Uma viagem aos 18 estádios da liga em oito jornadas
Nasci em janeiro de 1985, a meio da temporada que seria marcada pelo primeiro título de campeão nacional de Pinto da Costa como presidente do FC Porto e pela última época, até 2023, sem equipas das ilhas na primeira divisão. Talvez tenha sido por esta curiosidade que, no final da temporada passada, tenha decidido que, caso o Estrela da Amadora provocasse a despromoção do Marítimo e levasse a um 2023/2024 sem viagens à Madeira ou aos Açores, iria tentar percorrer os 18 estádios da Liga Portuguesa no menor número de jornadas.
A paixão pelo futebol nasceu cedo mas nunca foi diretamente proporcional aos jogos no estádio. Devo ter visto menos de dez jogos ao vivo do principal escalão antes de ter começado a trabalhar em jornalismo e a ter um acesso mais direto. Antes de agosto de 2023, já tinha passado pela maioria dos relvados do principal escalão, mas continuava a haver algumas falhas: já tinha ido duas vezes ao Dragão e uma a Guimarães mas sempre em jogos de seleções. Além disso, faltava-me Vila do Conde, Vizela, Moreira de Cónegos, Braga e Arouca. Se quisermos ser picuinhas, fui muitas vezes a Pina Manique, sobretudo no ano em que desceram ao Distrital, mas nunca a Rio Maior.
O plano estava definido. Não era apenas visitar os 18 estádios na mesma temporada, em jogos do campeonato, mas sim conseguir fazê-lo no menor número de jornadas possíveis, até para garantir que fechava a aventura antes do nascimento do primeiro filho, estimado para meados de outubro.
O que se segue é a história de uma aventura com 18 estádios, 58 golos, sete jogos decididos nos descontos, 5829 quilómetros e, acima de tudo, a ideia de que o futebol português, com todos os defeitos e falhas que tem, consegue ser muito mais interessante ao vivo do que aquilo que nos vendem diariamente.
Os desafios do calendário
Precisei de oito jornadas para fechar todos os estádios mas, no mínimo, podia tê-lo feito uma semana antes. Se tivesse fechado um jogo do Casa Pia em Rio Maior na segunda jornada, contra o Sporting, teria também antecipado a viagem ao António Coimbra da Mota e não precisava de ter esperado por um Estoril-Benfica a 7 de outubro para completar o desafio.
Mais do que os quilómetros, o cansaço da condução, as cinco viagens aos distritos do Porto/Braga nas cinco primeiras jornadas, as maiores dificuldades foram mesmo conseguir gerir a forma mais eficaz de saltar pelos estádios numa fase em que a Liga ainda não tinha todas as jornadas calendarizadas. A promoção do Continente foi uma grande aliada e permitiu abrir caminho para nove dos 18 jogos, mas nada teria sido possível sem a ajuda de amigos e de pessoas que foram surgindo para desbloquear dificuldades de acesso a jogos como o Boavista-Benfica, o Sp. Braga-Sporting ou o Benfica-FC Porto. Mas já lá vamos. A história desta aventura começa em Alvalade, com um Sporting-Vizela, a 12 de agosto.
O jogo dos pequenos terramotos
Alvalade é um dos principais focos de atração do turismo desportivo em Portugal. Com razão para isso. Ver um jogo no estádio do Sporting não é tanto pelos 90 minutos, mas também pelos pequenos momentos que se foram tornando tradição e que marcam a experiência de um adepto ocasional.
Nada no futebol mundial baterá o You’ll Never Walk Alone que se ouve em Anfield (nem mesmo o igualmente marcante mas sem o mesmo peso simbólico em Glasgow com o Celtic), mas «O Mundo Sabe Que» que se ouve religiosamente antes dos jogos – e cada vez mais assim que o jogo começa – desde o início de 2016 está claramente num top de momentos para se ver ao vivo no desporto em Portugal.
A marcha do Sporting acaba por ser um pouco ofuscada e miúdos e graúdos exultam com esta tradição mais recente, com origem num cântico que foi criado na passagem do século XX para o XXI. A euforia da primeira jornada, aliada ao interesse em ver Gyökeres ao vivo, parecia ter atingido o expoente máximo quando o sueco marcou dois golos em dois minutos no início da primeira parte, mas a resposta à letra do Vizela durante o segundo tempo adiou a tendência que viria a ser marcante nos jogos vistos: vitórias alcançadas nos descontos. E aqui entra outro momento que rivaliza com qualquer outro no top de experiências em estádio: golos (decisivos) de Paulinho.
O avançado pode não ter tido uma temporada e meia inicial muito feliz em Alvalade, mas o jogo com o Vizela marcou um arranque demolidor e o golo nos descontos foi pontuado ao ritmo de Freed from Desire com o cântico «Se o Paulinho mostra os dentes, eles até caem».
