Alex Villaplane. O capitão de França que ajudava Hitler e acabou condenado à morte
Em julho de 1930 entrou na história como o primeiro capitão da seleção francesa na fase final de um Mundial (primeiro jogador em cima à direita). Mas Alex Villaplane não é recordado como um herói: vivendo uma vida de vigarista, acabou a torturar e matar em nome de Hitler. A 26 de dezembro de 1944, foi executado por um membro da Resistência Francesa depois de ser julgado e condenado à morte em tribunal.
«O dia mais feliz da minha vida»
Jogar um Mundial não pode ser um sonho de criança para alguém que nasceu em 1905. A primeira edição foi apenas em 1930 e esteve longe de alcançar o mediatismo e importância que se sente atualmente, num desporto cada vez mais global e com uma lista cada vez maior de heróis no passado.
A primeira fase final, ainda assim, teve um significado simbólico que ninguém conseguiu esconder. Fazer parte da primeira lista de uma seleção a representar um país tem um impacto imediato. E a história passada de Alex Villaplane faz com que seja ainda mais compreensível que o jogador tenha dito que capitanear o grupo no primeiro jogo de sempre (4-1 vs. México) tenha sido o mais feliz da sua vida.
Alex Villaplane nasceu na Argélia e foi viver com os tios para o sul de França com 16 anos, altura em que despontou e começou a jogar no Sète, em 1921. Quando o Mundial começou, o médio de grande qualidade técnica era o francês com mais jogos pela seleção (22), muito mais do que o segundo – o guarda-redes Alex Thépot tinha 12.
Era um dos jogadores mais desejados em França mesmo antes de o futebol ser profissionalizado. Em 1924, foi recrutado pela primeira vez, pela mão do escocês Victor Gibson, para jogar no Nîmes. Mesmo não sendo profissional, o clube arranjou-lhe um emprego e garantiu que o dinheiro nunca seria uma preocupação.
Passou a ser uma estrela. Em 1926 foi internacional pela primeira vez, contra a Bélgica, e tornou-se o primeiro jogador nascido no norte de África a representar a seleção francesa. Três anos depois, em vésperas do Mundial, voltou a mudar de equipa e foi para o Racing Club de France.
O dinheiro abundava mas estava longe de ser uma situação em que era tanto que nem sabia o que fazer com ele. Com uma vida boémia, era fã de bares e de corrida de cavalos, onde desenvolveu a paixão pelas apostas que esteve na base da sua destruição.
Na rota da perdição
O futebol profissional chegou a França em 1932 e Villaplane tornou-se num alvo desejável. O Antibes ganhou a batalha e fixou a fasquia no ponto mais alto: ser campeão. Naquela altura, o campeonato francês estava dividido em duas regiões e o clube ganhou a divisão sul e marcou encontro com o Olympique Lillois numa final que nunca chegou a jogar.
O escândalo estalou antes do dia marcado. As suspeitas de manipulação de jogos foram a base para o castigo ao Antibes e o treinador, visto como bode expiatório, foi banido. Mas a responsabilidade estava em Villaplane e em outros dois jogadores com quem tinha atuado no Sète, quase 15 anos antes.
A carreira de Villaplane nunca mais voltaria a ser boa. O Mundial tinha sido o ponto mais alto e a partir daí o brilho seria substituído por uma obscuridade cada vez mais criminal. Nos anos seguintes, assinou por Nice e por uma equipa secundária de Bordéus, mas acabou sempre mal. No primeiro, foi suspenso sucessivamente pelo mau comportamento, faltando a treinos e passando mais tempo em corridas de cavalos do que com a equipa. No segundo, orientado pelo velho conhecido Victor Gibson, foi despedido com três meses de época.
A prisão e a união com o Terceiro Reich
Alex Villaplane cedeu ao mundo do crime. O futebol, que outrora lhe havia dado o dia mais feliz da vida, já não conseguia competir com a adrenalina provocada pelas apostas nas corridas de cavalos, pela manipulação de resultados, pelo mundo de excessos.
Em 1935 foi preso pela primeira vez, precisamente devido ao envolvimento na manipulação de corridas de cavalos. Cinco anos depois, nova prisão. A sua vida estava cada vez mais obscura e Villaplane assumira-se já como contrabandista de ouro.
As más companhias foram as intermediárias na ligação à Alemanha Nazi de Hitler. Alex Villaplane era má rés e foi recrutado para ser informador da Gestapo em Paris. Além de colaborar com os nazis, foi aproveitando para enriquecer à medida que prendia, torturava e matava judeus, membros da resistência francesa e todos aqueles que fossem considerados inimigos do Terceiro Reich.
Depois de atuar em Paris, com uniformes da SS, Alex Villaplane foi promovido a uma unidade especial encarregada de «limpar» a região de Périgord. Nomeado Segundo-Tenente das SS na Brigada Norte-Africana, passou a ser conhecido por SS Mohammed, numa unidade que fez fama pela força exageradamente cruel, até para as medidas nazis.
Virar o bico ao prego
Não demorou muito até Villaplane perceber que a Alemanha Nazi estava a perder a guerra. Calculista como sempre, começou a deixar prisioneiros escaparem, passando a mensagem que só estava a colaborar com os nazis para ajudar os franceses.
Na verdade, Villaplane sempre demonstrou abertura à possibilidade de fuga. De acordo com uma testemunha no julgamento de 1944, Villaplane chegou a uma aldeia garantindo que os nazis o obrigavam a fazer coisas terríveis, que não tinha outra alternativa, mas que estaria disposto a esquecer o assunto e deixar os prisioneiros escaparem… a troco de 440 mil francos franceses.
Era este o modo de operação da sua brigada. Fazer o que os nazis queriam mas, de preferência, enriquecendo pelo caminho. A sua mentalidade vigarista foi salientada durante o julgamento. «Era diferente da dos outros membros do gangue. Ele próprio admite que é um esquema. Diria que, tendo estudado o seu ficheiro, ele é um vigarista, um vigarista nato. Os vigaristas têm um atributo que é indispensável para os seus negócios: dar espetáculo. Isto é necessário para enganar as vítimas e fazer com que lhes deem o que querem. Ele usou isso para fazer o pior tipo de chantagem: a chantagem da esperança», afirmou o procurador.
O destino de Villaplane estava traçado. A 1 de dezembro de 1944 foi condenado por alta traição, espionagem, atos de barbárie e envolvimento direto em dez homicídios, e sentenciado com a pena de morte. Dias depois, a 26 de dezembro, foi executado por um membro da Resistência Francesa. Menos de 15 anos depois do dia mais feliz da sua vida.
RPS