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É Desporto

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11 de Agosto, 2017

Bastia. A final europeia do clube que caiu no abismo

Rui Pedro Silva

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Depois do Reims de Kopa e Fontaine e do Saint-Étienne de Santini, houve o Bastia de Papi e Rep. Em 1978, o clube da Córsega atingiu a final da Taça UEFA de forma surpreendente e uniu a ilha em torno de um objetivo. A derrota com o PSV foi apenas o primeiro passo numa longa queda que pode levar o clube ao desaparecimento.  

 

Um clube sem destino à vista

 

O Bastia assistiu na primeira linha ao título do Monaco de Leonardo Jardim na época passada. À imagem do clube monegasco, também ele tinha um treinador português, Rui Almeida. O rumo era diferente: enquanto um estava no topo, o outro encaminhava-se para a queda.

 

Foi anunciada. A descida de divisão era o menor dos problemas do Bastia, que viu esta semana ser confirmada a queda para o quinto escalão, na sequência da incapacidade de apresentar as garantias financeiras necessárias para competir entre os profissionais. Até havia um grupo de investidores interessado em comprar o clube mas quando soube que a situação financeira era ainda pior do que a anunciada recuou e deixou o clube da Córsega ainda mais isolado no meio do Mediterrâneo.

 

O Bastia nunca foi campeão. Nunca foi visto como um dos melhores clubes franceses, longe de conseguir competir com equipas com a tradição do Saint-Étienne, Marselha, Lyon ou PSG. Mas esse também nunca foi o objetivo. O Bastia manteve sempre o orgulho nas suas conquistas, como a Taça de França em 1981, e a satisfação pelos momentos mais altos da sua história.

 

Em 1977/78, a ilha uniu-se em torno do clube graças à campanha europeia na Taça UEFA. Até para o país foi um momento especial. Depois das finais da Taça dos Campeões Europeus perdidas por Stade Reims (1956 e 1959) e Saint-Étienne (1976), será que a França conseguiria finalmente erguer um troféu europeu?

 

O Sporting no início da caminhada

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O Bastia conquistou um lugar na Taça UEFA depois de ter sido terceiro classificado no campeonato francês em 1977, com 47 pontos. Nessa equipa, Dragan Dzajic era uma das principais estrelas. Figura de proa da Jugoslávia nas décadas de 60 e 70, disputou duas temporadas em França e contribuiu com 21 golos na época do terceiro lugar.

 

O regresso ao Estrela Vermelha na época seguinte impediu que pudesse dar o seu contributo ao Bastia na melhor época da história do clube. À falta de Dzajic, havia outro estrangeiro em destaque: o holandês Johnny Rep, avançado que tinha disputado a final do Mundial-1974 e estava a caminho de nova presença, na Argentina, em 1978. Depois, um homem da casa chamado Claude Papi, eleito o melhor jogador da Córsega do século XX.

 

Papi tinha nascido na ilha e estava no clube desde sempre. Tornara-se o primeiro jogador do Bastia a jogar pela seleção e brilhava na posição de organizador de jogo. Não era o capitão, mas transportava a mística e ajudava a unir a equipa em torno dos objetivos.

 

A campanha na Taça UEFA foi praticamente demolidora e arrancou com sete vitórias consecutivas. Os portugueses do Sporting foram o primeiro adversário e estiveram perto de levar a melhor, mas sentiram na pele a determinação do Bastia.

 

Na primeira mão, em França, os leões de Alvalade estiveram a ganhar por duas vezes (Jordão e Fraguito), mas um hat-trick de François Felix em 32 minutos garantiu a vitória para os córsegos. Depois, em Alvalade, Manuel Fernandes marcou aos 73 minutos e colocou o Sporting em vantagem na eliminatória. Tudo parecia correr bem mas, aos 87 e aos 89, Rep e Lacuesta carimbaram a reviravolta dos franceses.

 

Estar a perder num jogo transformou-se uma tradição na Taça UEFA. Na ronda seguinte, com o Newcastle, Papi marcou dois e virou a desvantagem de 0-1 em casa. Depois, com o Torino, mais do mesmo, com destaque para uma invulgar derrota dos italianos em casa, depois de uma invencibilidade que durou dois anos.

 

Sporting, Newcastle, Torino, Carl Zeiss Jena e Grasshoppers. Um a um, com menor ou maior dificuldade, todos caíram aos pés do Bastia. Só faltava o PSV na final.