Sete jornadas depois, talvez já não exista o mesmo entusiasmo, mas um golo de Paulinho, decisivo, nos descontos, no jogo de abertura do campeonato, teve tanto de euforia como de improbabilidade. Os festejos de um estádio sem bilhetes disponíveis mas longe de estar lotado foram tão fortes que a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica veio revelar uns dias depois que um sismógrafo artesanal perto do estádio tinha registado um pequeno sismo (ainda mais forte do que nos golos de Gyökeres).
Mais três jogos, mais três golos nos descontos
A noite de sábado foi dormida ainda na região de Lisboa mas a manhã de domingo ficou marcada pela primeira viagem para norte, com a base para os dois dias seguintes a ser fixada em Gaia. O plano incluía um Rio Ave-Chaves e um Arouca-Estoril no domingo e um Boavista-Benfica na segunda-feira.
Vila do Conde foi a primeira novidade do circuito. Já tinha visitado a cidade várias vezes nos últimos anos mas nunca em dia de jogo. O Rio Ave-Chaves foi também o primeiro jogo disponível através dos vouchers do Continente. E também a primeira vez que tive de responder a uma pergunta que me afetou de todas as vezes que a ouvi nas jornadas seguintes (repetiu-se em Arouca, Vizela, Chaves e Moreira de Cónegos): por quem ia torcer. Consigo compreender a razão por trás da pergunta mas não consigo ignorar que o futebol em Portugal está a ser moldado para achar impossível que alguém queira ir ver um jogo apenas pelo futebol em si sem estar amarrado a uma das equipas.
Confesso que a experiência no estádio esteve longe de acompanhar a simpatia que se tem (eu pelo menos) pelo Rio Ave. É um campo de uma bancada só, com muito vento, com alguns setores demasiado longe da ação e, pior, foi também o palco para o primeiro de dois episódios racistas do dia, quando um jovem armado em engraçado achou por bem replicar sons de macaco após a expulsão de André Bikey, elemento que fazia parte da equipa técnica de José Gomes.
O jogo também não foi o melhor. Bruno Langa foi expulso aos 14 minutos e o jogo teve sentido único, com o Rio Ave a manter viva a tendência iniciada na véspera. A ganhar por 1-0 até ao minuto 90, aproveitou o tempo de compensação para fixar a contagem.
As três horas de diferença entre o final do jogo de Vila do Conde e o início do encontro de Arouca permitiram fazer uma viagem tranquila, enfrentar as famosas curvas da serra que não eram mais do que uma história tantas vezes ouvida, e chegar a tempo de um jantar rápido com espaço para um toucinho do céu numa loja muito recomendada.
Arouca marcou a maior surpresa da aventura. Nunca tinha estado em Arouca. Sabia muito pouco sobre a terra. O meu pai, no entanto, tinha viajado da zona de Lisboa até ao estádio municipal em anos consecutivos para ver o Atlético. Numa delas, num domingo às 11h00, era mesmo o único adepto do clube da Tapadinha na bancada, o que lhe valeu (graças a algum descaramento) um cachecol e um convite para ver o jogo na tribuna.
Dez anos depois (ou perto disso), Arouca conquistou-me. O enquadramento do estádio, a vista com o pôr-do-sol a iluminar a famosa Serra da Freita, a temperatura e até a moldura humana para um jogo que tinha entrada aberta para os estudantes do concelho foram trunfos especiais. Por outro lado, logo nos minutos iniciais, fui exposto a um adolescente armado em engraçado (outro!), com uma camisola dos Lakers (não, esse não era o problema… desta vez) a insultar Heriberto Tavares. Insultos racistas, claro, enquanto se aguardava pelo veredicto do videoárbitro de um golo para o Estoril.
Tal como em Vila do Conde, houve uma expulsão muito cedo, mas se um jogo fechou e teve pouco espetáculo, o outro abriu caminho para uma aventura frenética. Quando Eboué viu o vermelho ainda na primeira parte, o Arouca já tinha conseguido anular a primeira vantagem do Estoril. No segundo tempo, os canarinhos adiantaram-se no marcador por mais duas vezes; por mais duas vezes, o Arouca empatou. Até que, nos descontos, Pedro Santos fez o golo que lançou o pandemónio nos festejos da única representante do distrito de Aveiro na Liga Portuguesa.
A fasquia do Arouca-Estoril tinha ficado alta mas a ida ao Bessa no dia seguinte conseguiu elevá-la ainda mais. Graças à simpatia de um sócio do Boavista, consegui ir acompanhado a um jogo que ficou marcado por um ambiente fantástico dentro e fora do campo. A construção do novo Bessa, com lotação para 30 mil espetadores, proporcionou momentos fantásticos como este na primeira jornada. Com 21 mil pessoas, o ambiente consegue envergonhar jogos de Alvalade, Dragão e Luz. A acústica é perfeita e o topo norte, repleto de adeptos do Benfica a assinalarem a estreia num campeonato depois do título, foi fundamental, mas a atuação do Boavista, que disputou o jogo desde o arranque e conseguiu puxar para o seu lado os adeptos axadrezados, tornou tudo ainda melhor.
