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É Desporto

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19 de Fevereiro, 2017

Antes de Samuel Eto’o houve Laurent Pokou

Rui Pedro Silva

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O pai nunca quis que jogasse futebol e chegou a abandoná-lo numa cidade para que pudesse completar os estudos e arranjar um emprego. Laurent não se fez rogado, tornou-se projecionista num cinema e encontrou uma equipa local. Acabou a brilhar pela Costa do Marfim em duas edições consecutivas da Taça das Nações Africanas. A estreia pela seleção foi há 50 anos.

 

 

Contra a vontade do pai

 

Laurent nasceu a 10 de agosto de 1947. Desde o primeiro momento, o pai, Édouard, soube o que queria para o filho: uma educação capaz de lhe proporcionar um emprego que lhe permitisse viver em condições e criar uma família.

 

O pequeno rebento nunca se importou muito com isso. Queria era jogar futebol. Fosse no quintal de casa, com frutas redondas ou com bolas de trapos, ou na escola, onde passava mais tempo a correr à volta da bola com os amigos do que a prestar atenção nas aulas.

 

O pai fez o possível. Castigou-o. Proibiu-o de continuar a jogar futebol. Funcionário público na área dos transportes, nunca foi capaz de se sobrepor à paixão do filho. E, um dia, quando chegou a casa, soube que um dirigente do ASEC Abidjan tinha ficado encantado ao ver Laurent jogar. Tinha apenas dez anos.

 

O mundo do futebol não o seduzia, por isso não se deixou convencer. Uma vez mais, foi desautorizado. Em setembro de 1963, já com 16 anos, Laurent foi finalmente vítima dos desejos do pai. Édouard fora recolocado em Bouaké, a 300 quilómetros de Abidjan, e ia levar a família consigo.

 

Obrigado a sair do clube, Laurent só pôde continuar a jogar na escola. Um ano depois, a família regressou a Abidjan, mas o pai tinha outros planos o filho, que foi forçado a ficar em Bouaké, para acabar os estudos e encontrar um trabalho.

 

Uma estrela no cinema

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Laurent Pokou tornou-se projecionista numa sala de cinema e arranjou tempo para continuar a jogar futebol. A qualidade deu nas vistas e em 1965 começou a jogar no USFRAN Bouaké que, para celebrar o contrato, decidiu oferecer-lhe um par de chuteiras.

 

Édouard não sabia mas o universo conspirava contra ele. Num jogo em Abidjan, contra uma equipa mais modesta, Laurent foi a estrela. Marcou quatro golos na goleada por 8-0 e deu o mote para uma série de pressões dos dirigentes do ASEC. Queriam que Laurent voltasse. E Laurent voltou, perante um pai resignado.

 

O progresso do goleador foi meteórico. Jogou pela primeira vez pela equipa de seniores a 20 de novembro de 1966, com 19 anos, e marcou três golos. Com sete encontros disputados, já levava 13.

 

A etapa seguinte passava pela seleção e não foi preciso esperar muito. A 19 de fevereiro de 1967, Pokou viajou com a Costa do Marfim até Acra, no Gana, para jogar os primeiros minutos. E o primeiro golo? Só no mês seguinte, contra o Alto Volta (atual Burkina Faso).

 

Figura inevitável

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O ano seguinte ficou marcado pela explosão de Laurent a todos os níveis. Não havia forma de esconder a veia goleadora de um futebolista que seduzia cada vez mais clubes, tanto em África como na Europa.

 

A primeira presença na Taça Africana das Nações, em 1968, dissipou qualquer dúvida que pudesse existir. Na Etiópia, começou por marcar dois golos à Argélia na estreia, somando mais um no último jogo da fase de grupos, contra o Uganda.

