Athletic. A birra que afastou os estrangeiros de Bilbau
O Athletic Bilbao não é a equipa com mais títulos em Espanha. Não sequer é a mais temida. É raro encontrar uma criança que diga que quando for grande quer jogar no clube de San Mamés. Porque na maior parte dos casos não pode mesmo. O que distingue a equipa de Bilbau das outras é muito concreto. Pode falar-se em três pontos: é uma das equipas que nunca desceram de divisão (juntamente com o Barcelona e o Real Madrid), foram adeptos do Athletic que fundaram o Atlético Madrid e, talvez a mais famosa, não há estrangeiros no plantel.
Não se trata de xenofobia, racismo ou preconceito. E também não é a história de uma afirmação da personalidade basca face aos estrangeiros. Pelo menos não foi assim que começou. A história não está na ponta da língua, mas já houve estrangeiros. Aliás, já foram demasiados. Foi precisamente por isso que em 1911 o clube decidiu seguir por um caminho único: daí em diante não haveria mais estrangeiros a jogar no clube. Porquê? Se fosse uma luta de irmãos, poderia dizer-se que o Athletic fez uma birra depois de a Real Sociedad se queixar.
A edição da Taça de Espanha em 1911 mudou tudo. A competição começou logo com polémica, quando o Deportivo da Corunha e o Academia de Ingenieros desistiram em protesto pelo excesso de estrangeiros na prova. Daí para a frente foi uma bola de neve. Um dos vilões era o Athletic. Diziam os rivais que os bascos jogavam com dois ingleses profissionais. Que não viviam em Espanha há tempo suficiente e ainda só falavam castelhano.
O jogo da primeira ronda fez entornar o caldo. O Athletic Bilbao derrotou o Fortuna de Vigo por 2-0 e tinha Sloop e Martin na equipa. Havia ainda um terceiro inglês (Weith), que, apesar de não ter jogado, era o único que cumpria as normas. A Real Sociedad impugnou o jogo mas o protesto foi recusado e abandonou a prova. A iniciativa teve seguidores: não haveria mais prova se o Athletic Bilbao continuasse a alinhar com os ingleses. A pressão teve sucesso mas a decisão teve um impacto muito maior que o esperado. O Athletic Bilbao venceu a edição da Taça do Rei (3-1 ao CD Español na final) e a partir daí nunca mais houve um estrangeiro a jogar pela equipa bilbaína. Aliás, nunca mais houve um jogador sem ligações bascas a jogar pelo Athletic.
A filosofia do Athletic não é fixa. Não está escrita como regra e está longe de ser obrigatória. Talvez por isso, ao longo dos anos tenham aparecido pequenas excepções. A grande maioria dos jogadores continua a ter nascido no País Basco espanhol, mas em 1956, por exemplo, Miguel Jones, nascido na Guiné Equatorial, alinhou num encontro particular. Jones chegou a Bilbau com cinco anos e os responsáveis acreditaram que era uma exceção aceitável.
Em 1996/97 aconteceu o caso mais famoso. Bixente Lizarazu não era sequer espanhol (foi campeão do mundo pela França, em 1998), mas era oriundo do País Basco francês (Iparralde). Por isso, meses depois de ter festejado o apuramento para a final da Taça UEFA com uma bandeira basca (a ikuriña), o Athletic decidiu contratá-lo.
Desde então as fronteiras alargaram-se ainda mais. Filhos de emigrantes, jogadores que tenham sido formados em clubes bascos ou que tenham vivido desde novos no País Basco passaram a ser recebidos de braços abertos no plantel. Mais recentemente, no final de 2011, Fernando Amorebieta fez história. O central era internacional pela Venezuela e a 17 de Dezembro tornou-se o primeiro estrangeiro (apesar da origem basca) a envergar a braçadeira de capitão.
Os princípios podem estar mais abertos e o sonho de jogar no Athletic pode ser mais fácil, mas ainda assim 2019 será o ano 108 de um clube fechado aos estrangeiros. Não é defeito, é feitio.