Porém, nem tudo é perfeito. A emoção do encontro, com golos de parte a parte até ao 3-2 final do Boavista (obviamente nos descontos), levou a que dois adeptos do Benfica tivessem de ser escoltados até à saída depois de um desentendimento provocado após o 2-1 de João Neves. Este será mesmo o maior desafio do futebol, sobretudo o português, nesta altura: manter o respeito num estádio sem deixar de garantir o livre acesso de todo e qualquer adepto que queira ir ver um jogo de futebol, qualquer que seja o seu clube.
De Rod Stewart a Iván Marcano
A segunda jornada marcou o início das dificuldades de calendarização. A ideia inicial passaria por fazer base na área metropolitana de Lisboa e arredores, com os jogos de Casa Pia, Benfica e Estoril, mas o acesso aos bilhetes provocou a mudança de agulha. Em Rio Maior, os bilhetes para o jogo com o Sporting voaram, enquanto na Luz, no primeiro jogo em casa da temporada, a euforia era grande e estava reservado para sócios. Solução? Olhar novamente para a bússola e encontrar o norte, com jogos em Guimarães e no Dragão, dois estádios que já tinha visitado mas nunca com Vitória e FC Porto em campo.
No Minho, dá para confirmar tudo o que se ouve de Guimarães desde a infância: a paixão e a dedicação que é dada ao clube. Com o Gil Vicente como adversário e com Paulo Turra na bancada, o Vitória venceu com uma reviravolta (sem golos nos descontos, que desplante!) num jogo em que o ambiente entusiasmou.
Nem tudo correu bem, no entanto. Ou, simplesmente, poderia ter corrido pior. Um dos bilhetes comprados no site do Vitória na véspera foi para um lugar que pertencia a um lugar anual. Talvez tenha havido mais simpatia por haver uma grávida ao barulho, mas instantes depois de nos sentarmos, um sócio vitoriano abordou-nos para garantir que não estávamos «perdidos». Não estávamos. Seja em salas de cinema, aviões, estádios ou qualquer outro com recinto com lugar marcado, garanto sempre que não terei de passar pela vergonha de me levantar por estar no sítio errado, seja por aselhice ou por querer simplesmente uma vista melhor.
«Não há problema! Nós de qualquer forma vamos ver o jogo lá em baixo, estejam à vontade. Mas vocês não são daqui, pois não?». Não. E aqui entra outra fase de surpresa: alguém ser capaz de fazer centenas de quilómetros de Oeiras para ir ver um jogo entre o Vitória e o Gil. Por outro lado, talvez fosse pior se em vez de um adversário minhoto fosse uma equipa de Lisboa que nos fizesse passar por infiltrados.
Esta foi a segunda vez em dois jogos consecutivos que o sotaque lisboeta (ou o mais próximo que terei) abriu caminho para interrogações suspeitas. No Bessa, na semana anterior, já tinha sido brindado com um “vocês são vermelhos!», embora aí a companhia fosse nortenha e o motivo estivesse mais relacionado por acertar nas substituições de Schmidt.
A verdade é que as perguntas não tiveram consequências. E passado o quase problema em Guimarães, houve espaço para experienciar na primeira pessoa o ambiente conquistador. Desde a música de arranque de jogo, «Sou Vitória», ao ritmo de Sailing de Rod Stewart ao ensurdecedor barulho provocado pelas cartolinas dobradas. Outro momento inesquecível foi o cântico que surgiu quando a chuva apareceu em força durante a primeira parte: se alguns, poucos, procuraram refúgio, a maioria transformou a precipitação em euforia e começou a exclamar a plenos pulmões «E a chuva para nós é sooooo-ol, e a chuva para nós é sooooo-ol…».
O FC Porto-Farense do dia seguinte trouxe de volta a tendência dos descontos, com o salvador Marcano, e acentuou uma outra que viria a perpetuar-se nas jornadas seguintes: as vitórias das equipas da casa.
Foi a sexta vitória de uma equipa da casa, o quinto jogo com golo nos descontos e o quarto encontro decidido no tempo de compensação. Enquanto o país do comentário futebolístico se deixava levar pelas polémicas, pelos foras-de-jogo, pelos penáltis, a experiência nos estádios trazia-me uma sensação completamente diferente.
Estar no meio das pessoas, dos adeptos de cada uma das equipas – e sempre com clubes diferentes a cada jogo – fez-me perceber que o campeonato consegue ser muito melhor do que aquilo que podemos achar se nos deixarmos formatar pela televisão, pelos programas ou pelas viagens consecutivas aos mesmos estádios para ver sempre as mesmas equipas. Depois de seis jogos, tinha visto 25 golos, jogos decididos até à última, com excelentes ambientes e com experiências muito mais marcantes do que quando se liga a televisão no minuto do pontapé de saída e se acompanha tudo pelas redes sociais.
Ver um jogo num estádio, talvez o mais bonito do campeonato, com mais de 40 mil pessoas em que a equipa da casa vence nos descontos é sempre especial mas, confesso, tinha a fasquia demasiado elevada. Estar na bancada durante o hino foi o momento mais especial, que tão depressa me transportou para a infância como me fez sentir a falta do trompete. Por outro lado, o resto do ambiente foi pouco sedutor. A música «Amor Eterno» parece estar muito longe da aceitação que «O Mundo Sabe Que» tem em Alvalade e o «Sou Vitória» tem em Guimarães.
