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É Desporto

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20 de Novembro, 2019

Boavista. Uma transição conturbada que acaba com Jaime Pacheco

Rui Pedro Silva

João Loureiro e Jaime Pacheco juntaram-se em 1997/1998

*Este texto é a terceira de cinco partes do especial: «Boavista-2001. O making of de um título»

O verão de 1996 voltou a ser muito agitado para os lados do Bessa. Manuel José saíra para o Benfica depois de cinco temporadas como timoneiro dos axadrezados e o plantel também sofreu uma baixa significativa.

Depois de quatro épocas e 55 golos no clube, Artur mudou de cores na Invicta e foi para o FC Porto. O ataque era uma das áreas mais deficitárias do plantel (Nelson Bertollazzi também havia regressado ao Brasil), mas esteve longe de ser um problema durante a temporada. Nuno Gomes cumpria a terceira época com o plantel sénior e marcou 15 golos no campeonato. O holandês do Suriname, Jimmy Floyd Hasselbaink, foi recrutado ao Campomaiorense e tornou-se o melhor marcador da equipa com 20 golos.

Do FC Porto, fruto dos negócios desencadeados pela transferência de Artur, chegaram Jorge Couto (um futuro campeão) e Latapy. Simic foi pescado na Madeira, ao União do segundo escalão, e Martelinho e Pedro Emanuel regressaram dos empréstimos.

Com sete jogadores no plantel que acabariam por ser campeões em 2001, este Boavista sofreu para começar a carburar. Faltava um líder. Ou melhor, faltava alguém que conseguisse preservar a empatia que havia entre Manuel José e os jogadores. Zoran Filipovic foi a primeira aposta de Valentim Loureiro mas durou poucos meses até ser substituído por João Alves, que aguentou ainda menos tempo. Por fim, Mário Reis.

A sombra de Manuel José, que entretanto também já tinha saído da Luz, era demasiado grande e o clube ressentiu-se. No final da primeira volta, tinha apenas quatro vitórias em 17 jornadas e seguia com 19 pontos no 14.º lugar. Na Taça UEFA, eliminara Odense e Dínamo Tbilisi mas sofrera a vingança do Inter nos oitavos de final (5-1 em Milão e 0-2 no Bessa). Só mesmo a Taça de Portugal poderia salvar a temporada… e foi precisamente o que aconteceu.

A chegada de Mário Reis assumiu um protagonismo indiscutível na evolução em 1997, no ano em que Valentim passou o testemunho ao filho João Loureiro. Dentro de campo, os jogadores soltaram-se, começaram a somar pontos atrás de pontos e só sofreram mais três derrotas: no Bessa com o FC Porto, em Braga e em Chaves. Pelo caminho, empataram com o Benfica e venceram o Sporting em casa.

As contas finais do campeonato mostravam precisamente essa evolução, com 49 pontos e um sétimo lugar. Na Taça de Portugal, a única janela de entrada restante para as competições europeias, os axadrezados eliminaram Estrela de Vendas Novas, Oriental, Infesta, Estoril e Sporting antes de reencontrar o Benfica no Jamor.

Foi uma final esquisita. Sánchez e Nuno Gomes já tinham a transferência para a Luz acordada mas fizeram a diferença dentro de campo no triunfo por 3-2. O boliviano bisou e o jovem português marcou um golo frente a um Benfica que acabou surpreendido pela entrada forte dos boavisteiros, que aos 28 minutos já ganhavam 2-0.

Mais um mercado cheio de novidades

Sánchez regressou à Luz mas voltou a não ter muito sucesso

Mário Reis manteve a posição de treinador para 1997/98 mas voltou a sentir as dores de crescimento num Boavista que acabara de vencer o terceiro título – e a segunda Taça de Portugal – da década.

O período marcava uma verdadeira mudança de geração. Sánchez e Nuno Gomes foram para o Benfica, Jimmy Floyd Hasselbaink rumou a Inglaterra para representar o Leeds United, Nelo foi para Vila do Conde e o mítico Bobó, líder do balneário em final de carreira e com apenas 45 minutos jogados, também tinha saído a meio da época

As saídas exigiam reforços e foi precisamente isso que aconteceu. Dos futuros campeões apareceram dois: o guarda-redes camaronês William foi contratado no Brasil e o francês Quevedo chegou do Moreirense.

Para um ataque cheio de buracos, sem Nuno Gomes e Jimmy, foram contratados Ayew (V. Setúbal), Conteh (Meppen), Wouden (Heerenveen) e Jacaré (Avaí), contrariando uma tendência forte de raramente recrutar jogadores no estrangeiro. Havia uma razão para tal: o ganês Ayew foi o único a provar o que valia, com 16 golos no campeonato, e uma entrada fulgurante na temporada, no jogo da Supertaça.

O duelo com o FC Porto, numa final a duas mãos, trouxe boas indicações: Ayew e Timofte marcaram no Bessa (2-0) e a equipa de Mário Reis segurou a vantagem nas Antas apesar da derrota (1-0), provocada por um ex-jogador (Fernando Mendes).

O problema é que não houve seguimento. A campanha europeia na Taça das Taças chegou ao fim logo na primeira ronda, após a eliminação com um ainda relativamente desconhecido Shakhtar Donetsk, e os resultados no campeonato obrigaram João Loureiro a mexer. Com 12 jogos disputados, o Boavista era 15.º com 12 pontos (apenas duas vitórias). Só V. Setúbal (10), Belenenses (9) e Desp. Chaves (8) estavam pior.

Era preciso agir. E, sem saber, promover a chegada de mais um futuro campeão. Jaime Pacheco tinha iniciado a época no V. Guimarães pelo terceiro ano consecutivo mas já estava desempregado, acabando substituído por Quinito depois de um empate… com o Boavista.

A escolha para suceder a Mário Reis não podia ter sido melhor. Este Boavista já não era o Boavistão de Manuel José. Não tinha os mesmos intérpretes. Não havia a qualidade de João Pinto, Marlon, Ricky ou Artur. Ayew era a única grande referência no ataque e atrás apenas a qualidade técnica de Timofte destoava num meio-campo de combate.

Nascia assim o Boavista de Pacheco. Um Boavista de luta, menos estético, com menor qualidade mas cada vez mais pragmático. Podia não jogar bem, ou sequer assemelhar-se ao estilo de jogo dos anos anteriores, sobretudo no período áureo com Manuel José, mas encontrara uma nova forma de chegar às vitórias.

A reta final trouxe um sabor agridoce. Muitos poucos poderiam acreditar mas o Boavista chegou à última jornada num lugar europeu: era quinto com 55 pontos, em igualdade pontual com o Sporting, e a um do terceiro classificado (o Vitória minhoto). Porém, a derrota em Campo Maior aliada ao triunfo do Marítimo no Funchal sobre o FC Porto fez com que os axadrezados falhassem o acesso à Europa do futebol.

O óbvio era aparente: a revolução estava em marcha e Jaime Pacheco era o comandante. A temporada seguinte seria especial. Foi a que fez com que os adeptos começassem realmente a acreditar que era possível algo mais. A história ia desenhar-se em anos consecutivos e nada mais voltaria a ser o mesmo.