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É Desporto

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13 de Fevereiro, 2022

Erin Jackson. De fora dos Jogos ao título olímpico

Rui Pedro Silva

Erin Jackson

Erin Jackson não devia nada a ninguém. A norte-americana era a maior figura entre as atletas dos Estados Unidos mas teve um percalço e desperdiçou a oportunidade de garantir a presença nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim ao terminar na terceira posição dos trials norte-americanos.

A afro-americana de 29 anos era a líder do ranking mundial e seria a maior ameaça dos Estados Unidos ao triunfo em Pequim mas por causa de um azar ia ficar de fora. Acontece. Faz parte do sistema de qualificação de um país que tem mais candidatos a medalhas na natação, atletismo, ginástica e praticamente todas as grandes modalidades de renome do que qualquer outro país que surja no topo do medalheiro ano após ano.

Erin Jackson já tinha tirado a cabeça de Pequim mas a sua heroína, Brittany Bowe, não ia pactuar com aquilo que considerou ser uma injustiça. Por isso ligou a Erin e anunciou que, apesar de ter vencido a prova de qualificação, decidira abdicar da vaga.

«Só a iniciativa que teve para fazer isto por mim é fantástico. Estou incrivelmente grata. Ela é uma pessoa fantástica, faz-me sentir pequena», confessou Erin Jackson.

Brittany Bowe teve uma boa intenção mas o futuro acabou por tirar algum do brilho à decisão. Os lugares de apuramento foram recalculados pela federação internacional e os Estados Unidos tiveram direito a uma terceira vaga, por isso Bowe foi mesmo até Pequim para lutar pela medalha de ouro.

Não conseguiu. Bowe terminou na 16.ª posição e até terminou à frente da sua compatriota Kimi Goetz, mas perdeu exatamente um segundo para a nova campeã olímpica: Erin Jackson, precisamente.

Erin Jackson começou a competir em 2017 e tinha o sonho de fazer a diferença nos Jogos Olímpicos, não apenas por ela mas por toda a comunidade afro-americana. «Já me apercebi da forma como as pessoas olham para quem é parecido consigo, sobretudo ao nível do que consideram que acabarão por ser capazes de fazer. Por isso, quando olham para os Jogos Olímpicos ou para a patinagem, é provável que não vejam nenhuma minoria representada».

«Estou determinada em ser uma das pessoas que as futuras gerações possam olhar para se sentirem representadas e perceberem que também poderão chegar lá», afirmou.

10 de Fevereiro, 2022

Johannes Strolz. Filho de peixe sabe esquiar

Rui Pedro Silva

Johannes Strolz

Os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim-2022 têm sido um viveiro de heranças familiares. Filhos de antigas campeãs olímpicas que sobem ao pódio, como Ryan Cochran-Siegle, irmãos que vencem medalhas separados por quatro dias no cross-country, como os finlandeses Niskanen, e, agora, um filho que imita o pai… 34 anos depois.

O caso é único. A genética familiar é uma constante mas neste episódio em particular estamos a falar de um filho que conseguiu vencer precisamente a mesma prova do pai. Há filhos e mães, filhas e pais, tios, irmãos, mas nunca tinha havido até agora uma combinação de filho e pai.

Vamos então à história e comecemos no Canadá, nos Jogos Olímpicos de Calgary em 1988. A prova é o combinado alpino, que consiste na soma dos tempos registados numa descida de downhill e numa de slalom.

Hubert Strolz representa a Áustria e consegue garantir a medalha de ouro ao ser mais rápido do que o compatriota Bernhard Gstrein e o seu vizinho suíço Paul Accola. Vencedor também da medalha de prata no slalom gigante no Canadá, Hubert não voltou a brilhar ao mais alto nível – nem tinha até então.

Estamos a falar de 1988, quatro anos antes do nascimento de Johannes. Talvez por isso mesmo o filho nunca se tenha apercebido verdadeiramente do feito do pai até muito tarde. «Curiosamente, só há relativamente pouco tempo é que percebi os grandes feitos que ele conseguiu alcançar e o que significou na altura», confessou em 2019.

Johannes também tem uma carreira modesta. Sem participações anteriores em Jogos Olímpicos e sem medalhas em grandes provas para exibir, o maior destaque foi mesmo ter vencido uma etapa da Taça do Mundo no slalom durante esta temporada.

O Strolz-filho nem sequer pensava numa participação olímpica até há poucos meses e a vitória em Pequim não deixou de ser uma grande surpresa. «É verdadeiramente um enorme momento para mim e estou muito agradecido por ter conseguido viver finalmente o meu sonho e agarrar esta medalha de ouro tal como o meu pai conseguiu em 1988», afirmou.

«Sim, é um sonho realizado. A medalha de ouro significa muito para mim», acrescentou o atleta que explicou que teve todos os astros a conjugarem-se para chegar ao ouro, inclusive a utilização dos esquis de Matthias Mayer, austríaco que já conquistou duas medalhas na China (ouro no Super G e bronze no downhill).

Dizem que um relâmpago nunca cai duas vezes no mesmo sítio mas a família Strolz acabou de aprender que não é bem assim. O brilho do ouro voltou 34 anos depois para iluminar uma carreira que estava a passar despercebida até agora. Será que voltará a acontecer?

10 de Fevereiro, 2022

Alemanha. O Sunshine Training Group domina o luge

Rui Pedro Silva

Alemanha venceu tudo o que havia para ganhar

Vamos fazer um jogo rápido. Para cada país referido, vamos pensar imediatamente numa modalidade olímpica associada para perceber de que forma é que construímos o nosso raciocínio.

Quénia, Jamaica, Kosovo, Itália, Países Baixos, Austrália e Hungria.

Este exercício não tem respostas erradas mas é muito provável que as respostas tenham sido atletismo, atletismo, judo, esgrima, patinagem de velocidade, natação e polo aquático. É algo muito natural. Os nichos desportivos surgem com naturalidade com o passar das décadas e há hegemonias difíceis de quebrar.

Se há outros países com capacidade para brilhar de forma transversal às modalidades, tanto de verão como de inverno, faz todo o sentido que surjam estes monopólios localizados. A Alemanha é um país com uma grande implementação mas, ao mesmo tempo, detém um dos maiores domínios da história olímpica.