A estreia em Lisboa e o toca e foge no Algarve
O balanço depois de duas jornadas não deixava margem para dúvidas: seis vitórias da equipa da casa e 1670 quilómetros percorridos. Para o terceiro fim de semana, ia haver a estreia na Área Metropolitana de Lisboa e a primeira escapadela até ao Algarve.
Voltei a dar azar ao Estoril. Na Amadora, num estádio com acessos mais caóticos, mas que preserva na perfeição o enquadramento na cidade, o maior defeito foi mesmo a falta de informação, novamente relacionada com os vouchers do Continente. A fila na bilheteira era grande e foi culminada com a informação de que a troca era feita na loja. Chegados lá, em cima da hora do jogo, foi dito, quase em tom de ameaça, que foi uma sorte ter os bilhetes porque os vouchers têm de ser trocados até uma hora antes, uma informação que não está presente em lado nenhum e que até então e depois disso não foi dita por nenhum clube.
A experiência na Reboleira, no José Gomes, foi um regresso ao passado. Tinha lá estado no Estrela-Belenenses da terceira distrital, quatro anos antes, bem como no último jogo do Clube de Futebol Estrela da Amadora antes da extinção (num jogo de juniores). Mas a estreia aconteceu em 1993, a 21 de novembro.
Naquela tarde de domingo, o Estrela venceu o Estoril por 3-0, num dia que me traz duas memórias principais: Bobby Robson, então treinador do Sporting, estava no camarote um dia depois de ter perdido em Alvalade com o FC Porto, e… fui acompanhando através dos rádios de inúmeros adeptos o desastre do Benfica em Setúbal, que terminou com uma goleada sofrida de 5-2.
Trinta anos depois, Bobby Robson já morreu, o Vitória está longe da ribalta, já não há jogos grandes à tarde sem transmissão mas… numa sexta-feira à noite, o Estrela continua a ganhar ao Estoril, graças a um golo, claro está, nos descontos.
Ser um estádio do passado também traz problemas e desilusões acrescidas. Para quem se lembra dos jogos na Amadora de outros tempos, não deixa de sentir uma pequena desilusão por as bancadas atrás das balizas estarem limitadas a publicidade e vedadas a adeptos. Com a Fúria Tricolor de um lado e alguns dos adeptos mais apaixonados do outro, os jogos na Reboleira eram mais ricos. Agora, só adeptos na poente e na nascente, sendo que nesta última há um bom punhado de filas que tem a visão impedida para uns cinco metros do relvado junto à linha lateral.
Não estraga a experiência, é certo, mas também não a melhora.
Outro estádio com bancadas nos topos míticas é o de São Luís, em Faro. Se a claque surge no topo sul, são os adeptos do topo norte que nos transportam para a década de 90, junto à baliza que Abílio falhou o penálti do Salgueiros que daria a qualificação europeia.
O ambiente de Faro vale muito a pena e a experiência faz-nos sentir que o futebol está vivo. Se ajudou a equipa da casa ter goleado o perdido Chaves? Sem dúvida. Aos 22 minutos, já o Farense vencia por 4-0, para gáudio de alguns, inclusive os turistas britânicos ao meu lado esquerdo com camisolas do Reading, e desespero de outros, como a família flaviense ao meu lado direito.
O filho, inconsolável, centrou a fúria em Sandro Cruz que, como lateral esquerdo, foi pouco mais do que uma Estrada Nacional 2 sem limite de velocidade. Em mais do que um momento, senti a necessidade de desabafar que as coisas só iriam melhorar quando José Gomes saísse e que a escolha do treinador foi um enorme erro. Decidi ficar calado. Mas o tempo iria acabar por dar razão, não sem antes fazer a viagem até Chaves, no fim de semana seguinte.
Três dias, quatro jogos e base em Famalicão
O jogo de Faro reservou-me o domingo completo. Saí de Oeiras cedo, fiz a viagem até ao São Luís, vi o jogo e regressei imediatamente a seguir, recuperando a experiência de outras décadas de acompanhar um jogo (o Gil Vicente-Benfica, no caso) enquanto se está no carro.
Mas, no fim de semana seguinte, os planos seriam outros. Pela primeira vez, o calendário da jornada pareceu perfeito para esta aventura e permitiria ver quatro jogos em três dias sem haver necessidade de fazer grandes viagens entre os encontros. Pelo menos para o que estava habituado.
A possibilidade do teletrabalho fez-me viajar para Vila Nova de Famalicão numa quinta-feira e, nos três dias seguintes, ver Vizela-Gil Vicente, Famalicão-Farense, Chaves-Moreirense e Sp. Braga-Sporting.
Famalicão foi o quartel general perfeito. Já conhecia um hotel, de viagens futebolísticas antigas, e a proximidade geográfica inacreditável a mais de 50% dos estádios da liga tornam a cidade uma sede perfeita para quem quer ver jogos todos os fins de semana. Mas eu só precisava de alguns dias.
