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É Desporto

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10 de Julho, 2017

A seleção inglesa é uma falácia?

Rui Pedro Silva

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Olhamos para os ingleses sempre como favoritos desde 1966. O olhar mantém-se em 2017, imperturbável. O que fez esta gente desde então? Pouco. A Inglaterra venceu agora o Mundial sub-20 e o Torneio de Toulon, e perdeu a final do Europeu sub-17. Está por aí uma geração de ouro? Vem aí talento? Talvez sim, talvez não. Talvez seja indiferente e sejam engolidos pela piscina de dinheiro que é a Premier League... 

 

A Inglaterra pós-1966

 

O Gary Lineker é um gajo tramado. O Twitter dele é uma maravilha, com belos comentários, uns com veneno, outros mais sóbrios, mas muitas vezes certeiro. Ou oportuno. Era um avançado letal, conhece os timings. Há muito que magica no pensamento o que é, afinal, a seleção inglesa. Por que razão os vemos sempre como potência e favorita? Que fizeram depois de 1966? Mais do que uma análise aprofundada, isto será um raio-x, para saber onde estamos.

 

Outro dia, quando os sub-21 de Inglaterra tentavam o acesso à final do Europeu, perguntei-lhe no Twitter o que se passava com o futebol jovem daquele país. É que já havia ganho o Mundial sub-20 e o Torneio de Toulon, e perdeu a final do Europeu sub-17 (agora já está nas “meias” do Europeu sub-19). Ele deixou-me sem resposta (depois o universo castiga-o com retroativos, com a «Mão de Deus» em 1986), mas a coisa continuou presente no pensamento. Terá sido sorte? Há mais talento? Houve aposta em novos treinadores, em ideias?

 

Mais do que saber o que vão fazer as estrelas do amanhã, intriga o que aconteceu no passado a uma seleção que teve senhores como Lineker, Gascoigne, Owen, Shearer, Beckham, Lampard, Gerrard, Scholes, bla bla bla… Mas, já agora, deixemos um nome no ar: Dominc Solanke, o craque do Mundial sub-20 (quatro golos em 602 minutos), fez toda a formação no Chelsea e saltou agora, sem contrato, para o Liverpool. Tem 19 anos, tem pinta e terá um treinador que sabe levar os miúdos, dá moral, espaço e tempo. Será interessante vê-lo ir entrando ao lado de Mané, Salah, Coutinho e Firmino.

 

Moeda na máquina do tempo, vamos a isto. A seleção inglesa é a grande seleção inglesa por causa de 1966. Bobby Charlton e companhia, que enganaram os portugueses nas meias, foram campeões do mundo em casa, pela primeira e única vez. Resumo curto do que fizeram na competição desde então:

 

1970: quartos
1974 e 1978: não se qualificaram
1982: segunda fase de grupos
1986: quartos (culpa de Maradona e companhia)
1990: quarto lugar
1994: não se qualificaram
1998: oitavos
2002 e 2006: quartos
2010: oitavos
2014: fase de grupos

 

O registo não é famoso. Não é de potência. Se quisermos comparar com Portugal, os portugueses lograram sete meias-finais em 13 participações em Europeus e Mundiais (oito em 14 se juntarmos Taça das Confederações). No Mundial, no entanto, essa cifra é mais humilde: duas meias em seis participações. Em Europeus, em nove participações, os ingleses conseguiram um terceiro lugar (1968) e apenas mais uma ida às meias, em 1996. Quem se lembra daquele golo mágico de Gascoigne à Escócia?

Esta incapacidade nas grandes competições levar-nos-ia para uma larga discussão sobre aproveitamento de talento, ideias, treinadores e o que se faz na Premier League. A Alemanha é o melhor exemplo do que é capaz uma revolução. Em 2000 mudou tudo e em 2017 é campeã do mundo, vence a Taça das Confederações com a segunda equipa, para os miúdos irem entrando na coisa, e ainda venceu o Europeu sub-21 contra a poderosa Espanha de Celades, com meninos como Bellerín, Dani Ceballos, Deulofeu, Sandro e Asensio.