Falamos de luge, claro está. A primeira modalidade a despedir-se de Pequim teve quatro provas que foram ganhas por atletas alemães. Johannes Ludwig venceu a competição masculina, Natalie Geisenberger a feminina, Tobias Wendl e Tobias Arlt ganharam nas duplas e os quatro em conjunto conquistaram a estafeta por equipas.

Mas não ficou por aqui. Anna Berreiter foi prata na prova feminina e a dupla composta por Toni Eggert e Sascha Benecken terminou na segunda posição atrás dos dois Tobias. Feitas as contas, foram atribuídas 12 medalhas e a Alemanha conquistou metade: quatro ouros e duas pratas.

É certo que poderia ter sido apenas uma grande exibição pontual mas a estatística demonstra precisamente o contrário. Foi apenas mais do mesmo. O luge é uma modalidade olímpica desde 1964 e já atribuiu um total de 52 títulos.

Destes, 22 foram para a Alemanha, 13 para a República Democrática da Alemanha, dois para a Equipa Unificada da Alemanha e um para a República Federal da Alemanha. Fazendo as contas, são 38 de 52, ou seja, 73% de todos os títulos.

Se quisermos ir mais longe, a Alemanha tem mais títulos olímpicos no luge do que qualquer outro país tem medalhas acumuladas, com os outros lugares do pódio a serem ocupados por Itália (18) e Áustria (25).

Se a história demonstra que o tempo tende a derrubar hegemonias à medida que as condições se globalizam e há cada vez mais países a dedicarem-se a determinada modalidade, o luge continua a ser um nicho inviolável para os atletas alemães. E a geração atual é verdadeiramente letal.

A dupla de Tobias tem um total de seis medalhas de ouro (três em duplas, três em estafetas). Natalie Geisenberger esteve no mesmo número de estafetas e também tem três outros individuais. Só Johannes Ludwig surge aqui como um corpo mais estranho, uma vez que conquistou em Pequim o primeiro ouro individual da sua carreira olímpica.

Ludwig é também o único dos quatro que não faz parte de um célebre grupo de treino, conhecido por Sunshine Training Group. Liderado por Norbert Loch, o pai de outro supercampeã, Felix Loch, têm sessões mais competitivas do que os próprios Jogos Olímpicos.

Felix Loch, Tobias Wendl, Tobias Arlt e Natalie Geisenberger cresceram juntos e motivaram-se mutuamente a eternizar a glória alemã do luge. E os resultados continuam a aparecer. «Talvez seja da cerveja da Baviera. Faz parte do nosso espírito», brincou Tobias Arlt.

Se quisermos ir mais longe, o Sunshine Training Group vale mais do que qualquer outro país na história do luge. Com os três títulos individuais de Natalie Geisenberger, os três de duplas de Tobias Wendl e Tobias Arlt e os dois individuais de Felix Loch, o pequeno grupo de quatro pessoas tem oito medalhas de ouro para fazer inveja (e aqui ignorando as três medalhas de ouro que parte ou todos eles conquistaram em estafetas por equipas).

Ora, a tabela olímpica não deixa mentir mais uma vez. A seguir à Alemanha e às suas demais variantes, o país com mais títulos olímpicos no luge é a Itália com sete. Nem vai a jogo. É especial, sim, é um espírito único, mas não pode ser (só) da cerveja.

10 de Fevereiro, 2022

Nicole Silveira. Uma brasileira na história do skeleton

Rui Pedro Silva

 

Nicole Silveira

Miriam Blasco sagrou-se campeã olímpica nos Jogos de Barcelona em 1992. A espanhola atingiu a final do judo na categoria de 57 quilos e bateu a concorrência de Nicola Fairbrother. A adversária britânica não teve argumentos para evitar a derrota e levou demasiado a peito o ditado «se não a podes vencer, junta-te a ela».

Foi precisamente isso que aconteceu, 23 anos depois. Miriam Blasco e Nicola Fairbrother estão casadas desde 2015. Se em 1992, Miriam competia em homenagem ao treinador, que tinha morrido pouco antes do evento num acidente, e tinha o marido a aplaudir nas bancadas, os anos seguintes marcaram uma revolução na vida da judoca.

E qual é a relevância deste detalhe para falar de Nicole Silveira? A brasileira vai marcar a estreia do país no skeleton esta madrugada e uma das adversárias que terá na pista será precisamente a sua namorada, a belga Kim Meylemans.

Se a residência Blasco-Fairbrother tem hoje a medalha de ouro e a medalha de prata da mesma prova de uma competição dos Jogos Olímpicos, esta dupla belgo-brasileira entrará em pista com o mesmo objetivo em mente, por muito que pareça impossível.

As sessões de preparação demonstraram que tanto Nicole como Kim estão longe das principais candidatas mas nem por isso deixará de ser insólito – talvez mesmo inédito – ter duas mulheres, de países diferentes, namoradas, a competir por um título na mesma prova de uma edição de Jogos Olímpicos, sejam de verão ou de inverno.

As duas estão a ter a sua dose de protagonismo em Pequim-2022. Kim Meylemans chamou os holofotes para si em vésperas da cerimónia de abertura por ter partilhado um vídeo em pânico perante o comportamento da organização. A belga tinha acusado positivo a Covid-19 e estava a cumprir vários dias de isolamento sem grande informação por parte dos chineses.

Se Kim Meylemans esteve infetada em janeiro e continuava a apresentar um teste positivo, Nicole Silveira sabe perfeitamente como lidar com isso. Afinal, a brasileira vive no Canadá desde criança, licenciou-se em Enfermaria e esteve durante o verão de 2020 a combater a pandemia na linha da frente.

O Brasil tem pouca ou nenhuma tradição nos Jogos Olímpicos de Inverno e surge na China com dez atletas, seis homens e quatro mulheres, divididos por esqui alpino, bobsleigh, esqui cross-country, esqui estilo livre e skeleton.

Dentro da escassa tradição, o skeleton surge em destaque por ser a primeira vez que o Brasil surge representado. A estreia não será patrocinada por um sonho de longa data de Nicole, mas mais por uma oportunidade que surgiu e decidiu agarrar.

