Abebe Bikila. Descalço pela determinação e heroísmo
Especial Jogos Olímpicos (Roma-1960)
Chegou aos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, por acaso e saiu saudado como um herói. Ofereceu a primeira medalha de ouro à Etiópia e à África Negra e fê-lo descalço, garantindo uma vitória épica na prova da maratona.
«Foram necessários um milhão de soldados italianos para invadir a Etiópia, mas apenas um soldado etíope para conquistar Roma.» A expressão, imortalizada desde a vitória de Abebe Bikila nos Jogos Olímpicos em 1960, é pertinente. Naquele início de noite, na capital italiana, um etíope saiu da sombra para mostrar ao mundo o início de uma tradição que ia marcar o fundo e o meio-fundo do atletismo internacional.
Abebe Bikila vinha de uma família de pastores e servia como guarda-costas do imperador da Etiópia. Gostava de correr e deu nas vistas precisamente por isso, mas não o suficiente para ter lugar garantido na comitiva etíope em Roma. As dificuldades financeiras eram grandes e os responsáveis tinham de fazer escolhas difíceis, pelo que só depois de um compatriota seu, Wami Biratu, ter torcido o tornozelo a jogar… futebol, conseguiu o passaporte.
O suplente fez a viagem improvisada e sem… ténis apropriados. Durante a preparação, chegou a ser presenteado por uma marca de calçado desportivo mas, naquilo que hoje seria uma excelente manobra de marketing pelos rivais, os ténis não eram suficientemente confortáveis. Não tinham o tamanho certo e Bikila chegou à conclusão que estaria muito melhor a correr descalço do que com aquelas guilhotinas podológicas.
O desempenho de Bikila durante aqueles mais de 42 quilómetros foram tão suaves que nem sequer deu pela falta de calçado. Correndo praticamente sempre ao lado do marroquino Rhadi Bem Abdesselam, tinha decidido, em conferência com o treinador, que o sítio certo e simbólico para atacar seria na passagem final pelo obelisco de Axum, que tinha sido retirado da Etiópia por tropas italianas em 1935.
A mudança de ritmo foi fatal para o marroquino. Faltava pouco mais de um quilómetro e meio para a meta, junto ao Arco de Constantino, e Bikila transformou-se numa flecha até terminar a prova, com um novo recorde do mundo (2:15:16.2) e com mais de 25 de segundos de vantagem sobre o principal adversário. O neozelandês, Barry Magee, só chegou dois minutos depois.
«Queria que o mundo visse que o meu país, a Etiópia, sempre ganhou com determinação e heroísmo», disse, justificando a vontade de correr descalço.
Abebe Bikika tornou-se um herói africano e quatro anos depois, em Tóquio, foi o primeiro maratonista a revalidar o título olímpico, igualado apenas pelo alemão oriental Waldemar Cierpinski em 1980.