Alain Sutter. O suíço que não quis ser neutro e atacou Chirac
O Mundial-1994 apresentou Alain Sutter ao mundo. O futebolista helvético fazia parte das opções de Roy Hodgson e, apesar de não ter o mesmo impacto de nomes como Ciriaco Sforza e Stéphane Chapuisat, tornou-se uma das figuras mais entusiasmantes.
Os longos cabelos louros eram um ponto de atração óbvia mas o desempenho no relvado também despertou atenções. Foi dele o primeiro golo da goleada à Roménia (4-1) e saíram das suas ações algumas das jogadas individuais mais impressionantes.
A Europa do futebol estava atenta e foi sem surpresa que, semanas depois, já tinha o equipamento de treino noutro balneário. O Bayern Munique entrou em ação e contratou-o ao Nuremberga. Sutter nunca conseguiu confirmar o que se esperava dele. Esteve apenas uma temporada em Munique, jogou dois anos no Friburgo e terminou a carreira em 1998, ao serviço de uma equipa norte-americana chamada Dallas Burn.
O Mundial-1994 foi a única grande prova em que participou, apesar de ter contribuído para a qualificação rumo ao Euro-1996, em Inglaterra. Foi também durante essa etapa que proporcionou um dos momentos mais marcantes da sua carreira. No relvado, sim, mas por algo que se passava noutro tabuleiro.
Falamos de Gotemburgo, 6 de setembro de 1995. A Suécia estava obrigada a vencer a Suíça para evitar a eliminação enquanto os helvéticos, ainda com Roy Hodgson, pareciam cada vez mais próximos de garantir o passaporte para o berço do futebol.
A grande notícia da semana era outra: os testes nucleares que os franceses tinham feito no Pacífico, no Atol Mururoa. Na véspera, tinha-se realizado o primeiro de dois testes nucleares decididos pelo presidente Jacques Chirac. A decisão provocou um tsunami de protestos um pouco por todo o mundo e o avançado não foi exceção.
Sutter não quis ser o típico suíço, neutro. E decidiu agir. «Nunca fui uma pessoa política, embora muita gente ache que sim. Deve ter sido por causa dos cabelos compridos. Mas sempre acreditei no certo e no errado. A 5 de setembro de 1995, foi a bomba atómica que o presidente francês Jacques Chirac decidiu detonar no Atol Mururoa. Como é que uma pessoa se consegue sentir no direito de provocar tanta destruição?»
O testemunho de Alain Sutter foi publicado em 2010, na revista «11 Freunde». Os detalhes continuam. A comitiva suíça estava em Gotemburgo e tomou conhecimento do que tinha acontecido ao ler os jornais ao pequeno-almoço.
«Um assunto deste género afeta toda a gente e os futebolistas não são exceção. Sei que há muitos preconceitos contra os futebolistas profissionais mas em toda a minha carreira nunca conheci um jogador que não tivesse uma palavra a dizer sobre tópicos que afetam o planeta», escreveu.
A equipa decidiu agir e Sutter descreve apenas que, sem saber como, apareceu um lençol com a inscrição «Stop It Chirac» pintada a spray. «Levei-o comigo para o campo e quando as primeiras notas do hino nacional foram ouvidas, eu e os meus companheiros abrimos o lençol. Foi uma ação espontânea e conjunta, nunca teria feito algo assim sozinho na minha vida», acrescentou.
O protesto teve repercussões imediatas e Alain Sutter foi visto como o cabecilha da ideia. À chegada à Suíça, Sutter defendeu-se: «Não se tratou de política. Foi para expressar o que pensamos e sentimos. Não é uma questão política, é sobre direitos humanos».
O presidente da Federação Suíça de Futebol, Marcel Mathier, não conseguiu esconder a irritação: «Não se pode abusar do desporto para fazer política. Todos os atletas têm o direito de pensar o que quiserem, mas não podemos abusar da hospitalidade de um país para fazer política».
João Havelange, o brasileiro que era presidente da FIFA, admitiu o «respeito pelas opiniões de cada pessoa» mas garantiu que não estava disposto a autorizar que o futebol fosse aproveitado por fins políticos. «Nem a UEFA nem a FIFA vão permitir isso», disse.
A federação suíça arriscou uma sanção mas, um pouco por toda a Europa, foram chegando apoios ao protesto. Jürgen Klinsmann, colega de Sutter no Bayern Munique, disse que qualquer castigo seria pouco razoável e desafiou os outros clubes da Bundesliga a juntarem-se à iniciativa dos clubes italianos para protestar contra os testes nucleares.
O treinador de Sutter no Bayern Munique, Otto Rehhagel também teve uma reação curiosa quando o jogador regressou à Alemanha: «Disse-me que não tinha ficado surpreendido por este protesto acontecer numa equipa onde eu jogava».
«Mais tarde, a UEFA emitiu uma proibição de manifestações políticas em estádios de futebol. Não tenho problemas com isso, acho que a política não deve abusar do futebol. Mas ações espontâneas continuam a fazer parte da vida, para mim. Enriquece-nos muito os dias», contou.
A viagem à Suécia foi uma das últimas internacionalizações de Sutter. A Suíça garantiu o apuramento para o Euro-1996 mas, no momento das decisões, o avançado ficou de fora das opções de Artur Jorge e provocou uma onda de revolta popular. «Não dava para convocar toda a gente. Eu era o treinador e tinha de tomar uma decisão. Nem todos estavam de acordo, mas isso é normal», contou em entrevista ano depois.
Não demorou muito até imprensa e adeptos relacionarem os dois eventos. Em setembro de 2018, Sutter descartou essa possibilidade: «É pura especulação que não me tenha convocado porque eu tinha protestado publicamente contra os testes nucleares do presidente francês Jacques Chirac. Ele não era o selecionador nacional na altura».
De facto, Artur Jorge só chegou à seleção em dezembro de 1995. Alain Sutter chegou a ser chamado para alguns compromissos e não foi o único destaque a ficar de fora, uma vez que Adrian Knup, outro dos titulares de 1994, também não fora convocado.