Foi neste fim de semana que as tendências começaram a quebrar-se. Estava com uma média superior a quatro golos por jogo nos primeiros oito encontros, mas Vizela e Famalicão só conseguiram vencer por 1-0. Por outro lado, venceram na condição de visitados e elevaram para dez a série de vitórias caseiras que tinha visto. Num campeonato com 18 equipas, os primeiros dez estádios que visitei festejaram um triunfo dos seus.
Nestes dois jogos, fiquei também ainda mais alerta para a música que se ouvia. Em Vizela, numa sexta-feira, depois de deixar o carro estacionado na Rua Pena de Galo (tremendamente irónico, tendo em conta que o jogo seria com a equipa de Barcelos), saí das bancadas com um «Vizela, meu Vizelinha» no ouvido.
É incrível a quantidade de momentos até aqui que se saldaram por músicas no ouvido que ainda hoje, semanas depois, vão aparecendo sem avisar. A versão adaptada do Vitória da música de Rod Stewart, o hino do Farense (com o verso «à vitória, Farense, à vitória!») e o rap vizelense entraram para um top improvisado. Já em Famalicão, foi mais a sucessão de músicas no intervalo que tornaram a experiência interessante.
Para domingo, estavam guardados dois jogos que teriam uma história muito própria. Em Chaves, em mais um estádio com uma bancada num topo que tem uma mística especial (foi o segundo jogo que lá vi e continuo a achar que é uma das melhores bancadas para se ver futebol), houve finalmente uma equipa da casa a não ganhar. E, no caso, a perder.
José Gomes continuava ao comando da equipa e viu lenços brancos no final. Adeptos do Chaves brincaram comigo, sabendo da minha série de vitórias caseiras, e disseram que se nem comigo na bancada, a equipa vence, não há mesmo muito a fazer. A verdade é que, curiosamente e sem ligação absolutamente nenhuma, a primeira equipa a não conseguir vencer em casa comigo no estádio foi precisamente a primeira a despedir um treinador.
Horas depois, em Braga, a equipa minhota também não conseguiu vencer, mas travou o Sporting com um empate a um golo. Aqui, porém, mais do que o jogo, importa contar a história que envolveu o encontro.
Nos onze primeiros jogos, sete tinham sido vistos através da iniciativa do Continente. Em Chaves, já agora, surgiu mais uma vez a pergunta do clube pelo qual torcia. Talvez seja do estado do futebol em Portugal, mas a resposta «nenhum, vim de Lisboa para ver o jogo» provocou reações impagáveis do responsável pela entrega dos bilhetes e pelos adeptos que aguardavam a sua vez. Dos restantes quatro, um tinha sido comprado no site do Vitória e os outros três (Alvalade, Bessa e Dragão) tinham sido através de bilhetes anuais.
Para Braga, porém, as hipóteses desapareceram. Se jogos em Alvalade, Dragão ou Luz podem ser mais complicados porque por vezes a lotação esgota, mesmo que haja lugares vazios nos encontros, em Braga há jogos onde é virtualmente impossível comprar bilhete se não se for sócio do clube ou do adversário.
Foi a solução que o clube encontrou para impedir que jogos contra os grandes fossem invadidos por adeptos de fora e pusessem em causa o fator-casa. O problema é que esta medida acaba por arrasar o potencial futebolístico e turístico da própria modalidade. Eu não consegui comprar bilhete. Um estrangeiro de férias em Portugal com interesse em ver o jogo, não teria conseguido. Não há dúvidas de que o ambiente no Sp. Braga-Sporting foi fenomenal (e que há uma franja cada vez maior de adeptos jovens que tornam o clube cada vez mais rico em capital social), mas não deixa de ser um tiro nos pés preferir ter lugares vazios num estádio a um adepto que não torça pela equipa da casa.
Tentei contornar esta situação de todas as formas que pensei e que me foram sugeridas (menos atirar-me de para-quedas, confesso): os bilhetes de sócios do Sp. Braga, informava o clube, tinham de ser acompanhados pelo cartão de identificação, os para sócios do Sporting esgotaram-se num abrir e fechar de olhos. Enviei uma mensagem ao oficial de ligação aos adeptos a expor o meu desafio mas a «ligação» estava sem rede e não cheguei a obter uma resposta. No final, tive duas alternativas, já depois de explicar a dificuldade no Twitter: um convite através de um patrocinador oficial do Sp. Braga e um outro convite através de alguém que nunca tinha conhecido pessoalmente mas que fazia parte do universo da rede social há muitos anos.
Resultado? Tal como em muitos outros estádios durante esta aventura, conheci uma pessoa nova e acabei o domingo a ver um jogo num camarote. Foi uma experiência única, definitivamente, mas esteve longe de ser o melhor daquela noite.
O estádio do Sp. Braga é ainda mais bonito do que se diz. Foi uma estreia para mim e tudo o que fui vendo e lendo desde o Euro-2004 não me preparou para a vista de tirar o fôlego quando se começa a descer do lado da pedreira, ainda do lado de fora. Parei, arregalei os olhos, tirei uma fotografia e pensei, logo ali naquele momento, que já tinha valido a pena.
