Aimar & Riquelme, os 90º no futebol
Os argentinos penduraram as botas, mas vestiram o verbo com a camisola 10. À boleia de Cappa e Menotti, esta é uma viagem ao relvado sagrado de Pablo e Juan Román, dois génios que simplificam o jogo e vivem apaixonados pela bola. Futebol não é ganhar ou perder, é muito mais do que isso.
A ilusão de uma paixão sem limites
Quando ainda não nos tinham dito que não era possível ou que não podíamos, tentávamos tudo. O piso da escola era terrível, gravilha para o menino e para a menina. Ali inventávamos jogadas, combinávamos movimentos, testávamos truques e fintas, o que víamos na TV. Escolhíamos as primeiras duplas de ataque da nossa vida. Uma vez, com oito, nove anos, eu, o Vasco, a Tânia e o Pedro decidimos, malandros, jogar contra quem quisesse, como se o campo fosse a nossa morada, o nosso bairro, a nossa esquina.
Não foi a escola inteira, mas parecia. A memória diz que nem assim perdemos, mas pode ser uma lembrança fabricada. Ou quando naqueles tempos da gravilha, mais tarde, com sapatos feios-quadradões, que registavam mais pancada do que as canelas e levavam os pais à loucura no fim do dia, em que se tentava imitar os jogadores a sério. Lembro-me do primeiro golo com o pé esquerdo, só porque fintei para o lado que não era suposto: o pé fraco, inútil. Mas o Figo, naqueles duelos com o Roberto Carlos, mostrava que era possível... e tentei. Perna direita por cima da bola e o pé esquerdo roubou-a para a esquerda, para depois bater em força. Ainda vejo a bola a entrar, em câmara lenta, rente ao poste mais distante. Senti que podia tudo.
O futebol ensina tudo. Pode ser divertido e sério ao mesmo tempo, pode ser o melhor sentimento do mundo e a maior frustração em simultâneo. Ensina-nos que há melhores do que tu, ou que há aqueles que nem são melhores mas que trabalham mais. Mostra os valores do grupo, do respeito pelas regras. Oferece sensibilidade para saberes quando um colega precisa de uma palavra ou de um silêncio. Ensina o sabor da derrota e a que sabe a brisa sentado no banco. Explica-te sem explicar que ou fazes algo para mudar ou continuas a patinar. Nada acontece em cinco minutos. É amizade e memória. Glória e fracasso. Mas era sobretudo, sempre foi, paixão pelo jogo e pela bola.
E é esse futebol de ontem, a tresandar a amadorismo, que parece estar de regresso, mas só porque há gente empenhada nisso. Em tempos em que é tudo negócio (até a formação) e só é bom quem ganha, andam por aí senhores a travar esta batalha. E se os velhos como Menotti já ninguém quer ouvir, ainda bem que Riquelme e Aimar começaram a falar como nunca. Sobre isso, deixo uma linhas de Ángel Cappa, ex-adjunto de Menotti e Valdano, no Pagina12:
"La sensación que vamos a sentir ahora al salir a una cancha llena, no está en otro lado. Busquenla donde quieran, no está en la falopa, no está en la noche, no está en las minas, salir a una cancha llena no tiene igualdad" PABLO CESAR AIMAR, GRACIAS. 👏🏻 pic.twitter.com/w9F4Ssq5s0
— Juan Chahin (@juanchahin1) January 24, 2018