Nicole já dançou, fez ginástica, jogou râguebi e voleibol. Decidiu ir para o futebol, fez culturismo e só em 2017 começou a olhar para os desportos de inverno. A primeira ambição foi garantir a qualificação com o Brasil numa equipa de bobsleigh e só depois de falhado o apuramento para PyeongChang-2018 é que o presidente dos desportos de inverno do Brasil desafiou Nicole a fazer história no skeleton.

A brasileira foi incapaz de virar a cara à luta e apaixonou-se pela modalidade. «Gosto de estar em controlo e no bobsleigh era apenas um elemento de uma equipa e estava responsável por travar. Queria continuar mas na minha mente já germinava a ideia de fazer a transição para o skeleton», confessou.

Competir numa modalidade em que rasga o ar a uma velocidade digna de multa numa autoestrada portuguesa não podia ser algo mais desfasado da personalidade de Nicole. «Nunca gostei muito de adrenalina mas, por alguma razão, adoro a sensação que este desporto me dá. Também nunca gostei do frio e vim aqui parar», afirmou.

Se para 2026 Nicole até ambiciona a um eventual lugar no top-10, para já está mais preocupada em representar bem o papel de pioneira brasileira do skeleton. «É uma grande responsabilidade. Assumi um compromisso para abrir as portas ao meu país neste novo desporto. Só isso já é uma grande pressão, mas este contexto traz valor acrescentado à minha vida e torna-me mais forte, resiliente e ciente das adversidades que vão acabar por aparecer», acrescentou

Nicole treinou, garantiu a qualificação e está pronta para competir. Mesmo que não alcance um resultado satisfatório, sabe que a vida continuará a seguir. E terá o apoio de Kim Meylemans in loco. Literalmente ali ao lado quando a prova terminar.

09 de Fevereiro, 2022

Não há Jogos Olímpicos sem política

Rui Pedro Silva

Pequim está a organizar os Jogos Olímpicos de Inverno

A frase mais emblemática de sempre associada a Marcelo Rebelo de Sousa pertence a Ricardo Araújo Pereira. «É proibido. Mas pode-se fazer», repetia, quase à exaustão, no sketch dos Gato Fedorento que ironizava com a posição do então comentador da RTP no programa «As Escolhas de Marcelo» com Maria Flor Pedroso.

O paradoxo era a punchline natural do sketch. Se alargamos o escopo aos Jogos Olímpicos, talvez haja uma frase que incorpore a mesma teoria. Não se deve misturar política com desporto. Há décadas que se ouve este tipo de frases e, sendo certo que acontecem com muito mais frequência em organismos como a UEFA e a FIFA, nunca foi verdadeiramente respeitada.

É possível ir ainda mais longe: não pode haver Jogos Olímpicos sem política. Mesmo que esse não tivesse sido o objetivo primário do barão Pierre de Coubertin, acontece praticamente desde o início. O francês também não queria profissionais a competir e hoje é o que é. O evento adaptou-se à realidade e a competição é hoje muito maior do que foi sonhada ainda no século XIX.

Um livro escrito sobre os Jogos Olímpicos em 2022 terá na política os seus capítulos mais sumarentos e interessantes. Feitos desportivos como os de Mark Spitz, Michael Phelps ou Usain Bolt são puros e inspiraram milhões um pouco por todo o mundo, mas foi a política que catapultou a importância dos Jogos Olímpicos.

O evento desportivo tem servido, de alguma forma, como um narrador participante da história mundial. Os Jogos de Hitler em 1936, o protesto no pódio de Tommie Smith e John Carlos, o ataque terrorista do Setembro Negro em Munique, ou os boicotes consecutivos aos Jogos de Moscovo em 1980 e de Los Angeles em 1984 são apenas alguns dos exemplos a partir dos quais podemos fazer evoluir a geopolítica mundial de década a década.

Se a criação de competições europeias de futebol durante a década de 50 foi vista como uma forma de aligeirar a tensão entre vizinhos e arranjar uma forma de haver um conflito mais saudável, os Jogos Olímpicos sempre foram o terreno mais fértil para essa declaração de intenções.

O duelo entre ocidente e oriente foi eterno. EUA e União Soviética não se limitaram a fazer uma corrida à bomba atómica e à lua. A supremacia ideológica através do desporto tornou-se uma obsessão por líderes políticos, sobretudo os autoritários, um pouco por todo o mundo.

O leste europeu, marcado pelo bloco comunista, fez mesmo dos Jogos Olímpicos a sua maior arma. A República Democrática da Alemanha teve sempre mais sucesso do que a vizinha federal. Países como Bulgária, Hungria e Roménia seguiram o exemplo da União Soviética e continuam a ser hoje, mais de 30 anos depois da queda do bloco soviético, dos países com maior tradição e títulos olímpicos.

Mesmo dentro do bloco de leste, houve duelos que marcaram os Jogos, sobretudo durante a década de 50, fosse no confronto sangrento entre a União Soviética e a Hungria no polo aquático ou no duelo entre Tito e Estaline com as seleções de futebol da Jugoslávia e da União Soviética a servirem como marionetas dos maiores interesses da nação.

É legítimo dizer que os Jogos Olímpicos aliviaram tensões, validaram reivindicações e diminuíram a probabilidade de os conflitos saírem do campo de jogo e entrarem no campo da batalha. Os Jogos Olímpicos sempre foram política, portanto. E a política sempre precisou dos Jogos Olímpicos. Os dois não conseguem viver um sem o outro e agora, em Pequim-2022, estamos no centro de mais um tufão que pode atingir proporções épicas.

Há três pequenas tempestades, controladas até ao momento, que podem contribuir para a perda de controlo rapidamente. O anfitrião foi alvo de inúmeros boicotes diplomáticos e a forma como tem lidado com o controlo dos casos positivos de coronavírus está a ser alvo de inúmeras queixas por parte dos atletas.

Mas há mais, muito mais. EUA e China estão em campos opostos e Eileen Gu foi arrastada para o epicentro do conflito devido à sua opção de representar o país asiático em vez de defender o país onde viveu e cresceu. A diferença é que há muitas formas de fazer política e, mais do que partir para o desafio direto, a jovem preferiu uma solução mais diplomata, sem hostilizar qualquer uma das nações e salientando a importância de servir de inspiração para uma enorme comunidade.