Pode não estar na melhor localização para os adeptos, pode promover até algum distanciamento, mas para um adepto ocasional, como foi o meu caso, aquele choque com a paisagem, em cima do pôr-do-sol conquistou-me. Nenhum outro momento, em qualquer um dos outros 17 estádios durante esta aventura, conseguiram sequer rivalizar com aquele instante.
Num dia que ficou marcado pelas polémicas do FC Porto-Arouca, seguido com muita atenção pelos adeptos minhotos através das televisões dos camarotes direcionadas para a bancada, a minha experiência continuava a ser marcada por golos, emoções e bom futebol. Continuava a sentir-me distante de toda a novela, das críticas e da sensação de que há coisas que «só mesmo no tugão». Talvez seja assim, mas também há um copo meio-cheio com virtudes e momentos para acompanhar. Dependerá, como sempre, da visão com que se olha para o que a jornada ofereceu.
Pausa para seleções em Moreira de Cónegos
O fim de semana de pausa para os jogos de Portugal podia ter sido uma pausa para descansar mas, felizmente (no meu caso), houve um jogo adiado da terceira jornada. Se tivesse sido disputado na data inicialmente marcada, provavelmente não o teria conseguido ver mas, devido a esta alteração, atestei uma vez mais o depósito e fiz Oeiras-Moreira de Cónegos-Oeiras num sábado para ver o Moreirense-Sp. Braga. Foi a quarta viagem ao norte em quatro jornadas. Depois desta, ficaria apenas a faltar Barcelos, pré-reservada para o fim de semana seguinte.
O Estádio Comendador Joaquim Almeida Freitas marcava também a minha última estreia em estádios da Liga Portuguesa. Isto, claro está, se atribuir Pina Manique ao Casa Pia e não o Municipal de Rio Maior, que está a servir como um empréstimo demasiado duradouro para o que seria conveniente.
Se no passado, achei curiosas as perguntas sobre o clube pelo qual torcia, na bilheteira em Moreira de Cónegos, não tive palavra a dizer e foram-me dados bilhetes para a bancada de adeptos do Sp. Braga.
Perguntei se não haveria alternativa. Confesso que prefiro sempre ver os jogos entre os adeptos da equipa da casa. A ideia desta aventura foi sempre perceber como é o ambiente de um determinado estádio quando a equipa da casa joga. Num cenário perfeito, seriam jogos que não tivessem grandes como adversários, mas a logística nem sempre permitiu. Mas aqui, em Moreira de Cónegos, desta vez, havia um fator adicional: os adeptos visitantes são obrigados a ficar mais uns bons minutos na bancada antes de poderem sair, por questões de segurança. Para mim, com o tempo contado e com uma viagem longa pela frente, era um pormenor maior.
O responsável na bilheteira foi sensível e acedeu ao pedido depois de um pequeno interrogatório sobre quem era, por que clube torcia e por que razão ali estava. Uma vez mais, senti a surpresa (que não devia existir) por haver interessados em ver um jogo que não torcem por qualquer uma das duas equipas. A maior desilusão na bilheteira foi, ainda assim, outra: quando me disseram que a loja do clube só está aberta durante a semana e que naquele momento não seria possível comprar uma camisola.
A par dos 18 estádios, tentei também completar a coleção com camisolas das 18 equipas da Liga Portuguesa. A maioria já tinha antes do início da época mas faltavam-me quatro. Em Arouca comprei antes de o jogo começar, na Amadora a loja já só tinha uma única camisola de um equipamento alternativo e de um tamanho que me obrigaria a comer alguém como eu para me servir e tanto em Moreira de Cónegos como mais tarde em Portimão, as lojas estão fechadas ao fim de semana.
É algo que, confesso, tenho muita dificuldade em aceitar. Compreendo que há uma logística associada e que os trabalhadores têm direito a folgar aos fins de semana, mas não consigo conceber o desperdício de oportunidade de ter uma loja aberta no dia em que há mais movimento e potenciais compradores. A verdade é esta: hoje, continuo sem ter camisolas de Estrela da Amadora, Moreirense e Portimonense. Se tivessem estado disponíveis, tinha comprado. Acredito que estou longe de ser a única pessoa nesta situação em qualquer um dos clubes/estádios.
Do jogo, ficaram dois momentos impactantes. O primeiro está relacionado com um cântico que surpreendeu, não tanto pela originalidade, mas sim pelo timing em que foi proferido e por imaginar como seria se acontecesse num estádio maior, com mais pessoas. Quando o Moreirense começou a reagir ao golo inaugural do Sp. Braga e acabou por concretizar a reviravolta, a bancada juntou-se num «Para cima deles, la-la-la-la-la, para cima deles!». A esta distância, já só tenho mesmo pena de saber a letra do cântico mas não me conseguir recordar exatamente do ritmo.
