A pedagogia do último lugar de Germán Madrazo nos Jogos Olímpicos
Os Jogos Olímpicos promovem cada vez mais a inclusão de novos países mas neste caso acabaram por ter um exemplo de uma inclusão ainda mais importante. Germán Madrazo e os Fantásticos Cinco são heróis por terem ajudado a mostrar que o desporto é de todos e deve ser para todos, sem fronteiras nem espaço para a estigmatização do último. E que a vitória de uns não tem de ser a mesma que a vitória de outros.
O estigma da derrota e do último
Ninguém gosta de ficar em último. Ninguém gosta de perder, nem a feijões. Ninguém gosta de ficar associado a uma derrota. Ganhar é bom e estimula a confiança, perder consegue ser arrasador e implicar um vasto leque de consequências futuras, cheio de estigmas.
Não falo apenas de desportos de competição ou mesmo de formação, falo da vida real, aquela que vivemos desde os primeiros anos de escola e se mantém enquanto houver consciência. Por muito que cada vez mais se banalizem os prémios de participação, que também têm as suas consequências negativas, a pressão dos pares e a do que os «outros» vão pensar continua a ter um peso demasiado grande.
Às vezes nem era preciso perder. Mesmo antes do jogo, durante a escolha de equipas após um par ou ímpar, ser o último – ou dos últimos – a ser escolhido podia ser suficiente para desmotivar e retirar o prazer da competição, o prazer do desporto, o prazer de outro jogo qualquer.
O bullying podia ser constante e promovia uma segregação progressiva entre os «fisicamente mais habilitados» e os outros que, por mais que gostassem, iam acabar com dedos apontados apenas por não mostrarem a mesma aptidão.
Os Jogos Olímpicos têm desempenhado um papel muito importante, embora às vezes ignorado, neste capítulo. Desde nadadores que nunca tinham visto uma piscina em 2000 ou esquiadores que nunca tinham visto neve, o esforço olímpico para promover a inclusão, mesmo que sem objetivo competitivo sustentado, parece ser cada vez maior.
A inclusão de cada vez mais países é a primeira face da moeda. A outra consegue ser ainda mais importante e está espelhada na perfeição com o que aconteceu a Germán Madrazo no final da prova dos 15 quilómetros de cross-country nos Jogos Olímpicos na Coreia do Sul.
A festa que fez ao cruzar a meta, mesmo no último lugar e a precisar de mais de 25 minutos que o vencedor, e a forma como foi recebido por outros quatro que, como ele, tinham mais em jogo do que a competição na verdadeira essência da palavra, deve ser vista como um exemplo.
Germán Madrazo é um herói, como lhe chamaram durante o dia nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo, mas não apenas por ter conseguido terminar a prova pouco mais de um ano depois de ter aprendido a esquiar. Germán Madrazo é um herói por ter ajudado a mostrar que o desporto é de todos e deve ser para todos, sem fronteiras nem espaço para a crítica, os comentários desmoralizadores e a estigmatização.
O mexicano concebeu um momento memorável, com a ajuda de um equatoriano, um português, um colombiano e um tonganês, que vai servir de exemplo para o triunfo da inclusão desportiva e social. Os Fantásticos Cinco demonstraram que não há problema em terminar em último. Não há problema em precisar do dobro do tempo, ou perto disso, para cumprir a mesma distância.
Os Fantásticos Cinco provaram, com uma espontaneidade brilhante e comovente, que o objetivo do Zé não tem de ser a meta do João. Que as vitórias não são todas iguais. E que, num mesmo palco, pode haver espaço para os melhores e para os que simplesmente gostam do que estão a fazer ou simplesmente quiseram experimentar.
Sejam eles os melhores do mundo, da Europa, do país ou da escola. Sem espaço para gozo, comentários negativos ou sorrisos maldosos. O desporto é de todos e deve ser para todos. Ao tornar-se viral, este momento pode ter servido de inspiração para milhões de crianças por todo o mundo. Porque ao falar em mais rápido, mais alto e mais forte, Pierre de Coubertin tinha também subentendido o mais importante: mais feliz.
RPS