Por último, o doping. Numa fase em que EUA, Ucrânia e Rússia se encontram num triângulo amoroso onde praticamente não há amor, o país de Putin, obrigado a competir enquanto Comité Olímpico Russo, está novamente no epicentro da confusão.

O caos está lançado na patinagem artística devido à nova sensação feminina lançada por Eteri Tutberidze. Kamila Valieva tem 15 anos e é, de acordo com alguma imprensa especializada, a atleta que acusou positivo a uma substância proibida antes de Pequim. O episódio está apenas no início mas não há forma de fugir à extrema cautela com que a situação está a ser abordada.

Por Valieva ser menor. Por haver um regulamento muito próprio para casos deste género. E porque os casos que incluem atletas russos têm de ser resolvidos com atenção redobrada depois de quase uma década em que o país tem sido impedido de participar ou condicionado na participação.

É política. Não há como fugir. Nem mesmo no maior evento desportivo do mundo.

09 de Fevereiro, 2022

Lindsey Jacobellis. A moral da história é melhor com recompensa

Rui Pedro Silva

Lindsey Jacobellis

É possível que nunca tenham ouvido falar em Lindsey Jacobellis até hoje. Norte-americana, brilha no snowboard há quase duas décadas e, apesar de ser uma das figuras mais dominadoras da modalidade, viveu na sombra de um erro que cometeu nos Jogos Olímpicos em Turim, em 2006.

A história completa está disponível no É Desporto mas, resumindo em poucas frases, era uma jovem irreverente quando quis dar espetáculo numa última manobra quando a medalha de ouro estava já ali à frente. Lindsey perdeu o primeiro lugar, teve de se contentar com a prata e, a partir daí, o karma encarregou-se de exponenciar a dimensão do fracasso de quatro em quatro anos.

Lindsey Jacobellis foi desqualificada em 2010, sofreu uma queda em 2014 e em 2018 não foi além do oitavo lugar. Agora, com 36 anos, é uma mulher feita. É das mais velhas em competição. Poucos acreditariam que poderia chegar a esta fase da carreira a lutar pelas mesmas vitórias, mas a perseverança foi recompensada e conquistou finalmente uma medalha de ouro.

A lição já tinha sido aprendida. Até já era utilizada como exemplo a todos os jovens que aparecem ano após ano com o rei na barriga e tendem a ter atitudes irrefletidas sem perceber a real importância de cada ação.

Não se querem atletas autómatos, sobretudo em modalidades mais viradas para o espetáculo como o snowboard, mas Lindsey Jacobellis pode explicar melhor do que ninguém como uma desatenção – se quisermos ser simpáticos – aos 20 anos se pode tornar num erro que será revivido para sempre.

Felizmente para Lindsey, e até para todas as gerações de atletas que vêm a seguir, houve um final feliz. Sim, é importante demonstrar que cada ação tem uma consequência e há momentos para tudo. Para a norte-americana, em 2006, o momento era para manter a concentração, cruzar a meta e só depois agir como campeã olímpica.

Mais importante ainda é conseguir mostrar que a redenção é possível e que as segundas oportunidades existem. Se estivéssemos a falar de um sistema prisional, estaríamos aqui a salientar a importância de permitir a reinserção na sociedade a quem cometeu um erro no passado.

Lindsey Jacobellis cometeu esse crime. Pagou por ele. Continuou a lutar. E, no momento em que voltou a estar na mesma situação, demonstrou que tinha aprendido, levou a vantagem com a seriedade que merecia, e pôde saborear finalmente o ouro.

Não desistiu, nunca desistiu. Foi uma piada em 2006 e o mundo continuou a atirar-lhe desafios nas edições seguintes. Teria sido demasiado simples mudar o rumo da carreira, esquecer os Jogos Olímpicos, sentir que as vitórias em todas as outras competições, seriam mais do que suficientes. Mas Lindsey Jacobellis decidiu partilhar este momento com o mundo do desporto. Com a vida em si.

A medalha de ouro foi para Lindsey Jacobellis, é verdade, mas representa muito mais do que isso. Foi uma vitória para os exemplos. Para as lições da realidade. Para mostrar que vale a pena continuar a lutar por algo que se perdeu no passado. Foi o triunfo da redenção. E aconteceu no maior palco, nos Jogos Olímpicos. É impossível não sorrir perante um momento destes.

09 de Fevereiro, 2022

Mikaela Shiffrin. O peso do mundo sobre os esquis

Rui Pedro Silva

Mikaela Shiffrin

Mikaela Shiffrin é um dos nomes mais conceituados entre a comitiva dos Estados Unidos e viajou para Pequim como uma das maiores candidatas à medalha de ouro nas provas de slalom gigante e de slalom nos Jogos Olímpicos de Inverno, provas que já conquistou no passado.

Leram este primeiro parágrafo? Mais do que transmitir uma informação, o objetivo foi fazer um exercício confirmado. Dependerá da velocidade e entoação de leitura de cada um, mas pelas nossas contas poderá demorar cerca de 16 segundos a ser lido. Vamos repetir?

Mikaela Shiffrin é um dos nomes mais conceituados entre a comitiva dos Estados Unidos e viajou para Pequim como uma das maiores candidatas à medalha de ouro nas provas de slalom gigante e de slalom nos Jogos Olímpicos de Inverno, provas que já conquistou no passado.

Agora paremos um pouco para pensar. Mikaela Shiffrin já competiu nestas duas provas mas só esteve em ação precisamente o tempo que se demora a ler este parágrafo. Foram 16 segundos, 11 numa manga e cinco noutra. Em ambas, cometeu um erro numa das primeiras portas e viu o sonho escapar por entre os dedos.

Na última madrugada, depois de mais um erro com o mundo inteiro a ver, Mikaela Shiffrin sentiu o mundo a desabar nos seus ombros. Encostou-se a uma margem da pista, sentou-se, inclinou-se sobre os joelhos e ficou ali, imóvel, a pensar no que tinha acabado de acontecer.

A razão maior é muito simples: os deslizes acontecem. E acontecem às grandes estrelas, às grandes figuras, aos maiores candidatos, mesmo quando nos tentamos convencer de que são imunes à pressão e não pertencem verdadeiramente a este mundo.

