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É Desporto

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16 de Agosto, 2016

Ans Botha. A "Moniz Pereira" da Namíbia

Rui Pedro Silva

Ans Botha com Wayde van Niekerk/GALLO

Está a três meses de fazer 75 anos e já tem quatro bisnetos. No Rio de Janeiro, viu o seu pupilo Wayde van Niekerk bater o recorde mundial dos 400 metros. E sempre, sempre, com uma disciplina de ferro. «Para ela, chegar cinco minutos antes da hora é chegar atrasado», diz o sul-africano. 

 

De Herma a Van Niekerk

 

Ans nasceu em 1941 na Namíbia. A paixão pelo atletismo fê-la tentar as provas de velocidade e o salto em comprimento mas nunca teve grande sucesso. Um dia, com 27 anos, decidiu passar para o lado de lá, ajudando crianças a dar os primeiros passos na modalidade. A primeira cobaia foi a filha Herma.

 

Não durou muito tempo, Ans acha que «não é bom treinar os próprios filhos». Por isso, começou a concentrar-se nos filhos dos outros. E assim continua até hoje, em 2016, 48 anos depois, com o recordista mundial dos 400 metros, Wayde van Niekerk, a assumir-se como o principal pupilo.

 

Os dois cruzaram-se pela primeira vez em 2012. O sul-africano já era campeão nacional dos 200 metros quando foi estudar Marketing na Universidade de Free State, em Bloemfontein. Tannie Ans ("Tia Ans") era a coordenadora de atletismo da instituição desde 1990.

 

Um dia, Van Niekerk foi falar com ela e pediu-lhe para ser a sua treinadora. «Estava muito entusiasmada com a possibilidade, mas ao mesmo tempo humilde e um pouco preocupada. Sabia que este era um atleta de classe mundial e que a responsabilidade seria muito grande», contou agora, depois de se ter tornado numa das sensações mediáticas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

 

Processo de transformação

 

Wayde van Niekerk era um velocista muito promissor mas passou os primeiros três meses com Ans Botha a recuperar de lesões. O problema estava nos 200 metros: era uma distância demasiado explosiva que provocava sucessivas limitações ao velocista.

 

A solução foi passar para os 400 metros e, desde o primeiro momento, começar a pensar em conquistar uma medalha nos Mundiais de Pequim, em 2015, daí a três anos. «Planeámos a medalha em 2012. Tivemos uma reunião com os pais e programámos como íamos lidar com a situação, quais eram os sonhos e os objetivos. O mais importante seria ouvir o que o corpo diz: quando diz para parar, paramos… ou abrandamos», confessou Ans.

 

A transformação e preparação tiveram um sucesso irrefutável. Van Niekerk conquistou o título mundial com a quarta melhor marca de sempre na distância. O Rio de Janeiro estava à porta e a preocupação era uma única: garantir que não desgastava demasiado o corpo em corridas até aos Jogos Olímpicos.

 

Treino rigoroso

Ans Botha durante um treino/NETWERK24

A base do sucesso esteve no treino. «Ela é uma mulher espantosa», afirmou Van Niekerk depois de bater o recorde mundial dos 400 metros nos Jogos Olímpicos. «Teve uma grande importância na minha evolução, para chegar onde estou hoje, e manteve-me disciplinado e concentrado rumo ao meu objetivo.»

 

Como acontecia com Moniz Pereira, a pontualidade é sagrada. «Para Botha, chegar cinco minutos antes da hora é chegar atrasado», desabafa Van Niekerk.

 

«Adoro todos os meus atletas mas é preciso ser rígida. Podemos rir, mas quando é para trabalhar a sério, trabalhamos a sério», avisa Ans Botha, uma viúva que já tem quatro bisnetos.

 

Van Niekerk não tem qualquer problema com os métodos de treino. «Quando lhe digo que tem de fazer isto ou aquilo, nunca se queixa. Às vezes sofre muito mas depois diz-me que sabe quais são os nossos sonhos e objetivos, por isso vai fazer aquilo que eu lhe disser para fazer», explica Ans.

 

Outro dos atletas da treinadora namibiana também brilhou no Rio de Janeiro: Akani Simbine foi quinto na final dos 100 metros. O sul-africano confessou qual foi a primeira impressão de Ans Botha: «Tive medo dela.»

 

Dia dourado

 

Ans Botha não falou com Wayde van Niekerk antes da final dos 400 metros - não seria benéfico: «Quanto mais vazia estiver a mente, mais concentrado se está naquilo que tem de se fazer.»

 

No final, depois do recorde mundial e de ter sofrido para convencer os seguranças que era mesmo a treinadora do sul-africano, também não foi preciso falar: «Não era necessário dizer nada. Sabíamos nos nossos corações e mentes o que estávamos a pensar, o que tínhamos acabado de alcançar.»

 

Esse é o outro truque da treinadora: saber o que os atletas pensam. É por isso que faz questão de estar com eles diariamente: «Tenho de ler o meu atleta, tenho de ler a sua mente e corpo e ouvir o que o corpo dele diz. Tenho a capacidade de perceber os meus atletas por dentro e por fora», garante.

 

Van Niekerk vai ainda mais longe: «Ela não nos vê como atletas, vê-nos como crianças dela.»

 

Estrada para andar

 

A primeira presença em Jogos Olímpicos foi memorável mas Ans Botha não está a pensar em parar, nem pouco mais ou menos. «Nunca é tarde para aprender. Ainda estou apaixonada pelo treino e adoro os meus atletas. Por isso não consigo ver uma razão para ir descansar e entreter-me com outra coisa.»

 

Ans Botha explica também que os métodos de treino estão sempre a evoluir e não desmente a influência externa: «Se vejo alguma coisa que acho que vai resultar nos meus atletas, tento implementá-las. É sempre assim que tento trazer algo diferente para o treino. Dizem que nunca se é demasiado velho para aprender, especialmente no atletismo.»

 

A mulher que chegou a treinar o namibiano Frankie Fredericks (prata nos 100 e 200 metros nos Jogos Olímpicos de 1992 e 1996), numa primeira fase da sua carreira, também conta o segredo para tanta frescura: «Sou abençoada porque tenho muita saúde. É porque tenho de lidar com gente muito nova, tenho de estar ao mesmo nível.» 

RPS