A verdade é que foi um momento tão contagiante que ali, naqueles instantes, até eu já me sentia capaz de entrar em campo e… ir também para cima deles. Mesmo que estes «eles» depois fossem capaz de sair debaixo e chegar à vitória. Foi o que o Sp. Braga fez. Depois de estar a perder por 2-1 durante grande parte do segundo tempo, alcançou o empate já numa altura em que Paulo Oliveira era avançado improvisado e chegou ao triunfo por Al Musrati… nos descontos. Por um lado, a equipa da casa voltava a perder, por outro, era o sexto jogo (em 13) decidido no tempo de compensação. Sim, pelo menos para mim, na minha aventura, o futebol português continuava a ser espetacular.
A última viagem ao Minho
A Associação de Futebol de Braga domina o panorama futebolístico na Liga Portuguesa com seis equipas. A cada jornada que passa, há sempre três que jogam em casa. A proximidade geográfica faz com que este seja um cenário de sonho para quem gosta de ver futebol. Por outro lado, para quem vive a centenas de quilómetros, a logística é mais complicada.
Depois de Guimarães na segunda jornada, Moreira de Cónegos na terceira, Vizela, Famalicão e Braga na quarta, faltava apenas a visita ao Estádio Municipal de Barcelos, onde já tinha estado apenas uma vez, em 2015.
Oito anos depois, a experiência foi muito mais rica, a começar pelo regresso das vitórias da equipa da casa. Contra um Estoril que foi a maior vítima dos jogos que vi, a equipa de Barcelos teve uma primeira parte demolidora e terminou o jogo com um triunfo por 5-3, que continua a ser o encontro com mais golos no campeonato.
Mas este foi mais um exemplo de que o futebol acaba por ser muito mais do que o que se passa dentro de campo. Muito antes de sair para Barcelos, já tinha um almoço marcado com dois adeptos do Gil Vicente (um mais do que o outro) que me conheciam das redes sociais e da minha epopeia.
Durante quase duas horas, explorei experiências, recordações, memórias e ligação da cidade ao clube, sem esquecer o peso do Óquei de Barcelos. Sim, o 5-3 ajudou, mas não é essa a memória que fica.
O futebol é interessante sem dúvida, mas são as pessoas com quem o vivemos que deixam marca. Seja em Barcelos, Faro, Luz, Alvalade ou Dragão, recordo-me mais dos comentários, dos cânticos, dos insultos, das boas companhias do que necessariamente dos grandes golos, erros de arbitragem ou lances de encher o olho. Não concordo com a visão, claramente exagerada, de que o futebol é o mais importante do mundo, mas não tenho dúvidas de que é muito mais do que apenas futebol.
Hoje, no dia em que escrevo estas linhas, vive-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Estamos em 2023 e a pandemia trouxe uma atenção muito maior para a sua importância mas durante décadas, o futebol em particular e o desporto no geral serviram de escape e terapia a tristezas, desilusões e frustrações.
O futebol não cura mas ajuda a lidar. O desporto não resolve mas ajuda a descarregar. Quando não havia mais nada e, sobretudo no homem, havia um tabu muito grande sobre problemas relacionados com a saúde mental, era o desporto ao vivo que assumia uma maior importância. Ainda hoje, em qualquer estádio, percebe-se que um insulto não é apenas um insulto, um grito não é apenas um grito, o dizer mal não é apenas dizer mal. Há pessoas que estão a viver a sua sessão quinzenal de psicoterapia onde sentem a liberdade de descarregar o que acumularam durante duas semanas. Não saem de lá curadas, nem sequer saem de lá necessariamente melhor, mas há um alívio associado. Um alívio que, na grande maioria, ainda não foram capazes de encontrar em locais mais adequados.
As últimas viagens antes dos sprints finais
As grandes aventuras não podem ser fáceis. Se fossem, não eram aventuras. Por isso, e já depois do desafio de ver o jogo de Braga, chegou o momento em que senti que não seria capaz de terminar o desafio com sucesso em tempo útil.
Mesmo que o nascimento não se antecipasse, sabia que tinha um prazo de validade na oitava jornada, numa altura em que o objetivo passava já por afastar-me o mínimo possível de casa e antes da pausa para seleções e Taça de Portugal. Com todos estes ingredientes, o caminho incluía um Casa Pia-Vitória em Rio Maior e um Portimonense-Benfica na jornada 6, um Benfica-FC Porto na jornada 7 e um Estoril-Benfica na jornada 8.
Dos quatro encontros, só um seria de acesso fácil. Qualquer um dos outros três tinha uma enorme margem para estragar a aventura em cima da meta. Confesso que cheguei mesmo a sentir que ia ficar pelo caminho. O Estoril-Benfica seria o mais fácil de desbloquear, até porque já tinha pensado pôr em marcha fazer-me sócio do clube que me viu crescer. Por outro lado, os outros dois jogos do Benfica seriam muito mais complicados.