Mikaela Shiffrin tornou-se apenas mais um nome agitado pelas circunstâncias da vida. Com Naomi Osaka e Simone Biles, mesmo que por razões diferentes, já mostrou que os atletas têm falhas nos seus pilares e por vezes pode haver uma rajada que ponha tudo em jogo.

Os norte-americanos não estão habituados a isso. São uma enorme fábrica de talento numa realidade em que quem falha é rapidamente substituído por alguém mais novo, mais forte, mais dedicado e com vontade de chegar ao topo do mundo. Nesta realidade de fast-food desportivo, o bem-estar dos atletas é relegado para segundo plano, mas é impossível escapar a este fisco. Mais tarde ou mais cedo, a fatura aparece e é preciso pagar.

Mikaela Shiffrin tem dois títulos olímpicos, seis mundiais e um sem número de triunfos em provas da Taça do Mundo. Mais do que ganhar com frequência, demonstra também uma propensão para evitar o erro. Quando não ganha, é porque não foi a mais rápida, não é, como aconteceu em Pequim, por não conseguir terminar as suas mangas.

Se o primeiro erro foi recebido como um choque, o segundo ganhou dimensão de escândalo. Shiffrin demorou a assimilar e admitiu em conversa com os jornalistas que estava a começar a pôr tudo em causa. Perdeu a confiança, perdeu a segurança de quem vive sobre esquis há décadas, perdeu o bem-estar.

E também perdeu o pai, há dois anos. E é aqui que tudo ganha uma dimensão diferente. Por mais que gostemos de olhar para o desporto dessa forma, a realidade é mais do que um espetáculo criado para nos entreter. Dependerá sempre das personalidades, mas um verdadeiro campeão não se torna campeão para agradar a multidões. Tem um sonho, persegue-o, dedica horas infindáveis e acumula sacrifícios mas não o faz para atuar perante milhões.

É um ser humano que tem o seu trabalho transmitido para todos os cantos do mundo. A exigência aumenta e quando o espetador se senta para ver a prova, raramente pensa em coisas tão simples como: Será que o atleta passou bem a noite? Será que comeu algo estragado? Será que aquela dor da prova anterior está a deixar mossa? E a vida pessoal, como está? Nós, neste nós majestático, só nos importamos com o desempenho em campo. Se Shiffrin, ou outro qualquer atleta, é capaz de x, não aceitamos nada menos do que isso e até reservamos um desejo especial de podermos ser surpreendidos com algo mais.

É como se fosse um jogo de computador. Um Football Manager da vida real em que se um atleta tem 17 em capacidade para grandes eventos, será chocante se o desempenho for negativo. Por outras palavras, estamos cada vez mais escravos de um algoritmo.

Mikaela Shiffrin acumulou erros porque não está bem. Pode simplesmente ter alcançado o ocaso da carreira, pode não se ter adaptado a Pequim, pode ter ido abaixo mentalmente depois de um primeiro erro invulgar. Pode ter acontecido imensa coisa. Seja quais forem as razões, Shiffrin sentiu a pressão do mundo sobre os esquis e agora terá de se resolver.

A solução passará por encontrar o que é melhor para ela. O ruído exterior tem de ser abafado, não só por ela mas também por quem defende os seus interesses. Numa era em que qualquer um de nós consegue encontrar um canal direto de comunicação com as grandes estrelas, torna-se cada vez mais essencial respeitar e perceber as dinâmicas para que todo este sistema não se torne perverso.

Foi não só por isto mas também que se perdeu Simone Biles. Foi não só por isto mas também que se perdeu Naomi Osaka. É não só por isto mas também que precisamos de ter um cuidado redobrado na forma como as estrelas são tratadas. As grandes parangonas de choque, escândalo, desilusão vendem no dia mas são substituídas rapidamente por editores ávidos pela nova atualidade sumarenta. Para os atletas, as marcas não saram tão rápido. Mesmo que sarem, a cicatriz ficará para sempre.

O mundo do desporto mudou. Os atletas são cada vez mais escrutinados e sujeitos a pressões que podem rapidamente atingir proporções insanáveis. Do lado de cá, temos a obrigação de perceber isso e agir de acordo. Não podemos ser negacionistas das alterações da dinâmica desportiva. Um dia poderá ser demasiado tarde.

08 de Fevereiro, 2022

Eileen Gu. A diplomacia de uma agente dupla

Rui Pedro Silva

Eileen Gu

Ser ou não ser deixou de ser a questão. William Shakespeare faz parte do passado e a dúvida em pleno século XXI, durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, centra-se agora no ser que se é.

A biografia da nova campeã de big air no site dos Jogos Olímpicos lança mais achas para a fogueira. Nome? Ailing Eileen Gu. Mas não é bem assim. Gu, apelido de família, cose-se por linhas demasiado ténues com direito a confusão.

Nasceu na Califórnia, tem mãe chinesa e só decidiu representar a China em 2019. «Foi uma decisão muito difíceis de tomar. Tenho orgulho da minha herança e também dos valores americanos enquanto crescia», começou por escrever num post no Instagram.

Gu foi mais longe para justificar a sua opção que deixou muitos americanos à beira de um ataque de nervos: «A oportunidade de ajudar a inspirar milhões de jovens no país de onde a minha mãe é durante os Jogos Olímpicos de Pequim é uma oportunidade única para promover o desporto que amo».

«Através do esqui, espero unir pessoas, promover a compreensão mútua, criar vias de comunicação e estabelecer amizade entre as duas nações. Se conseguir ajudar uma jovem a derrubar um muro, os meus desejos serão concretizados», acrescentou.

A discussão sobre a nacionalidade de Gu não tem solução e é alimentada pela própria. Nos Estados Unidos é Eileen Gu, na China é Gu Ailing. «Quando estou nos Estados Unidos sou norte-americana; quando estou na China, sou chinesa».

Esta solução salomónica, que na verdade agrada a muito pouca gente, foi a encontrada por Gu para tentar ter o melhor dos dois mundos. Na teoria, a ideia de Gu faz sentido. Na prática, tem sido atacada por todos os lados por quem não percebe como foi capaz de virar as costas aos Estados Unidos e abraçar um país que fecha os olhos a alguns dos direitos humanos mais fundamentais (se é que há alguns que sejam mais fundamentais do que outros).

