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É Desporto

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30 de Outubro, 2017

Atlético Madrid. O Calderón pariu um… rato

Rui Pedro Silva

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Talvez seja um Velho do Restelo. Talvez tenha sido apenas um dia mau. Talvez não tivesse sido o melhor jogo. Mas o primeiro contacto com o Wanda Metropolitano foi uma desilusão que parece ter destruído todos os ingredientes de magia que enchiam o Vicente Calderón.  

 

Primeiro estranha-se. E depois?

 

O Wanda Metropolitano é um estádio moderno. As bancadas são todas cobertas e o espaço entre cadeiras traz um conforto que não se vê em muitos cantos da Europa. Mas, para já, continua a ser pouco mais do que uma construção recente, sem história, sem magia, sem ambiente que faça recordar os tempos áureos do Vicente Calderón.

 

Durante os últimos anos, o estádio na margem do Manzanares foi alvo de peregrinação frequente. E, com o passar do tempo, foi ganhando um estatuto de estádio especial. Era um estádio à antiga, só uma das bancadas era coberta e as outras três ficavam à mercê do tempo. De chuva a frio polar, passando por calor abrasador, houve de tudo.

 

Mas nunca o ambiente foi mau. A claque do Atlético Madrid assumia-se como líder sem rodeios entre a assistência e o vulgar adepto não se intimidava e acompanhava o passo. O nível do apoio impressionava e, discutindo-se opiniões, ultrapassava em larga margem o Santiago Bernabéu e o Camp Nou. Só o Sánchez Pizjuán (falando apenas dos quatro que conhecemos) ameaçava atingir esse estatuto.

 

O Wanda não teve isso. Tudo ali parece demasiado recente ainda. É como uma casa nova acabada de comprar com a decoração a meio-gás e os próprios acessos a precisarem de afinações.

 

Tão perto e ao mesmo tempo tão longe

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O estádio vê-se da pista de aterragem de Barajas. Parece ali à mão de semear mas chegar lá promete ser um desafio complexo. A caminhada, direta, supera os quatro quilómetros e não é muito amigável para pedestres. De metro, a perda de tempo é tão grande – obriga-nos a ir quase ao centro de Madrid em consecutivas mudanças de linha – que não compensa. O meio-termo, entre autocarro e caminhada de cerca de dois quilómetros é a forma mais fácil de chegar.

 

No caso, com uma paragem intermédia no hotel, a ida de metro acaba por compensar, até porque há uma paragem no estádio. Aí sim, nota-se a diferença, para melhor, para o Vicente Calderón. Em oito ou nove viagens no passado, o metro raramente foi uma opção, tal era a enchente em estações mal preparadas para dias de jogo.

 

Agora, tudo é à grande. Chega a haver mais gente na plataforma do que em alguns jogos do campeonato português (poucos, vá, mas fica a ideia). Afinal, aquela é uma estação com um único propósito: servir os adeptos que vão ao jogo.

 

Seguir a corrente é tudo o que é necessário para dar com o estádio. À saída do metro, olhamos por cima do ombro direito, e lá está ele, imponente, sem traços distintivos e históricos para já. A maré vermelha e branca tem espaço para andar e divide-se entre a loja, as portas do estádio e o passeio da fama.

 

De Mendonça a Oblak

 

Chamemos-lhe a Hollywood do Metropolitano. Na parte exterior da bancada central, as placas no chão com nomes de jogadores históricos do Atlético Madrid saltam à vista. Têm o número de jogos, o nome pelo qual eram conhecidos, o nome completo, o número de temporadas e a descrição das temporadas em que vestiram à colchonero.

 

Não é preciso ser Sherlock Holmes, nem sequer um familiar afastado, para rapidamente perceber que estão dispostos dos mais antigos para os mais recentes. O primeiro que nos surge à frente é Mendonça, um dos portugueses a alinhar pelo clube de Madrid. «Este é um dos históricos», diz um velho para quem o acompanha enquanto nos estraga a fotografia.

 

Decidimos seguir o percurso. Os nomes portugueses saltam-nos à vista mas, ao mesmo tempo, há referências intemporais impossíveis de ignorar. Há quem tire uma fotografia ao lado da placa de Pantic, na zona em que parece estar toda a equipa campeã em 1996. Antes, uns metros ao lado, há uma enorme aglomeração de adeptos junto a uma placa. 

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Será um ídolo? Nem por isso. A placa de Hugo Sánchez merece uma atenção especial, mas nem por isso positiva. A troca para o Real Madrid não é esquecida e os adeptos decidem fazer da placa um caixote do lixo a céu aberto, com copos e garrafas de cerveja ou refrigerantes.

 

Paulo Futre merece uma atenção especial numa coleção que, pelo que conseguimos encontrar, também tem espaço para Simão Sabrosa e Tiago. A acabar, há ainda espaço para nomes mais recentes, com o uruguaio Giménez a surgir sozinho na última fila.

