Babe Ruth. A venda que mudou a história do basebol
Harry Frazee precisava de dinheiro e achou que os Boston Red Sox ficavam melhores sem a sua maior estrela. Os Yankees entraram em cena, proporcionaram a maior transferência da história, e alteraram o panorama da MLB para sempre.
Um dono sem paciência
Nenhuma equipa tinha tantos títulos com os Red Sox. Depois da conquista na edição inaugural (1903), ainda como Americans, a equipa de Boston viveu uma década de luxo, muito por culpa de nomes como Cy Young e Babe Ruth e voltou a vencer em 1912, 1915, 1916 e 1918.
Pormenor: Harry Frazee só comprou a equipa depois do título de 1916. Homem ligado à Broadway e à produção de espetáculos, mostrou ter muito pouca paciência. Sim, os Red Sox continuavam a ser dominadores mas, no final da temporada de 1919, Frazee era um homem a necessitar desesperadamente de dinheiro.
As contas são simples: os Red Sox tinham três títulos nos últimos cinco anos mas Frazee só lá estava num dos triunfos. Os efeitos da Grande Guerra ainda se notavam na bilheteira e nos lucros e o sexto lugar na Liga Americana em 1919 abriu caminho para a pior decisão na história do basebol.
Babe Ruth tinha acabado de bater o recorde de home runs numa temporada (29) e, como nenhum outro, mostrava ser prodigioso como lançador (nove vitórias e cinco derrotas), mas Frazee não viu as coisas desse modo.
«Prefiro uma equipa ganhadora do que uma equipa de um jogador que termine em sexto», afirmou numa conferência de imprensa a 5 de janeiro de 1920, o dia em que o negócio entre os Red Sox e os Yankees foi oficializado.
Um investimento sem igual
Os proprietários dos New York Yankees, Jacob Ruppers e Tillinghast Huston, eram o oposto de Frazee. Dinheiro não lhes faltava mas o palmarés da equipa continuava por inaugurar. Os ingredientes estavam reunidos: juntou-se a fome à vontade de comer e o negócio foi para a frente.
«O valor foi enormérrimo, mas não me interessa estar para aqui a falar em dinheiro», disse Frazee na conferência de imprensa. «Foi uma verba que a equipa não podia recusar», continuou.
Estamos a falar de cerca de 400 mil dólares: 300 mil num empréstimo feito a Frazee para que pudesse manter o Fenway Park, inaugurado em 1912 e atualmente o estádio mais antigo da MLB, e quatro parcelas de 25 mil dólares. O valor final era praticamente idêntico ao que Ruppers e Huston tinham aplicado na compra da equipa quatro anos antes.
«Nenhum outro clube poderia pagar o que os Yankees pagaram e, sinceramente, não tenho receio nenhum em dizer que acho que estão a correr um risco», disse o proprietário dos Red Sox.
O artigo do Boston Globe decidiu seguir a mesma lógica de ideias, mais não seja para não contrariar o dono da equipa: «Se o Babe se aguentar por um par de anos, não há dúvida de que os Yankees vão ter o seu dinheiro e muito mais de volta mas se, por acaso, ele se lesionar durante a pré-época, vai ser um erro muito caro. O seu joelho frágil torna-o suscetível a lesão e não há seguro que possa ser comprado para um jogador lesionado em campo».
Aplicação do dinheiro
A estratégia de Frazee foi revelada por ele próprio logo no dia do anúncio do negócio. Uma vez que «nenhum clube poderia dar o equivalente em jogadores sem destruir o plantel», o objetivo foi receber dinheiro suficiente que permitisse a Boston «ir ao mercado e comprar outros jogadores para ter uma equipa melhor e mais forte do que teria se Ruth tivesse continuado».
O treinador dos Red Sox, Ed Barrow, tinha o mesmo raciocínio e até agradecia não lhe serem impingidos jogadores dos Yankees. «Já é mau o suficiente perder o Babe Ruth. Não tornes as coisas mais complicados ao obrigar-me a pôr a jogar gente que só vale um décimo», disse a Frazee.
Da teoria à prática foi um mundo de distância. A tendência foi a oposta: os Red Sox continuaram a vender muito mais do que compravam – até já não restarem jogadores de valor – e os Yankees apoiaram-se em Babe Ruth para se tornarem a melhor equipa dos Estados Unidos.
O impacto do jogador foi imediato. De 29 home runs de 1919, Bambino, como também era apelidado, passou para 54 em 1920 e 59 em 1921. Os efeitos da Grande Guerra pareciam cada vez mais esquecidos e Nova Iorque atravessava um período próspero.
Os lucros eram cada vez maiores - milhares de pessoas acorriam ao fenómeno Babe Ruth - e houve dinheiro suficiente para construir o Yankee Stadium, inaugurado em 1923 e que permitiu à equipa deixar de partilhar o Polo Grounds com os New York Giants.
Ali, no estádio que passou a ser conhecido por «a casa que Ruth construiu», os Yankees conquistaram o primeiro título da história em 1923, com um total de onze jogadores que tinham passado pelos Red Sox.
As duas equipas caminharam para extremos opostos de relevância. Harry Frazee vendeu a equipa em 1923 e os Yankees, sempre com Babe Ruth em plano de destaque, voltaram a ser campeões em 1927, 1928 e 1932.
A Maldição do Bambino
O pecado da venda de Babe Ruth, associado à ascensão dos Yankees e ao declínio dos Red Sox, alimentou durante décadas a ideia de haver a Maldição do Bambino.
Os números eram esclarecedores. Até 2004, os Red Sox nunca mais foram campeões e passaram por quatro finais perdidas de forma dramática, sempre no sétimo e decisivo jogo. Ao mesmo tempo, o maior rival, os New York Yankees, foi somando títulos atrás de títulos, chegando a 2004 com 26.
A Maldição foi quebrada com estrondo e de forma histórica, 84 anos depois de ter sido anunciada a venda e 86 anos após o último título. Na final da Liga Americana, os Red Sox perdiam por 0-3 contra os Yankees e pareciam, uma vez mais, destinados a ser o elo mais fraco da rivalidade. Mas, pela primeira e única vez na história da MLB, uma equipa recuperou de 0-3 para 4-3.
Na semana seguinte, os Red Sox derrotaram os St. Louis Cardinals e conquistaram a primeira World Series da era pós-Babe Ruth. A maldição tinha morrido e os Red Sox partiram para novo período áureo, tendo em conta o passado, com títulos em 2007 e 2013. Já os Yankees só voltaram a festejar em 2009, no ano que marcou a construção do novo estádio. Coincidência?