A intenção de Gu é nobre mas a discussão subiu de tom na última madrugada depois de vencer a medalha de ouro. Foi o desfecho perfeito para um país organizador que se valida através de medalhas e fecha cada vez mais os olhos a naturalizações apressadas para garantir supremacia desportiva.

Eileen Gu, como se apresenta nas redes sociais, não sente que tenha de resolver o mal do mundo e está a fazer apenas a sua parte. Está a homenagear a mãe, está a homenagear a avó, está a abrir caminho para que futuras chinesas possam ver no desporto uma forma de afirmação.

Gu não é uma verdadeira agente dupla. Pode até querer agradar a gregos e troianos, mas não esquece a diplomacia. Numa relação marcada cada vez mais por espinhos, Gu continua a ver apenas rosas. Onde cheira a tensão diplomática, Gu sente apenas o aroma do desporto, das medalhas, dos bons exemplos.

Não é suposto que Eileen tenha de mudar o mundo sozinha. Há várias formas de subir uma montanha e a nova campeã olímpica, de apenas vinte anos, tentou descobrir a sua. Arcou com as consequências da sua decisão e tem sido atacada pelas fações trumpianas que nunca deixaram cair a ideia de um vírus criado para derrubar a sociedade, mas esse é um problema que ignora.

Eileen Gu deu um exemplo. Atravessou uma ponte em vez de lançar uma bomba. Explicou o que queria, o que pretendia. Demonstrou que é possível lançar o diálogo. E, sobretudo, chamou a atenção para os milhões de norte-americanos que têm ascendência chinesa. O mundo é do tamanho de uma caixa de fósforos e nem todos os caminhos têm de passar por uma ignição.

08 de Fevereiro, 2022

Kristin Skaslien. O mau feitio voltou ao pódio

Rui Pedro Silva

Kristin Skaslien

A Noruega venceu a medalha de bronze na variante de pares mistos no curling em PyeongChang. A dupla composta pelo casal Magnus Nedregotten e Kristin Skalien perderem o jogo de atribuição do terceiro lugar mas souberam que o russo Alexander Krushelnitskiy, que fazia dupla com Anastasia Bryzaglova, tinha acusado positivo num teste de doping muito pouco tempo depois.

Kristin já tinha regressado à Noruega quando soube que afinal teria um motivo para festejar. «Tivemos de voltar à Coreia do Sul num fim de semana para receber a medalha. Estávamos apenas nós no pódio, sem ninguém no primeiro ou no segundo lugar», lamentou.

A recompensa acabou por ser em si mesmo uma experiência desagradável. «Já tinha voltado ao trabalho há uns três dias quando recebi um e-mail com os bilhetes de avião. Mandei uma mensagem ao meu patrão a dizer que tinha bilhetes de primeira classe para a Coreia do Sul e que voltaria na terça-feira», contou.

Kristin Skaslien viu a sua rotina alterada mas nem desgostou totalmente de ter de atravessar o mundo novamente. «É muito melhor voltar do que receber a medalha por correio uns meses depois, embora tivesse aceitado essa segunda opção», disse.

Se há coisas que se percebem quando se vê Kristin Skaslien em competição é que é uma mulher de ideias fortes e sem filtro. Por mais do que uma vez já foram filmados a discutir após jogadas que não correram como desejavam. Em Pequim, por exemplo, um olhar de Kristin e um «chega para lá» saltaram à vista quando o marido Magnus tentou pôr a mão no seu ombro.

«Sermos casados com o nosso parceiro de competição pode ser uma vantagem e um desafio ao mesmo tempo, mas acho que encontrámos uma forma para as coisas correrem bem. Não é por sermos maus um para o outro. Somos pessoas muito competitivas e o que acontece é uma reação espontânea no momento», explicou.

Uma das alternativas de Magnus e Kristin é dormirem em quartos separados durante a competição. «Precisamos de alguma distância. Eu posso querer jogar Playstation ou fazer alguns Legos. A Kristin prefere outras coisas e, ainda por cima, vai sempre para a cama tão tarde», explicou Nedregotten.

A verdade é que a dupla norueguesa é a mais regular. Depois do terceiro lugar de PyeongChang voltou a figurar no pódio, algo que os canadianos e suíços não conseguiram. Com ou sem discussões, com ou sem olhares letais, com ou sem medalhas retroativas, Nedregotten e Skaslien encontraram uma forma de ter sucesso.

Pode não ser sucesso máximo, mas quantos casais se podem orgulhar de conquistar em conjunto medalhas olímpicas em edições consecutivas? Talvez seja este o segredo para um casamento durad… ouro.

08 de Fevereiro, 2022

Ryan Cochran-Siegle. A verdadeira família olímpica

Rui Pedro Silva

Ryan Cochran-Siegle

Ser olímpico não é para quem quer, é para quem pode. O sucesso no desporto está dependente de doses gigantescas de talento, trabalho e alguma sorte, e quando o assunto é Jogos Olímpicos de Inverno parece que há alguns países que são automaticamente votados para a periferia.

Portugal é um deles. Num país em que a tradição de desportos de neve é escassa ou nula, talvez não ajude o facto de as estradas ficarem cortadas sempre que neva na Serra da Estrela. Ainda há assim, há gente capaz de furar bloqueios e fazer o possível para, de quatro em quatro anos, atingir o sonho olímpico. Mesmo que seja alguém da Covilhã, como Ricardo Brancal, por exemplo, que vai competir no cross country.

Ricardo Brancal é um dos três atletas portugueses em Pequim-2022, juntamente com José Cabeça e Vanina Guerillot de Oliveira. Há quatro anos foram apenas dois: Arthur Hanse e Kequyen Lam. Se olharmos para a história dos Jogos de Inverno encontramos ainda os portugueses Camille Dias, Danny Silva, Mafalda Pereira, Fausto Marreiros, Jorge Mendes, António Reis, João Poupada, Jorge Magalhães, João Pires, Rogério Bernardes e Duarte Espírito Santo Silva.

Feitas as contas, nesta aritmética muito complicada, Portugal já teve 16 atletas olímpicos. É uma equipa de futebol à moda antiga, com onze titulares e cinco suplentes. Os valores não espantam. Não chega a ser a comitiva do táxi mas também não chega para encher uma carruagem de um comboio.