 

Não se esquecem símbolos

 

O Atlético Madrid fez um esforço para não se esquecer dos seus símbolos do passado, mesmo aqueles que optaram por um caminho merengue depois, mas foi lesto a fazer uma mudança do próprio símbolo.

 

A decisão tem meses mas ainda não foi esquecida. O formato, a conjugação de cores e o desaparecimento do verde não caíram no goto dos adeptos e há dois momentos em que isso se percebe bem antes de ir para a bancada.

 

Primeiro na loja. É certo que está cheia de gente em todo o lado mas o canto em que surgem ainda items com o símbolo antigo e referências ao Vicente Calderón parece merecer uma atenção especial por quem lá passa. Depois cá fora, nos postes de iluminação. São vários os sinais de protesto à mudança, com mensagens de que no escudo não se mexe. 

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Grupo organizado de adeptos?

 

O Wanda tem capacidade para mais dez mil espetadores do que o Vicente Calderón. E estava praticamente cheio contra o Villarreal mas nem por isso o ambiente foi melhor.

 

Do ponto de vista estético, é um estádio bonito. Pode ter arestas a limar nos próximos meses, ingredientes que só se conseguem com o uso contínuo das instalações, mas é bonito e confortável. Só que não é só isso que importa.

 

Mesmo cheio, não foi capaz de intimidar. E demorámos a perceber exatamente o porquê. Começámos por pensar que era apenas por todo o contexto ser diferente, por não ser o Vicente Calderón. O cantar do hino com a entrada das equipas pareceu amorfo e feito como se não passasse de uma tradição que se tivesse de cumprir.

 

Mais tarde, tudo fez sentido. Todos os cânticos que vinham das bancadas vinham de adeptos organizados em grupo e não da claque, historicamente situada atrás da baliza sul. Ela estava lá, era impossível não ver, mas estava em protesto contra alguma coisa.

 

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Durante toda a primeira parte o ambiente pareceu o de um funeral. De tempos a tempos, vários setores do estádio assumiam a responsabilidade e lançavam um cântico diferente, com enfoque especial no hino, mas nunca pegava verdadeiramente.

 

Estava tão mau que, mesmo à nossa frente, e também por causa do nível de jogo, um adepto pôs-se de pé e gritou de forma bastante audível: «Abuuuuurrrrro!». As pessoas riram-se. Não porque tenham achado graça mas sim porque houve uma tendência para concordar com o óbvio: estava a ser um jogo entediante.

 

Se no Vicente Calderón o pensamento obrigatório era «mas por que é que demorámos tanto tempo a voltar cá», ali o «será que isto agora vai ser sempre assim?» assumia uma posição de destaque.

 

O acordar da claque

 

Foi preciso esperar 49 minutos para a claque se fazer ouvir pela primeira vez. Aos 33 e aos 48 houve ameaças, pondo-se de pé e preparando tambores, apenas para se sentar novamente. Ao que foi possível ver, a atividade só começou depois de um homem, vestido de fato e com um intercomunicador ter aparecido atrás da baliza a falar com os líderes.

 

A mudança de ambiente foi quase instantânea mas não resolveu tudo. Talvez porque o estrago já estivesse feito ou, se calhar, porque o próprio estádio pode não ser tão pródigo para provocar o ambiente infernal do Calderón. O certo é que o golo de Correa chegou pouco tempo depois.

 

O público suspirou pelo aparecimento da claque mas não lhe passou um cheque em branco. Num fim-de-semana muito marcado pelas manifestações relacionadas com a declaração unilateral da independência da Catalunha, a claque aventurou-se por um cântico político.

 

Qual foi exatamente não percebemos, até porque foi abafado pelos assobios numa questão de segundos. «Mas por que estão a misturar futebol com política?», indignou-se uma adepta ao nosso lado. Segundos depois, a claque tenta uma segunda investida, apenas para provocar uma reação ainda mais negativa.

 

De facto, só uns minutos mais tarde, com o famoso «que viva España», a claque conseguiu agarrar o resto do público e provocar aplausos e angariar vozes.

 

Tudo muda… menos o resultado

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A estreia no Wanda Metropolitano foi um conjunto de novidades e ataque às tradições mas houve pelo menos uma coisa que não mudou: o resultado.

 

O toque de Midas invertido continua forte e parece prolongar a incapacidade de vermos o Atlético ganhar em casa contra um adversário espanhol. Desde 2007, os episódios foram-se repetindo e todos, um a um, saíram do Calderón sem uma derrota. Começou o Espanyol de De la Peña e acabou com o Villarreal de Bacca, mas pelo meio houve Valencia, Real Madrid e Málaga (no famoso jogo que poderia ter dado título e que valerá uma experiência nesta rubrica em breve).

 

De facto, só mesmo o Malmö e o Galatasaray, em jogos da Liga dos Campeões, ajudam a quebrar a malapata.

RPS/SSM 

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