo aos quatro minutos da segunda parte.
Na final contra a China, calhou-lhe o remate final no desempate por penáltis. Nove jogadoras antecederam-lhe e oito marcaram: só Liu Ying vacilou no momento da verdade. Era a vez de Brandi Chastain e a esperança de um país inteiro, com milhões a ver pela televisão, recaía sobre o pé esquerdo da jogadora que tinha nascido e crescido na Califórnia.
Mais do que nunca, Chastain estava a jogar em casa. Imune à pressão, partiu para a bola, marcou o penálti decisivo e deixou que a loucura tomasse conta do seu corpo. Numa das imagens mais emblemáticas do desporto feminino do século XX, Chastain tirou a camisola e fletiu os músculos, restando-lhe apenas um soutien desportivo preto.
O festejo, tantas vezes visto no futebol masculino, surpreendeu naquele cenário. Mas não houve escândalo, nem podia haver. Nada ficou à mostra, tirando o enorme orgulho de ter acabado de oferecer o título mundial aos Estados Unidos.
«Foi um instante de loucura, nada mais do que isso. Não estava a pensar em mais nada. Limitei-me a pensar que aquele era o melhor momento da minha vida num relvado», contou. E tinha razão: podia não ser o primeiro título dos Estados Unidos – esse chegou em 1991 – mas foi o primeiro conquistado em casa, num evento que levou mais de um milhão de espetadores às bancadas dos estádios espalhados pelo país.
A pressão era sentida por todos. Brandi Chastain tinha tudo para fazer história mas um pontapé mal calculado poderia mergulhar a decisão numa incerteza difícil de digerir. «O estádio estava incrivelmente sossegado. É incrível como mais de 90 mil pessoas conseguiram estar tão caladas: se quisesse, teria conseguido sentir a minha pulsação cardíaca», disse Brandi, anos mais tarde.
Meu rico pé esquerdo
Quem conhecia bem Brandi Chastain, achou aquele momento estranho. Não o festejo em si mas a forma como partiu para a bola e bateu o penálti. «Nunca tinha batido uma grande penalidade com o pé esquerdo num jogo competitivo, muito menos num Mundial», recorda, lembrando a ordem que recebeu do selecionador, Tony DiCicco, para trocar as voltas à guarda-redes chinesa.
A paranóia tinha chegado a todos. O selecionador estava preocupado com a quantidade de detalhes que as adversárias sabiam sobre as norte-americanas e decidiu fazer o possível para confundir Gao Hong.
E ali estava Brandi Chastain, habituada a rematar com o pé direito, com o penálti decisivo de um Mundial de futebol, a jogar em casa, com 90 mil espetadores nas bancadas, a inverter tudo o que o instinto lhe dizia para rematar com o pé contrário.
Aquela não fora a primeira vez que Chastain e Hong estiveram frente a frente. Em 1999, uns meses antes, a jogadora tinha falhado uma grande penalidade. «Ela entrou na minha cabeça e antes de rematar estava mais a pensar no que ela ia fazer do que em mim», contou. Os Estados Unidos perderam.
Desta vez, o pé esquerdo fez a diferença e o título foi conquistado. «Agitei aquela camisola no ar uma e outra vez, e deixei-me cair de joelhos festejando o que tínhamos acabado de conquistar. Não fazia ideia qual seria a minha reação: foi um momento verdadeiramente genuíno, uma loucura. Senti um grande alívio e uma grande alegria», disse.
A revolta dos conservadores
O festejo de Chastain não agradou a gregos e troianos. Nem mesmo a todos os norte-americanos. Como seria de esperar, num país como os Estados Unidos, a celebração foi escrutinada ao pormenor e as críticas surgiram.
Chastain não quis saber. «Há sempre alguém que pergunta por que foi assim e diz que foi uma falta de respeito», afirmou, garantindo que até foi bom que tivessem surgido: «Deram-me uma nova plataforma para contar ao mundo aquilo que o futebol me tinha dado».
As declarações que faz à BBC durante esta entrevista em 2014 não deixam dúvidas: «Há algo de primário no desporto que não ocorre em mais lado nenhum. Quando se tem um momento destes, em que se decide um Mundial, tens o direito de libertar o sentimento e a emoção que não existem noutros cenários».
O festejo de Chastain – e todo o burburinho que provocou – acabou por servir como a cereja no topo do bolo mediático que a fase final dos Estados Unidos foi. Concretizando as profecias de Sepp Blatter e de muitos membros da FIFA, o futebol feminino estava vivo e conquistava gente a cada dia que passava.