Um táxi também não seria suficiente para albergar os olímpicos da família Cochran. Se há países como o Liechtenstein ou a Geórgia em que a presença olímpica é dominada por uma família, com três ou quatro atletas, há outros, como os Estados Unidos, em que as modalidades estão tão disseminadas que a noção de castas é mais complexa.

Mas, ainda assim, aqui e ali, surgem casos verdadeiramente impressionantes. Em Pequim-2022, o esquiador alpino Ryan Cochran-Siegle venceu a medalha de prata no Super G e deixou a família orgulhosa. Falhou o outro por quatro centésimos mas vestiu na perfeição o fato de sexto elemento dos Cochran a competir em Jogos Olímpicos. Isso mesmo, são seis.

O esqui é uma das atividades preferidas da família e na década de 70 houve espaço para quatro presenças em Jogos Olímpicos. A mãe, Barbara Ann Cochran, é a figura de poder nesta família e conquistou a medalha de ouro no slalom nos Jogos Olímpicos de 1972, em Sapporo.

Nesses mesmos Jogos também competiu a tia Marilyn Cochran (slalom gigante e downhill) e o tio Bob Cochran (slalom gigante e downhill). Quatro anos depois, em Innsbrück, foi a vez de outra tia, Lindy Cochran, competir no slalom. Com mais cinco elementos da família com ligação umbilical ao esqui, a começar pelo avô, que era treinador, foi preciso esperar até 2006, em Turim, para que a família regressasse aos Jogos Olímpicos, na altura com o primo Jimmy Cochran.

«Quando era pequeno, olhava para as fotos e vídeos daquela era da minha mãe e dos meus tios. Achava que eles eram mesmo da velha guarda. Entretanto, a minha prima entrou para a equipa dos Estados Unidos quando eu tinha oito e nove anos, numa altura em que eu e o meu primo Robby começámos a disputar corridas. Acho que foi nessa altura que achei que poderia ser como eles um dia», admitiu.

«É uma fonte de orgulho para mim. Tento ser o melhor para a minha família. Aprendi isso com eles mas é algo que também tem de crescer dentro de mim», acrescentou.

Se 11 atletas, seis olímpicos e duas medalhas parece ser já um efeito digno de registo, Ryan é o primeiro a prometer que as coisas podem não ficar por aqui. «Crescei no seio desta família foi a maior influência no meu desenvolvimento como atleta e no meu caráter como ser humano. Tenho sorte suficiente para estar agora numa posição para transmitir estes valores e experiências para as próximas gerações», prometeu.

É uma questão de tempo entre os Cochran. É apenas uma questão de tempo.

07 de Fevereiro, 2022

Ireen Wüst. Dos Países Baixos para o topo da patinagem

Rui Pedro Silva

Ireen Wüst

É uma das principais histórias dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim e tudo poderia ter sido diferente se com dez anos, em 1997, tivesse achado pouca piada à possibilidade de sofrer com hipotermia durante a madrugada para ver o pai a patinar.

Foi este o ponto de partida para a hegemonia histórica de Ireen Wüst na patinagem de velocidade. Tudo a aconteceu a 4 de janeiro, com uma temperatura a rondar os quatro graus negativos. Durante praticamente sete horas, vários atletas completaram os 199,6 quilómetros de uma prova chamada Elfstedentocht. Entre os atletas estava o pai de Ireen.

As memórias não são grande coisa. A vitória foi para Henk Angenent e para Ireen a maior lembrança é mesmo o facto de ter acordado de madrugada e estar na rua com o irmão, com um frio de rachar, a ver o pai a patinar nos canais congelados de Heerenveen.

«Naquele momento soube que era aquilo que eu queria. No resto do Inverno obriguei o meu pai a levar-me ao rinque todos os domingos. Como uma rapariga de dez anos, patinava atrás do meu pai e do seu amigo», recordou.

A paixão foi imediata e a dedicação à patinagem acabariam por fazer dela um dos nomes incontornáveis da modalidade. «Acredito que se formos com tudo atrás de um objetivo, conseguiremos alcançar mais do que julgávamos», disse em 2018, refletindo na perfeição aquilo que é a sua carreira.

Hoje, Ireen Wüst tem 35 anos e já anunciou, em janeiro, que iria terminar a carreira. Está na altura, garantiu. Mas antes ainda viajou para Pequim, para fazer ainda mais história nos Jogos Olímpicos de Pequim.

Depois da estreia em Turim, em 2006, na edição em que foi campeã olímpica dos 300 metros e bronze nos 1500 metros, Ireen Wüst tem colecionado recordes e medalhas. São tantos, e tantas, que até somos capazes de perder o fôlego se tentarmos dizer tudo de uma vez.

Ireen Wüst tornou-se a neerlandesa mais jovem de sempre a conquistar uma medalha de ouro em Jogos de Inverno, com 19 anos e 317 dias. Hoje, Ireen Wüst tornou-se também a neerlandesa mais velha de sempre a conquistar um título olímpico, superando Stien Baas-Kaiser (33 anos em Sapporo-1972) por mais de dois anos.

Ireen Wüst também se tornou a primeira atleta na história dos Países Baixos a vencer cinco medalhas numa edição dos Jogos Olímpicos, em Sochi-2014. Quatro anos depois, em PyeongChang, tornou-se a primeira a sagrar-se campeã em quatro edições diferentes dos Jogos. Depois do ouro nos 1500 metros em Pequim-2022, elevou esse recorde para cinco.

Os Países Baixos têm uma enorme tradição na patinagem de velocidade e também em muitas outras modalidades de Jogos de Verão, como o hóquei em campo por exemplo, mas Ireen Wüst está um patamar, pelo menos, acima de toda a gente. Com seis medalhas de ouro, cinco de prata e uma de bronze, lidera não só a tabela de atleta dos Países Baixos com mais pódios mas também com mais títulos.

Parece simples, não parece? E tudo começou numa madrugada fria de Heerenveen em janeiro de 1997.

