A união forçada da Áustria com a Alemanha
Mathias Sindelar estava na fase final da carreira mas a geração de ouro austríaca tinha garantido o apuramento para o Mundial-1938, quatro anos depois de ter atingido as meias-finais. A anexação da Alemanha impediu a participação e nove internacionais acabaram a jogar pelos nazis. A maior vedeta recusou-se… e acabou morta sete meses depois.
O fim abrupto de uma equipa-maravilha
Chamavam-lhe Wunderteam. Equipa-maravilha. Treinada por Hugo Meisl, a seleção austríaca da década de 30 foi uma das primeiras grandes equipas na história do futebol. Do ponto de vista romântico, entenda-se.
O estilo com que jogava era apaixonante e terá lançado as primeiras sementes do futebol total. No Mundial em 1934 entrou como grande candidata mas vacilou perante a Itália nas meias-finais, numa competição em que o vencedor estava praticamente pré-determinado, acontecesse o que acontecesse, com a chancela de Benito Mussolini.
Dois anos depois, os Jogos Olímpicos de Berlim quase protagonizaram um momento único mas a Wunderteam caiu na final, perdendo com a… Itália. A era dourada estava a encaminhar-se para o final mas esta Áustria de Meisl continuava a ser a mesma que tinha somado 14 triunfos consecutivos – e esclarecedores – entre 1931 e 1932.
O passo seguinte era o apuramento para o Mundial-1938, que se disputaria em França. No jogo de qualificação, a 5 de outubro de 1937, a Áustria venceu a Letónia por 2-1 e garantiu a segunda presença consecutiva numa fase final.
Um adversário impossível de derrotar
O sonho do Mundial morreu para a Áustria dois meses antes da fase final, a 12 de março de 1938. Foi quando a Alemanha Nazi de Hitler anexou o país e forçou os austríacos a perder a vaga que tinham conquistado dentro de campo.
Os nazis acreditavam que o feito devia ser celebrado – os jogadores das duas equipas iam juntar-se rumo à conquista da glória que tinha faltado até então – mas para a Áustria foi um atentado à honra, como se confirmou no jogo que assinalou a anexação.
O objetivo era garantir um convívio animado, com um empate fabricado em laboratório, mas Matthias Sindelar, figura expoente da Wunderteam, tinha outra ideia. Depois de uma primeira parte em que praticou um futebol trapalhão e perdulário (imprensa escreveu mesmo que oportunidades foram falhadas propositadamente), deu o mote e marcou um dos golos nos últimos vinte minutos com que a Áustria venceu por 2-0.
A situação foi incómoda mas os olhos nazis estavam postos no Mundial. Aí, com o selecionador Sepp Herberger ao comando, o homem que levaria a RFA ao título em 1954, os alemães convocaram nove austríacos numa lista de 22 jogadores. Sindelar não quis fazer parte.
Matthias Sindelar nunca jogou pela Alemanha Nazi. Quando se deu a anexação, o futebolista já tinha 35 anos e escudou sempre as suas opções com a idade avançada ou com lesões impeditivas. Em sentido contrário, Franz Wagner, Rudolf Raftl, Willibald Schmaus e Josef Stroh não enjeitaram a oportunidade de representar a Alemanha em 1938, quatro anos depois de terem feito o mesmo pela Áustria.
Passagem fugaz por França
Os alemães queriam glória mas saíram de França pela porta pequena depois de causarem muito pouca «destruição», numa história radicalmente diferente do que viria a acontecer na década seguinte. Logo na primeira ronda, a Alemanha empatou com a Suíça e no jogo de desempate foi eliminada por culpa de uma derrota por 2-4.
A vaga que originalmente pertencia à Áustria foi oferecida à Inglaterra, mas a federação inglesa continuava o seu braço-de-ferro com a FIFA e recusou. A fase final arrancou com apenas 15 seleções e a Suécia foi a maior beneficiada, garantindo automaticamente a presença na segunda ronda, sendo parada apenas na meia-final (goleada pela Hungria por 1-5).
Matthias Sindelar manteve a sua vida desafiante em Viena, ignorando as indicações para não manter amizades ou conversas com judeus. Investigado pela Gestapo, o austríaco comprou um bar a um judeu e garantiu que o estabelecimento pudesse ser frequentado por todos. Cinco meses depois, no início de 1939, foi encontrado morto em casa.
A causa da morte oficial foi envenenamento por monóxido de carbono, provocado por uma chaminé defeituosa. Os rumores de que pode não ter sido acidental foram praticamente automáticos mas nunca esclarecidos.