Annika Schleu. Um cavalo contrariado incomoda muita gente
Pode um texto sobre um dos momentos mais caricatos de Tóquio-2020 ser também um guia sobre pentatlo moderno? Talvez sim, talvez não. Mas não há dúvida de que o que aconteceu à atleta alemã Annika Schleu durante a competição no Japão trouxe mais atenção – muita dela indesejada – à modalidade – do que em qualquer evento da competição que faz parte do programa olímpico desde 1912 nos homens e de 2000 nas mulheres.
Imagine-se a escolher dez amigos para perguntar se algum deles sabe o que é o pentatlo moderno. Vamos fazer futurologia juntos. Sim, é possível mas altamente improvável que algum consiga dizer exatamente que é uma modalidade olímpico que junta esgrima, natação, saltos de cavalos e uma corrida com tiros pelo meio. Talvez alguns consigam dizer que é uma modalidade olímpica esquisita. Outros até poderão fazer confusão com o heptatlo ou decatlo do atletismo. E claro, como há sempre um engraçadinho, talvez seja mais improvável haver uma resposta totalmente certa do que haver alguém a dizer uma de duas coisas: «gostava mais do pentatlo clássico» ou «gostava mas perdi-lhes o rasto depois do primeiro álbum».
Dito isto, o pentatlo moderno esteve nas bocas de todo o mundo neste quente mês de agosto. Por causa do episódio rocambolesco de Annika Schleu, que tinha tudo para vencer a medalha de ouro mas que teve um «cavalo saído na rifa» que mostrou pouca vontade de saltar os obstáculos. Sim, ao contrário das provas de equestre, aqui não há uma relação anterior, nem de propriedade, entre os atletas e os cavalos.
Com tudo para chegar à medalha de ouro, Annika foi travado pela birra do cavalo. Não quis saltar uma, duas, três vezes. A cada sinal de livre arbítrio, a alemã era invadida por lágrimas. A treinadora tentou ajudar, desferiu um golpe no cavalo junto à cerca mas acabou por prejudicar tudo: o que até então era empatia com a alemã tornou-se num ciclo mediático de defesa dos animais. E aqui, sim, o pentatlo moderno entrou nas bocas do mundo.
Miguel Esteves Cardoso, numa crónica do Público, aconselhou a atleta a procurar um desporto olímpico que não depende de um animal. «Assim poderá ter o luxo de desiludir-se a si própria», escreveu. Kaley Cuoco, atriz celebrizada por desempenhar o papel de Penny em A Teoria do Big Bang, também entrou em jogo e ofereceu-se para comprar o cavalo que pertence a um centro equestre japonês.
A treinadora foi expulsa depois do seu jeito, as lágrimas não evitaram que Annika Schleu ficasse fora do top-30 da prova e a federação internacional decidiu que tinha de agir e mudar uma parte do regulamento para proteger os seus cavalos, embora pareçam tão simples como fazer circuitos mais simples e com menos obstáculos.
A pressão mundial apertou. As associações de proteção de animais estão a juntar-se e exigem não só medidas mais severas neste caso como apelam ao desaparecimento de qualquer desporto olímpico que envolva animais. Talvez seja o sinal do mundo a mudar. Começou por lágrimas, houve um murro e agora poderemos ter Paris-2024 sem provas equestres.