No espaço de uma hora, após mais um desabafo nas redes sociais, as duas portas abriram-se. Para Portimão, valeu um contacto antigo do jornalismo, com quem trabalhei vários anos, que desbloqueou um contacto com um sócio do clube e membro da direção (do clube, não da SAD) que foi altamente disponível e compreensivo para o desafio e que acabou por ceder o seu bilhete. Para a Luz, surgiu mais um convite via Twitter de alguém com um lugar anual a mais e que acabou por ser a janela perfeita para a experiência.
Estes quatro jogos foram muito diferentes dos primeiros 14. Havia já uma clara sensação de sprint final e as tendências que tinha notado estavam cada vez mais esbatidos. O jogo de Rio Maior valeu pela companhia, grávida, e pelo jantar nas salinas depois de um 0-0 insosso naquele que foi o único nulo que vi e, claramente, o jogo com menos emoção.
Estes quatro jogos tiveram apenas cinco golos. No Estoril, na despedida, voltei a ter um jogo decidido nos descontos – porque era mesmo o final perfeito para terminar uma aventura que tinha começado com o golo tardio de Paulinho em Alvalade -, enquanto em Portimão, num estádio onde se nota perfeitamente que há um choque grande entre a SAD e a cidade e os adeptos, a emoção manteve-se até ao final num jogo em que os encarnados pareceram sempre muito mais por cima mas que estiveram à beira do descalabro.
Pelo meio, houve o Benfica-FC Porto. O jogo com mais adeptos no estádio, com 90 minutos, mais descontos, sempre em pé e, obviamente, com experiências que, à semelhança de «O Mundo Sabe Que» e da visão dos Municipais de Braga e de Arouca, devem entrar no top que se sugere a um estrangeiro adepto de futebol que caia nas nossas fronteiras.
Mais do que o ambiente durante o jogo, são as tradições de início que têm maior propensão para encantar o adepto ocasional ou uma criança a somar as primeiras memórias. A descida da águia e o hino em coro são dois momentos que valem o bilhete, sobretudo num jogo com o estádio a abarrotar.
No final, também a euforia coletiva em torno do estádio com o cântico «E o Benfica ganhou!» entra-nos no ouvido e ameaça persistir durante as horas seguintes e nas memórias futuras quando recordamos uma das etapas finais desta aventura.
Balanço final
Foram 18 estádios e 18 jogos em oito jornadas, num total de nove fins-de-semana. Foram 5829 quilómetros bem preenchidos, com 58 golos que tornaram os bilhetes (já por si baratos na sua maioria) praticamente dados. Foram dez vitórias consecutivas da equipa da casa, num total de 12. O Moreirense foi a primeira equipa a conseguir vencer fora mas acabou «castigado» logo na semana seguinte com uma derrota em casa.
Das 18 equipas, só não vi ganhar Chaves, Estoril, Portimonense e Casa Pia. E se as últimas duas só vi mesmo uma vez, o mesmo não se pode dizer dos flavienses (três jogos, três derrotas com nove golos sofridos) e dos canarinhos (quatro jogos, quatro derrotas, três delas nos descontos e um total de 12 golos sofridos).
O Estoril foi uma das equipas mais vistas, com quatro jogos, sempre com derrotas. Também estive em quatro jogos do Benfica, enquanto Farense, Chaves e Gil Vicente tiveram três jogos comigo no estádio. Estive nas únicas derrotas de Benfica e FC Porto e no único jogo que o Sporting não venceu. Durante estas semanas, conheci pessoas, ouvi comentários sobre locais, senti o ambiente que se vive em cada estádio, em cada cidade, em cada clube. Percebi quem são os ódios de estimação, os problemas que precisam de ser resolvidos, o que está bem e o que é preciso mudar.
Percebi que o futebol em Portugal está longe de ser apenas o que vemos na televisão. Percebi que os bilhetes baratos podem fazer a diferença, que as paixões partilhadas têm muito mais encanto e que todas as pessoas têm histórias para contar que merecem ser ouvidas.
E fiquei com uma enorme aventura para contar. Já tinha estado em 14 destes 18 estádios mas esta foi uma experiência radicalmente diferente e com um impacto muito maior. Redescobri a paixão de estar perto da relva, longe da relva, num topo ou numa central. À chuva, ao sol, com frio, com calor, de dia ou de noite.
Fui apresentado a novos insultos, a cânticos e a sessões de pedagogia como quando, no Estoril, um pai (famoso e com passado de futebol) repreendeu o filho, de 21 anos (!) por ter utilizado a expressão «vai para a puta que te pariu» para um dos jogadores em campo. Achei interessante, embora talvez tardio para ser necessário.
Sei que nas próximas semanas estarei muito mais tempo em casa. Sei que vou voltar a ver muito mais jogos pela televisão. Talvez não regresse tão cedo à maior parte destes estádios, mas não por ter somado más experiências (na verdade, não houve uma única má experiência). Faz-nos falta, a todos, ter mais cultura de estádio que não implique apenas ver os jogos da nossa equipa no seu estádio ou nas deslocações quinzenais.
Compreendemos melhor os clubes quando os vemos em casa, perante os seus adeptos, em jogos com menos protagonismo. É futebol, sim, mas será sempre mais uma experiência social. Contem comigo para isso.