Abbas Karimi. Um afegão nos Jogos Paralímpicos
Zakia Khudadadi e Hossain Rasouli tinham viagem marcada de Kabul para Tóquio poucos dias depois da tomada da capital por parte dos talibãs. Sair do Afeganistão tornou-se uma missão impossível para a maioria e permitir que dois atletas paralímpicos pudessem cumprir o sonho de competir no Japão está longe das prioridades de todos, estejam de que lado estiverem.
Durante a cerimónia de abertura, de forma simbólica, houve até quem tenha transportado a bandeira afegã mas há, entre os milhares de atletas que estão a competir em Tóquio, um afegão. Vive nos Estados Unidos, compete pela equipa dos refugiados e tudo indica que será mesmo o único afegão nesta edição dos Jogos Paralimpicos. O seu nome é Abbas Karimi.
Tem 24 anos, vive na Florida e tem reserva em duas provas em Tóquio. Nos 50 metros mariposa em S5, conseguiu atingir a final e terminar na oitava posição. Na próxima segunda-feira, tentará fazer o mesmo nos 50 metros costas da mesma categoria.
Abbas Karimi nasceu sem os dois braços no primeiro dia de janeiro de 1997 e depois de ter tentado dar uns toques no kickboxing dedicou-se à natação com 14 anos. Tudo porque o irmão ajudou a construir uma piscina de 25 metros para a comunidade perto de Kabul.
«Tinha 13 anos quando saltei para a água pela primeira vez. Tinha muito medo mas foi dessa forma que comecei. Dia após dia, achei cada vez mais interessante e foi assim que aprendi a nadar. Adorava a água desde criança e às vezes eu e os meus amigos até nos baldávamos às aulas para irmos nadar para o rio. Saltávamos vestidos e ficávamos por la até o sol secar as nossas roupas», recorda com carinho.
«Foi por isso que me tornei um nadador, porque sempre tive tanto interesse na água», acrescentou.
O Afeganistão não gostou tanto dele como ele de água e com 16 anos decidiu fugir sem a família para escapar ao conflito e tentar ser atleta de alta competição. Estávamos em 2013. Abbas Karimi passou pelo Irão, pagou a contrabandistas para entrar na Turquia e por lá ficou quatro anos sem documentação até chegar um contacto salvador dos Estados Unidos.
«Estava na Turquia como refugiado, não tinha documentação, não tinha um passaporte válido. O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas ajudou a explicar o meu caso e os Estados Unidos aceitaram-me. Quando finalmente cheguei, percebi que era uma nova oportunidade, a minha segunda vida», disse
Abbas Karimi está a estrear-se em Jogos Paralímpicos porque em 2016 ainda não havia equipa de refugiados. Mas em Mundiais de Natação Adaptada já conseguiu um vice-campeonato mundial nos 50 metros mariposa na Cidade do México. Pelo meio, só por uma vez regressou ao Afeganistão, em 2019, para o funeral do pai.
«Voltei durante 11 dias para estar com a minha mãe e chorei do início ao fim. Quis desistir de tudo. Tentar ser campeão paralímpico custou-me muita coisa. O meu pai, quando eu nasci, disse que sabia que eu iria conseguir alcançar algo especial. Disse também que de todos os filhos e filhas, eu era o único que iria pôr o seu nome no topo do mundo», recordou.
Karimi. Abbas Karimi. Atleta paralímpico. Refugiado. Único afegão em Tóquio-2020. Não é para todos, literalmente.