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É Desporto

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14 de Fevereiro, 2017

Agassi e Graf. Uma história de amor escrita com giz

Rui Pedro Silva

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Vitórias em Roland Garros em 1999 fizeram com que os dois tenistas se conhecessem e o norte-americano não desperdiçou a oportunidade de iniciar uma das relações mais famosas no mundo do desporto.

 

 

Extremos opostos

*publicado originalmente na edição de 14 de fevereiro de 2015do suplemento B.i. no jornal i

 

Andre Agassi e Steffi Graf viviam em extremos opostos no mundo do ténis. A qualidade inata era um ponto de semelhança, mas a dedicação gerava um ponto de rotura. A alemã era um fenómeno no circuito feminino: em 1988 tornara-se a primeira tenista a ganhar os quatro grand slams num ano civil (até hoje continua a ser a única a consegui-lo na era Open, independentemente do circuito) e a ética de trabalho era intocável.

 

O norte-americano era mais do que um simples tenista. Os resultados não eram tão bons dentro de campo, mas fora dele continuava a ser uma fonte inesgotável de notícias, muito por culpa da postura espalhafatosa, do relacionamento breve com Barbra Streisand (1993), e do casamento com Brooke Shields, que só durou dois anos (1997-1999). Grag era discreta: as relações com o tenista Alexander Mronz e com o piloto de corridas Michael Bartels não foram muito escrutinadas, até porque o desempenho nunca foi problemático.

 

As vidas de Agassi e Graf começaram a aproximar-se em 1997. Com três grand slams ganhos (Wimbledon-1992, US Open-1994 e Open da Austrália-1995), a carreira do filho de pai iraniano parecia num ponto sem retorno: «Estava deprimido, a perseguir uma carreira que não tinha escolhido, com 27 anos e num casamento e que não queria estar», explicou o tenista na autobiografia publicada em 2009, em que confessa o uso de metanfetaminas em 1997.

 

Na altura, após o resultado positivo no controlo, Agassi lamentou ter bebido acidentalmente de um copo do seu assistente, ele sim uma pessoa com problemas de dependência. «Fiquei envergonhado, obviamente. Mas nunca me tinha sentido tão vivo, com tanta esperança. Nunca tinha sentido tanta energia», continuou. No mesmo período, a alemã enfrentava uma das fases mais negras da sua vida. Já venceram 21 dos 22 grand slams na carreira, mas, pela primeira vez, ia terminar uma temporada sem qualquer um dos quatro títulos. Foi também o ano em que decidiu abandonar a igreja católica e em que o pai foi preso por três anos e nove meses por evasão fiscal, num caso relacionado com o dinheiro da tenista.

 

O início da história de amor

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A redenção e o início da história de amor tiveram Roland Garros e o ano de 1999 em comum. O último triunfo da carreira de Steffi Graf em grand slams – frente a uma volátil Martina Hingis, que chegou a servir por baixo – coincidiu com o título que faltava a Andre Agassi, que na final recuperou de uma desvantagem de dois sets frente a Andrei Medvedev. E, por isso, os dois vencedores iam conhecer-se, realizando finalmente o desejo de Agassi.

 

«Para mim, Paris é a cidade mais importante, a mais romântica. Foi ela que me apresentou a minha mulher. Por essa altura, já eu a admirava, a sua forma de estar, como lidava com as outras pessoas. Mas não tinha tido oportunidade de falar com ela, para chamar a sua atenção. Paris deu-me isso. A nossa dança [cerimónia tradicional entre os vencedores] foi um sinal do destino, uma ocasião para estar com a Steffi que não desperdicei.»

 

A ideia estava na mente de Agassi há vários anos. Em 1992, quando ambos venceram em Wimbledon, a dança fora cancelada, para desespero do norte-americano. Em Paris, foi inevitável. «Não sabia nada sobre o Andre antes do baile. Paris apresentou-nos e ajudou-nos a conhecermo-nos melhor. No fim de contas percebemos que tínhamos muito em comum», contou Graf.

 

Andre Agassi estava com o modo de cortejador ativado e, impulsionado pelo treinador Brad Gilbert, enviou uma mensagem à alemã: «Não quero mal-entendidos. Acho que és linda e fascinante e tenho um tremendo respeito por aquilo que parecem ser os pilares da tua vida. Será possível almoçarmos ou jantarmos, tomarmos um café ou darmos um passeio? Tanto me faz, só te quero conhecer melhor.»

 

A relação cresceu e nunca mais parou. «O que aconteceu em Paris foi mágico para todos. Passámos algum tempo juntos no Verão e a partir daí foi tudo muito rápido», analisou Andre Agassi numa entrevista conjunta à BBC em 2009. A alemã terminou a carreira nessa temporada e passou a apoiar o norte-americano na segunda vida do tenista, que venceu mais quatro grand slams desde então.

 

O par casou-se a 22 de outubro de 2001, quatro dias antes de o primeiro filho do casal, Jaden Gil, nascer. Dois depois, a 3 de outubro, nasceu a filha, Jaz Elle.

 

O quadro de giz

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Andre Agassi, natural de Las Vegas, conseguiu convencer Steffi Graf a viver no estado do Nevada depois de ter garantido que a família da alemã também cruzaria o Atlântico. Na residência do clã Graf-Agassi, um quadro de giz na cozinha é um dos adereços mais famosos e que mais perguntas geram nas entrevistas.

 

«Uma vez disse-lhe que seria bom termos um para anotarmos aquilo de que precisávamos. No dia seguinte ela comprou um e levou-o para casa. Fiquei tão feliz por ver que dava atenção até às pequenas coisas que decidi torná-lo um quadro de apreciação», explicou o antigo número um do mundo, que todos os dias escreve uma mensagem à mulher.

 

«Todas as noites, antes de me ir deitar, guardo uns segundos para isso. É uma forma de relembrar aquilo a que damos valor na vida e que vale a pena. E ela torna tudo tão fácil», diz Andre. «Todas as manhãs desço as escadas para a cozinha para preparar o pequeno-almoço e tenho a sorte de ver algo especial para esse dia», completa Steffi.

 

A entrada da ex-tenista alemã no hall of fame deu lugar a uma das declarações públicas de amor mais famosas. Andre Agassi encarregou-se de fazer as apresentações e não poupou nas palavras: «Nunca te definiste por aquilo que alcançaste. Em vez disso, alcançaste tudo por culpa da forma como te definiste. E ainda agora fico sem fôlego ao ver como guardaste discretamente a raquete para perseguir o amor e a maternidade com o mesmo zelo e padrões elevados com que sempre viveste a vida […] As nossas vidas foram tocadas profundamente por ti, tornaste-nos melhores e nunca mais voltaremos a ser os mesmos. Senhoras e senhores, apresento-vos a melhor pessoa que alguma vez conheci.»

 

Graf subiu ao púlpito em lágrimas e, quando conseguiu encontrar palavras, respondeu à altura: «Como se esta cerimónia não fosse já suficientemente emotiva… ouvir o quanto somos amadas é fantástico. A melhor parte do circuito foi ter-te encontrado. Ficarei para sempre grata por isso.»