A mão marota que salvou o Uruguai
Tempos desesperados exigem medidas desesperadas. O Gana ia garantir o apuramento para as meias-finais nos descontos do prolongamento mas Luis Suárez teve outra ideia. Com Muslera batido, o avançado do Ajax defendeu com as mãos, foi expulso por… Olegário Benquerença e viu Gyan falhar o castigo máximo. A recompensa chegou no desempate por penáltis.
O roubo de um momento inédito
Era o primeiro Mundial organizado em África e, pela primeira vez na história, uma equipa africana podia garantir um lugar nas meias-finais da competição. Entre o Gana e a final four, havia apenas um obstáculo: o Uruguai de Suárez, Forlán e companhia.
O jogo foi animado mas, depois de golos de Essien e Forlán, o tempo regular não foi suficiente para resolver a eliminatória. No prolongamento, o Gana pareceu estar melhor fisicamente e empurrou os sul-americanos até à sua baliza. Acreditou-se que o Gana podia fazer história e, nos descontos, a página dourada pareceu estar à distância de escassos centímetros.
Depois de uma jogada de insistência, e com Muslera batido, Stephen Appiah cabeceou para a baliza com apenas dois uruguaios pelo caminho. Fucile, então ainda no FC Porto, tentou defender com as mãos mas não teve sorte. Ligeiramente mais atrás, e em cima da linha de golo, Luis Suárez teve sucesso e impediu o golo, sabendo perfeitamente o risco que estava a correr.
Os ganeses saltaram. Tinham acabado de ver algo tão flagrante que era impossível alguém não o ter descortinado. Olegário Benquerença, o árbitro português do encontro, também não teve dúvidas. Penálti e cartão vermelho para o avançado do Ajax, ainda a um ano de distância da transferência para o Liverpool.
Os festejos ganeses foram tímidos mas existiram. Puxaram pela bancada. A história estava mesmo ali ao lado. Um remate com sucesso e o Gana ia defrontar a Holanda na meia-final. A responsabilidade recaiu sobre Asamoah Gyan e… o mundo pareceu ter sugado a alegria de um continente inteiro. O avançado quis rematar em força, para o meio, mas levantou demasiado a bola, fazendo-a embater com estrondo na barra.
O risco de Suárez, a assistir ao penálti junto à entrada para os balneários, tinha valido a pena. Olegário Benquerença apitou imediatamente para o final do prolongamento, Gyan levou, incrédulo, as mãos à cara, Muslera bateu na barra com a mão direita em sinal de agradecimento e Suárez festejou como se de um golo se tratasse.
O pior para o Gana, ainda assim, estava para vir. O resultado continuava em aberto, ia haver desempate por penáltis, mas a pressão psicológica tratou do resto. De um lado, o Uruguai tinha a determinação de quem tinha visto a morte ao fundo do túnel e decidira viver ao máximo uma segunda oportunidade, do outro o Gana parecia derrotado, incapaz de acreditar no que tinha desperdiçado.
A linguagem corporal materializou-se no desempate. Mensah, Maxi Pereira e Adiyiah falharam consecutivamente e Loco Abreu fez jus ao nome e garantiu o apuramento sul-americano à Panenka. Luis Suárez era o novo herói.
«A defesa do Mundial»
Luis Suárez estava a viver o momento mais importante da carreira mas a expulsão tinha-o afastado do jogo com a Holanda. Não se importou: o coletivo era o mais importante e tinha acabado de ajudar de forma decisiva para alcançar o objetivo. «Fiz a defesa do Mundial. A Mão de Deus [a de Maradona] agora pertence-me».
O gesto de Suárez mereceu os elogios dos colegas. «Desta vez, em vez de marcar, impediu um golo. Foi ele que salvou o jogo», comentou Diego Forlán. Já o selecionador ganês, Milovan Ravejac apontou baterias ao «vilão» e «batoteiro» que tinha provocado uma grande «injustiça».
Do outro lado, Óscar Tabárez foi pragmático: «Houve uma mão na grande área, um cartão vermelho e Suárez foi expulso. Dizer que o Gana foi enganado é demasiado duro. Seguimos as regras. Talvez tenha sido um erro do meu jogador mas não gosto da palavra batota».
Asamoah Gyan, o perdulário, reconheceu a importância que o gesto adversário tinha tido: «É um herói no país dele agora, porque aquela bola ia entrar. É um herói…» O conformismo de Gyan não se manteve com o passar dos anos. «Às vezes, quando estou sozinho, levanto-me e ponho o DVD do jogo para rever o encontro. Já o devo ter visto umas vinte vezes. É algo que nunca vou esquecer, gostava de poder reviver aquele momento. É claro que já o ultrapassei, sou forte o suficiente, mas nunca vou esquecer aquilo», disse numa entrevista antes do Mundial-2014.
Luis Suárez pode ter sido diabolizado pelo momento mas defendeu sempre a validade da decisão: «Ajudei a equipa, impedi um golo. Acho que é pior quando se impede um golo ao lesionar um adversário. Usar a minha mão não magoou ninguém, só impediu um golo. E o árbitro fez o que tinha a fazer».