 

Um calendário que saiu furado

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A primeira mão da final, em casa, estava agendada para 26 de abril de 1978. Para os franceses, o problema era grande, uma vez que a jornada 36 estava marcada para 25 e a jornada 37 para 28. A solução passou por adiar os encontros para depois da primeira mão da final, numa liberdade muito inflexível, uma vez que o Mundial-1978 estava a chegar e as datas eram escassas.

 

Esse foi o grande problema do Bastia. Quando o dia da primeira mão chegou, o tempo e o relvado não quiseram nada com o espetáculo. Durante horas, responsáveis da equipa francesa tiveram de ser criativos para tentar absorver as poças de água com sacos de areia. Sem sucesso.

 

Par o árbitro, o jugoslavo Duksan Maksimovic, adiar o encontro não era uma opção. Uma vez mais, não havia datas disponíveis. Era preciso jogar, mesmo que a bola praticamente não rolasse e as condições não fossem dignas de uma final europeia. Não surpreende, portanto, que o resultado tenha sido um insípido 0-0.

 

O esforço físico deixou fatura nas duas equipas mas o Bastia pagou de forma muito mais visível. Entre a primeira e a segunda mão, disputada a 9 de maio, o PSV só disputou um jogo, já campeão holandês, no terreno do Utrecht a 29 de abril (triunfo por 1-0).

 

Para o Bastia, o campeonato era de 38 jornadas e não de 34. O que se seguiu foi um verdadeiro teste à resistência dos jogadores, com um jogo a 1 de maio (vitória por 4-0 no terreno do Saint-Étienne), outro a 2 de maio (derrota no Mónaco por 2-1) e finalmente um a 4 de maio (vitória por 5-3 frente ao PSG).

 

Sem argumentos na Holanda

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Quando o Bastia entrou em campo em Eindhoven, alguns dos seus principais jogadores tinham feito três jogos nos oito dias anteriores. Mesmo que o PSV pudesse ser tendencialmente favorito à conquista do título, as esperanças do Bastia foram aniquiladas pelo contexto.

 

O PSV não se fez rogado. Inaugurou o marcador aos 24 minutos, por Willy van de Kerkhof, e partiu para uma confiante vitória por 3-0, aumentando a vantagem na segunda parte por Gerrie Deijkers e Willy van der Kuijlen.

 

Do lado do Bastia, que tinha ainda outras referências como o capitão Charles Orlanducci, o conceituado Jean-François Larios e o marroquino Abdelkrim Krimau, não houve capacidade para inverter, ou pelo menos pôr em causa, o desfecho.

 

Para a história ficou o momento em que o clube francês quase tocou o céu. Na época em que Rep e Papi combinaram para 33 golos no campeonato (18 mais 15) e onze na Taça UEFA (sete mais quatro).

 

Não muito tempo depois, Claude Papi deixou a Córsega mergulhada em tristeza. Em 1983, na época seguinte ao final da carreira, morreu devido a um aneurisma enquanto jogava ténis. Tinha 33 anos. Johnny Rep saiu no final da época seguinte e trocou o azul do Bastia pelo verde do Saint-Étienne. Aos poucos, ninguém resistiu à mudança do tempo e a memória da final europeia foi ficando cada vez mais distante.

 

O legado de Jacques Tati

 

Jacques Tati é um dos realizadores franceses mais conceituados do cinema europeu e desempenhou um papel revolucionário no tratamento do som, visível em filmes com Mon Oncle e Playtime. Em 1978, a convite do presidente do Bastia, Gilbert Trigano, recolheu imagens do dia da primeira mão da final com o objetivo de fazer um documentário.

 

As imagens estiveram perdidas até 2002. Foi nessa altura que a filha de Jacques encontrou as bobines do pai, que morrera em 1982, e decidiu mostrar ao mundo o trabalho que tinha sido feito, sob o nome de «Forza Bastia».

 

O que se vê foi, para muitos franceses, a recordação do que se tinha passado, a forma como uma cidade inteira – e uma ilha – se tinham juntado em torno de um clube numa altura em que o orgulho nacionalista atingia novos cumes.

 

Por toda a cidade, o azul e o branco dominavam – desde as igrejas às obras de construção – e a France Football titulava que os leões estavam à solta. Nas ruas, durante o jogo, o silêncio era sepulcral e todos os olhos estavam no encontro, fosse ao vivo no estádio ou a acompanhar pela televisão.

 

Tinha tudo para ser um momento histórico na altura, mas a ausência de golos e a final perdida retiraram importância às filmagens. Mais de vinte anos depois, a oportunidade surgiu. E parece cada vez mais um sonho, agora que o Bastia está nas ruas da amargura.

RPS