 

Mas foi na meia-final, contra o Gana, que ganhou a alcunha de «O Homem de Asmara». Na então cidade etíope, agora capital da Eritreia, o marfinense marcou dois golos num espaço de cinco minutos quando a seleção perdia 1-2. No final, os Elefantes até perderam 3-4 mas aquele espaço de tempo tinha acabado de revolucionar a forma como seria reconhecido e recebido em Abidjan a partir daí.

 

Com seis golos no torneio – fez mais um no jogo pelo terceiro lugar -, Pokou tornou-se sinónimo de qualidade e os clubes estrangeiros fizeram fila. Marselha, Saint-Étienne, Nantes, Monaco, Standard Liège, Flamengo e várias equipas espanholas tentaram. Nenhuma conseguiu.

 

A renitência tem várias explicações. Por um lado, Laurent tinha receio de como seria recebido na Europa, numa altura em que os jogadores africanos ainda não proliferavam e os exemplos nem eram os melhores. Por outro, o presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny, não permitia que a estrela do país saísse.

 

Acumulação de títulos

 

Laurent Pokou regressou à Costa do Marfim após ser coroado melhor marcador da CAN em 1968 e continuou a acumular títulos. Venceu a Taça nacional de 1968, 1969, 1970, 1972 e 1973 e foi campeão marfinense em 1970, 1972 e 1973.

 

Pelo meio, no Sudão, volta a brilhar numa Taça Africana das Nações, estabelecendo vários recordes. A Costa do Marfim não vai além do quarto lugar, mas Pokou marca oito golos. Cinco deles surgem na fase de grupos contra a Etiópia.

 

Em apenas duas presenças atinge os 14 golos, recorde que só viria a ser batido por Samuel Eto’o, dos Camarões, em 2008. Já os cinco golos num jogo continuam a ser insuperáveis. Como recompensa pelo ano, termina em segundo lugar na eleição de melhor futebolista africano, atrás de Salif Keita.

 

A rendição à Europa

A pressão das equipas francesas era cada vez maior e no final de 1973 parecia claro que Laurent Pokou ia mesmo abandonar o país. A 5 de dezembro tinha tudo acordado com o Nantes mas os militares impediram-no de embarcar.

 

É nessa altura que o Rennes, cujo presidente tinha relações privilegiadas na Costa do Marfim, entra em ação e negoceia não só com o jogador e com o clube mas também com Houphouët-Boigny. Finalmente, a 28 de dezembro, recebe um bilhete só de ida para França.

 

Nove dias depois, marca um golo na estreia, contra o Troyes, e encoraja os adeptos. Estavam perante uma pérola, um diamante por lapidar, uma estrela que andava a brilhar em África e poderia fazer o mesmo em França.

 

A carreira europeia esteve longe de acompanhar a promessa. O Rennes desceu de divisão e tirou Pokou das luzes da ribalta, motivando sucessivas pressões da imprensa africana para que saísse em busca de um clube do primeiro escalão.

 

Laurent Pokou não cedeu e desempenhou um papel fundamental nessa temporada. Mas nem tudo iria correr bem. Os problemas físicos repetiam-se e impediam-no de ser um contributo regular. Em 1977, finalmente, abandona o Rennes, mas apenas por uma época, para jogar ao lado de Michel Platini no Nancy.

 

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O insucesso repetiu-se. O Rennes recuperou-o na época seguinte mas não estava destinado. O lado mais temperamental do goleador veio à tona e, num jogo da Taça de França, a 24 de dezembro de 1978, assinou a sentença no futebol europeu.

 

Depois de ser expulso por protestar uma grande penalidade assinalada, agride o árbitro a pontapé e é suspenso por dois anos. No recurso, a pena ainda é reduzida para seis meses mas o jogador decide regressar à Costa do Marfim.

 

Laurent Pokou marcou 14 golos nas duas primeiras participações na Taça Africana das Nações mas não voltou a conseguir brilhar. Em 1974 e 1980 ficou em branco, despedindo-se dos jogos pelos Elefantes sem nunca ter conseguido aumentar o pecúlio nem ter estado perto de levar a seleção a um Mundial.