 

Ah! E importam-se com o estilo, com o jogar bem. Uma novidade. Em 2006, por exemplo, Klinsmann e Löw almoçaram com César Menotti, o treinador campeão do mundo em 1978, em dia de jogo para o Mundial. Mais tarde, os selecionadores alemães admitiriam que alteraram duas coisas graças ao argentino, entre elas o posicionamento de Ballack.

 

Olhemos o que fizeram os ingleses em todas as competições importantes na formação, para perceber se a história se repete ou se estamos num mundo novo:

 

Europeu sub-21

Campeões: 1982, 1984
finalistas derrotado: 2009
meias-finais: 1978, 1980, 1988, 2007, 2017
fase de grupos: 2000, 2002, 2011, 2013, 2015
não se qualificaram: 1990, 1992, 1994, 1996, 1998, 2004, 2006

 

Mundial sub-20

Campeões: 2017
meias: 1981, 1993
oitavos: 1997, 2011
fase de grupos: 1985, 1991, 1999, 2003, 2009, 2013
não se qualificaram: 1977, 1979, 1983, 1987, 1989, 1995, 2001, 2005, 2007, 2015

 

Europeu sub-19

Finalista derrotado: 2005, 2009
meias: 2010, 2012, 2016, 2017 (em competição ainda)
fase de grupos: 2002, 2003, 2008,
não qualificados: 2004, 2006, 2007, 2011, 2013, 2014, 2015

 

Europeu sub-17

Campeões: 2010, 2014
finalista derrotado: 2007, 2017
meias: 2002, 2011,
quartos: 2015, 2016
fase de grupos: 2005, 2009
não qualificados: 2006, 2008, 2012, 2013

 

Torneio de Toulon

Campeões: 1990, 1991, 1993, 1994, 2016, 2017
finalista derrotado: 1985, 1988

 

A quantidade enorme de competições em que não se qualificaram intriga (algumas por opção?), mas não deixa de haver esperança se observarmos os números assinalados. Está por aí uma geração jeitosa, que trouxe resultados. Houve talento, fizeram mossa. Alguém acredita que naquele país não há gente a tocar bem na bola?

 

Basta ligar a televisão e ver os sub-19. Um dos problemas em Inglaterra é que, por mais talento que haja, que tenha aprendido tudinho nas camadas jovens, a entrada na realidade é muito dura. Outras vezes, cedo de mais, com 18 anos em jogos da Taça da Liga, para depois serem avaliados como se tivessem 30. Imaginemos que o Stoke City tem uma escola espetacular, com treinadores que querem jogar bem e ensinar princípios de jogo porreiros, saídas de bola. E depois chegam à Premier League. Já viram o Stoke jogar?

 

Um romântico dirá que os clubes e federações têm de (começar ou continuar a) formar para jogar bem. E para os miúdos desfrutarem. Sem hesitações. Muitos toques na bola, muitas movimentações, afugentar o medo. Quando tiver de ficar sério, ficará sério, com a bagagem toda, a boa. A Alemanha, pela transformação verificada, é o melhor exemplo: o futebol com músculo juntou-lhe muita qualidade com a bola e ideias. Claro que depois regressa a realidade: a não ser que seja um génio aos 20 anos, que garoto inglês é que terá espaço para entrar nesta piscina de dinheiro que é a Premier League, que atrai quem quer?

 

Deixo-vos este artigo do The Guardian… de 2009. São ouvidos os que trabalhavam nesse campo, que criticavam duramente a entrada dos miúdos demasiado cedo nas academias, o custo disso, e o reflexo depois das poucas oportunidades que têm no futuro. O texto questiona ainda como é que um clube como o Chelsea não lançava um jogador desde John Terry. A frase chave foi de Huw Jennings, ex-chefe do gabinete do desenvolvimento jovem da Premier League: «É desesperadamente necessária uma reforma para os atletas entre 18 e 21 anos».

HTS