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É Desporto

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19 de Setembro, 2016

A maior deficiência nos Jogos Paralímpicos é a sombra

Rui Pedro Silva

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Evento está a melhorar de edição para edição, mas continua a ter de combater contra dois inimigos: os Jogos Olímpicos e a desinformação. 

 

Irmão Olímpico só prejudica

 

Uma confissão a abrir: nunca como até agora tinha passado tanto tempo a ver Jogos Paralímpicos ou a ler sobre atletas paralímpicos. Digo mesmo que só o primeiro dia em que comecei a compilar histórias para escrever chegou para superar a marca total das edições anteriores mesmo antes da cerimónia de abertura no Rio de Janeiro.

 

Este é um problema global: os Paralímpicos não conseguem gerar tanto interesse como os Olímpicos e não têm o mesmo destaque para se mostrarem ao mundo. Mas atenção: não é por falta de oportunidade. Afinal, o canal do YouTube do evento transmitiu na íntegra muitas das modalidades e foi assim que no sábado, por exemplo, se viu Markus Rehm a melhorar a sua marca no salto em comprimento cinco vezes consecutivas, confirmando que tem, de facto, um talento indesmentível.

 

A questão é que as pessoas não têm o mesmo interesse em ver os Jogos Paralímpicos. Porque acham que é um circo, porque têm pena, porque ver os Olímpicos já é experiência suficiente ou então mesmo porque não sabem onde e como ver. Verdade seja dita, os Paralímpicos estão a anos-luz de atingir o destaque mediático, em Portugal ou em qualquer outro canto do mundo, dos Olímpicos.

 

Qualquer uma destas justificações é apontada pelos atletas, nacionais ou estrangeiros. Ao longo das histórias que fui lendo, apercebi-me das criticas ao modo como o espetáculo está montado. Jason Smyth, o velocista irlandês, criticou a organização em 2008 por ter feito todo o evento em torno de Oscar Pistorius, mesmo sabendo que todos os atletas têm histórias de sacrifício e entrega semelhantes ou superiores. Outros dizem também que não ajuda em nada fazer os Paralímpicos a seguir aos Olímpicos.

 

Faz sentido. Se os Paralímpicos fossem um aperitivo e não uma manhã de ressaca talvez começasse a ser diferente. Talvez dessa forma a sombra olímpica deixasse de sugar todo o protagonismo e permitisse aumentar o nível de cobertura e destaque dados.

 

Cultura do soundbyte

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De quatro em quatro anos, a evolução do soundbyte é sempre a mesma. Passa-se da euforia por se achar que merecemos várias medalhas nos Olímpicos para a depressão e críticas por a campanha ter sido uma desilusão. Assim que chegam os Paralímpicos e caem as primeiras medalhas, surge o discurso que “estes sim, estes é que merecem e fazem mais com menos”.

 

Sem se aperceberem, é uma tirada que é tão insultuosa para os Olímpicos como para os Paralímpicos. Tanto uns como os outros vivem bem sem as comparações. É que os Jogos Olímpicos não são os Jogos Paralímpicos.

 

Por muito que haja uma pista, uma piscina, uma estrada e os nomes das provas sejam iguais, ou muito semelhantes, as comparações só prejudicam. E desinformam. E fazem com que a guerra paralímpica pelo reconhecimento perca batalha após batalha.

 

É que nós, os que não somos paralímpicos e falamos ou escrevemos sobre isso, devíamos ser mais responsáveis. Devíamos perceber se quatro atletas paralímpicos terem corrido os 1500 metros num tempo mais rápido do que o campeão olímpico é, ou não, relevante. Devíamos não ir atrás da corrente e escrever que Marieke Vervoort vai morrer após os Jogos Paralímpicos só porque é uma grande história e não temos o cuidado suficiente para perceber exatamente o que está em causa e o que foi dito pela atleta.

 

Talvez dessa forma se pudesse começar a evitar a palavra “afinal” dos títulos. É embaraçoso. “Afinal não é assim tão espetacular” e “afinal nunca disse que ia morrer” fica mal. É mau ceder à tentação e à máxima de “não deixar que a verdade atrapalhe uma boa história”.

 

Campanha portuguesa

 

Portugal conquistou quatro medalhas, todas de bronze. Foi melhor, a nível total, do que em 2012 (uma de prata e duas de bronze) mas, uma vez mais, as comparações são perigosas. Ao contrário dos Jogos Olímpicos, os Paralímpicos são um evento que está a atravessar por fases de grande mudança.

 

Cada vez mais, os países dão valor a atletas com deficiências e a aposta no desporto é uma constante. Melissa Stockwell, norte-americana que perdeu uma perna no Iraque em 2004 e foi medalha de bronze no triatlo, só soube que os Paralímpicos existiam por acaso. Agora, a situação é diferente: há cada vez mais informação e cada vez mais atletas.

 

Em Sydney-2000, quando Portugal conquistou um máximo de 15 medalhas, competiram 3881 atletas de 121 países. Agora, no Rio de Janeiro, houve 4342 atletas de 159 países. Curiosamente, o número de provas baixou.

 

Nas provas femininas de cadeira de rodas, por exemplo, a deputada canadiana Michelle Stilwell não pôde defender o título nos 200 metros porque… não havia candidatas suficientes. É um fator que continuará a definir os Paralímpicos com o passar dos anos: há provas que podem simplesmente desaparecer de uma edição para a outra por não haver quem nelas compita.

 

Unicidade dos Paralímpicos

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O caráter dos Paralímpicos é único. Não se alimenta de comparações que nada de bom trazem ao evento – exceto nos casos em que de facto sejam válidas, como os tempos aos 100 metros de Jason Smyth e as marcas de Markus Rehm no salto em comprimento. Falar nos tempos dos 1500 metros, é como dizer que na final do futebol de sete para atletas com paralisia cerebral, a Ucrânia marcou mais golos do que o Brasil na final do torneio olímpico.

 

Comparar números de medalhas também pouco importa. Importa é perceber que os atletas que ali estão possuem histórias de vida inspiradoras e conseguem transportar esse espírito para as provas.

 

Por mais perturbador que alguns possam pensar que as provas são, é a capacidade de inspirar que os torna únicos. São a metáfora perfeita de alguém que levou um pontapé da vida e não só não desistiu como fez questão de responder ao mesmo nível.

 

#SemPena2016 diziam os atletas portugueses em campanha. Sim, sem pena. Mas com muito respeito.

 

RPS