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É Desporto

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12 de Dezembro, 2016

A minha história com Cristiano Ronaldo

Rui Pedro Silva

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Nunca fomos amigos. Não me lembro de alguma vez termos conversado só os dois. Mas começaram a contar-me histórias dele como se fosse um mito em 1997. Entre 1998 e 2000 cruzámo-nos várias vezes: em jogos, em treinos, em almoços e no carro… do meu pai. Hoje tornou-se o melhor jogador do mundo pela quarta vez. É imortal. 

 

O Ronaldo que (ainda) não era fenómeno

 

A história começa com um Bruno. Em 1996/97, foi meu colega de equipa no Tires, numa equipa que venceu a sua divisão e subiu ao escalão mais alto de infantis, numa temporada em que já não havia campeonatos nacionais.

 

A equipa deu nas vistas e, durante a temporada, fizemos parte de um grupo de jogadores que começou a ser chamado para os treinos da seleção de Lisboa. Devemos ter começado com uns 50 e, semana após semana, éramos cada vez menos. João Couto, atualmente nos juvenis do Sporting, era um dos treinadores (juntamente com o Nuno Naré) e para a minha posição havia o Fernando Alexandre (na altura no Lourinhanense) e o Renato Margaça (na altura no Torreense e agora a jogar em Chipre).

 

Não precisei de muito tempo para perceber que estava a treinar acima das minhas possibilidades mas o Bruno estava como um peixe na água. Nas vésperas do torneio de Ponte Frielas, éramos 20 e dois iam ficar de fora. O Bruno continuou, eu não.

 

No final da época, o Bruno deu o salto para o Sporting.

 

O início das histórias

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Estávamos numa fase em que o Championship Manager era a última sensação e o Bruno passava horas em minha casa a jogar. Em Espanha, apesar de o Real Madrid ter sido campeão, foi o Barcelona que nos encheu as medidas. Tanto que, depois de combinarmos previamente, fomos comprar o equipamento dos catalães e começámos a treinar com ele.

 

Foi por isto que, no ano seguinte, quando me começou a falar das maravilhas que um «Ronaldo» da equipa dele no Sporting fazia, pensei que fosse uma alcunha. Era sempre o Ronaldo isto, o Ronaldo aquilo, o Ronaldo tudo. Seria natural pensar isso, não? Seria, mas um dia esclareceu-me que não. E disse-me que era madeirense, imitando o sotaque dele numa nova série de histórias de feitos que tinha feito no treino.

 

Não tenho a certeza quando ouvi pela primeira vez que se chamava Cristiano mas lembro-me perfeitamente do dia em que o vi jogar, em abril de 1998, mesmo antes da Páscoa. Ia com o Bruno de férias para o Algarve, mas só depois de um Benfica-Sporting em infantis, num dos relvados secundários do antigo estádio da Luz.

 

Ronaldo não fez um jogo brilhante, tenho essa ideia. Mas além do 2-2 do resultado final e do golo a abrir do João Oliveira, a única coisa de que me lembro é da primeira vez que tocou na bola. Encostado à direita no ataque, encarou o lateral de frente, fez uma vírgula e correu isolado. O mito ganhava corpo, finalmente.

 

Reencontros

 

No ano seguinte, regressaram as chamadas para a seleção de Lisboa, agora de sub-13 (apesar de já estarmos em 1999 e termos 14 anos). Mas agora a organização era diferente: o distrito estava dividido por quatro zonas e em fevereiro haveria um torneio na Pontinha entre as quatro. Na minha, ainda do Tires, estavam jogadores do Estoril e Estrela da Amadora, por exemplo. Outra tinha os do Sporting, outra os do Benfica e uma última com Alverca e companhia.

 

O primeiro jogo daquele sábado pôs-nos frente a frente pela primeira vez. Ou melhor, mais ou menos. Ele, titular, marcou dois golos na primeira parte e partiu a louça toda. Eu, suplente, marquei dois golos na segunda parte (só de encostar). A diferença? Perdemos 7-2 e não tivemos argumentos.

 

À tarde, enquanto fazia o segundo jogo, o Ronaldo estava nas bancadas. Foi aí que conheceu o meu pai. Ou que o meu pai o conheceu. Aos 14 anos, já tinha perdido a conta às vezes que o meu pai tinha feito truques de magia para enganar colegas meus. Mas ele, o Ronaldo, estava vidrado naquilo.

 

Normalmente, era sempre uma moeda. Desaparecia-lhe por entre os dedos e reaparecia, ingenuamente e sempre com um cúmplice pelo meio, no capuz do próprio Ronaldo. Ficava maravilhado. A partir daquele momento, o meu pai passou a ser o mágico. Eu, quando muito, como o filho do mágico.

 

No final do torneio, tiraram-se várias fotos. Não sei onde estão agora, mas lembro-me perfeitamente de uma fotografia no balneário em que o Ronaldo e o Fábio – o amigo inseparável de então – aparecem lado a lado a posar para a objetiva.

 

Almoço de final de época

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Avançamos mais um ano: estamos em 1999/2000 e somos iniciados. Ele está no Sporting e o Bruno continua lá. Eu jogo no Estoril. Disputamos a série E com objetivos completamente diferentes: eles para passarem à próxima fase, nós para não descermos. De acordo com o calendário, jogamos na última jornada.

 

A diferença de qualidade – individual e coletiva – é assoberbadora. Na primeira volta, em Alvalade, perdemos 3-0. Não me lembro dos golos mas estou capaz de apostar que marcou um. Em casa, não no Estoril mas nas Fontainhas, num pelado, perdemos 5-0 e, aí sim, lembro-me perfeitamente de ter marcado dois.

 

Era o último jogo da época e nós, no Estoril, íamos ter um almoço de final de época. Além do plantel do Estoril, também o Bruno, o Ronaldo e o Fábio ficaram para comer. Eles pouco falavam. Eu e o Bruno íamos conversando, mas eles estavam tímidos. Provavelmente, e com razão, desconfortáveis por estarem a almoçar com uma equipa que não era a deles.

 

O meu pai tinha ficado de os levar a Lisboa. Com o carro cheio, eu à frente e eles os três atrás, falou-se sobretudo de futebol e miúdas. Já em Alvalade, com o carro parado, o Ronaldo e o Fábio estavam preocupados com as horas. Iam para os jardins de Belém e tinham encontros marcados.

 

Não lhes podia faltar nada. O meu pai disse-me para abrir o guarda-luvas do carro e tirar os dois perfumes que lá tinha guardado. À vez, o Ronaldo e o Fábio cheiraram e decidiram qual gostavam mais.

 

Escolheram, perfumaram-se e foram à vida deles. O Fábio não teve muita sorte, o Ronaldo parece cada vez mais imortal. Foi eleito, pela quarta vez, o melhor jogador do mundo. Podia dizer que estava na cara que ia acontecer, que toda a gente que se tivesse cruzado com ele sabia que ia ser assim, mas estaria a mentir.

 

Ninguém sabia, nem mesmo ele, que um dia um jogador português teria mais Bolas de Ouro do que Zidane, Ronaldo (o “original”), Cruijff, Van Basten ou quem quer que fosse. Ninguém sabia, mas ele sempre acreditou.  

 

RPS