07 de Fevereiro, 2022

Max Parrot. Uma vida mudada pelo cancro

Rui Pedro Silva

Max Parrot

O ano de 2018 tinha tudo para ser o mais importante da vida de Max Parrot. E acabou por sê-lo, mas não pelas razões que o atleta canadiano julgava. Com 23 anos, quatro anos depois de se ter estreado nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi com um quinto lugar no slopestyle (snowboard), Max acreditava que ia conseguir alcançar finalmente o olimpo.

Esteve perto. Muito perto. Terminou na segunda posição, conquistou uma muito saborosa medalha de prata e partiu para um ano que acreditava ser de sucesso. Mas se 2018 começou com uma prata na Coreia do Sul, terminou com a pior notícia que lhe podia ser dada: um cancro.

O diagnóstico de um linfoma de Hodgkin mudou-lhe a vida, como seria de esperar. Foi forçado a abdicar de todas as provas da temporada de 2018/2019 e submeteu-se a 12 tratamentos de quimioterapia até junho de 2019.

O regresso à competição teve um sabor fantástico. «Foi um momento muito especial do qual me vou lembrar para o resto da minha vida. Foi espetacular estar ao lado de tantos outros atletas que já não via há meses. E depois, claro, a cereja no topo do bolo foi ter conseguido ganhar uma medalha de ouro depois de todo o trabalho que fiz para recuperar os músculos e a resistência que tinha perdido durante os tratamentos», afirmou.

Max Parrot sofreu, não há dúvida. Mas, como garante o lugar-comum, voltou mais forte. Mais forte e diferente. Tão diferente que, segundo o próprio, não mudaria nada no que se passou. «Se tivesse a oportunidade de voltar atrás no tempo para não ter cancro e viver apenas uma vida normal, não aceitava. Pode parecer estranho, mas aprendi muito e hoje em dia sinto-me com sorte por ter acontecido o que aconteceu porque sei que hoje sou uma pessoa totalmente diferente».

«Adoro a pessoa na qual me tornei e que sei que serei no futuro», reiterou. Para Max Parrot, o cancro foi uma aprendizagem, foi um obstáculo difícil que superou e que, ao superá-lo, fê-lo crescer de uma forma que nem sabia ser possível.

Max Parrot deixou de se perder no meio da azáfama do quotidiano e começou a aproveitar cada momento de cada dia, mesmo quando a pandemia de Covid-19 interrompeu a competição e deixou os atletas sem nada para fazer. «Nunca pensei quanto tempo faltava para voltar ao ginásio. Estava a aproveitar dia após dia e ainda hoje o faço. Não há dúvida de que é bom olhar para o amanhã e pensar nos nossos objetivos mas é ainda mais importante viver o presente», continuou.

O futuro de Max Parrot tinha uma medalha de ouro à espera. Sem se deixar obcecar com os Jogos Olímpicos de Pequim, o canadiano chegou, viu e venceu. «Sei que ainda há muito para ser feito e quero continuar a forçar, mas há mais na vida. Depois dos jogos Olímpicos, quero dedicar-me mais às filmagens e talvez participar em menos eventos», anunciou ainda antes de viajar para a China.

Max Parrot é um homem diferente. Venceu o cancro, venceu o de ouro olímpico e, acima de tudo, venceu a melhor maneira de estar na vida. Feliz, sem pressa, a viver o presente e a aproveitar o que cada dia lhe dá. Haverá medalha melhor do que esta?

07 de Fevereiro, 2022

Bruce Mouat. A libertação de dizer a verdade

Rui Pedro Silva

Bruce Mouat

Bruce Mouat é britânico, tem 27 anos, está a competir nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim e é homossexual. A frase vale o que vale e tem a importância que terá, mas talvez não fosse totalmente verdadeira se, em determinado momento, Bruce não tivesse feito questão de desvendar a homossexualidade.

A história é contada pelo próprio. Em 2014, depois de uma conversa com a minha psicóloga, decidi dizer aos meus colegas que era gay. «Foi ela que me ajudou a perceber que ser homossexual não influenciava a nível desportivo, que não ia afetar o meu jogo, mas que não contar a ninguém estava a afetar a forma como jogava», contou.

«Sinto que é preciso ter uma grande dinâmica coletiva no curling e devemos poder dizer sempre a verdade e contar exatamente o que estamos a sentir. E eu sentia que não podia fazer isso», recordou.

O momento foi difícil mas, hoje, Bruce olha para trás com orgulho. «Foi das coisas mais assustadoras que alguma vez tive de fazer. Mas espero que a minha experiência ajude os mais jovens que estejam a atravessar uma situação semelhante. No meu caso, acreditei que os meus colegas de equipa iam reagir bem; se isso não tivesse acontecido, deixaria de poder fazer parte da equipa.»

Bruce Mouat acredita que o contexto desportivo acabou por ser fundamental para contar que era homossexual. «Acho que se houver jovens a passar pelo mesmo, o curling é um espaço seguro. Para mim, assumir a homossexualidade foi uma boa experiência, sobretudo por fazê-lo através do desporto. Ajudou-me a sentir realmente em casa sempre que estava no gelo com os meus colegas», contou.

O líder do ranking mundial de curling está a fazer história em Pequim como primeiro britânico a competir em duas variantes. Com estreia na prova masculina agendada para mais tarde, conseguiu alcançar a meia-final de pares mistos com a amiga de infância Jennifer Dodds.

«Nunca pensei que poderia estar a competir em duas provas nos jogos Olímpicos. Ter esta oportunidade é incrível, é algo que vou guardar para o resto da minha vida», explicou. Na próxima madrugada, o sonho poderá alcançar um novo nível, quando disputar a medalha de bronze com a dupla sueca.

06 de Fevereiro, 2022

Zoi Sadowski Synnott. Uma lenda neozelandesa com 20 anos

Rui Pedro Silva

Zoi Sadowski Synnott

Nasceu na Austrália, aprendeu a esquiar no Canadá mas é da Nova Zelândia. Com apenas 20 anos, Zoi Sadowski Synnott entrou na história do país dos antípodas, dos All Blacks e dos kiwis com a medalha de ouro na final de slopestyle do snowboard.

Zoi pode ser jovem mas já tem um lugar muito vincado na história olímpica do país. Se em PyeongChang, com 16 anos, conquistou um bronze com 16 anos e 353 dias e foi, durante uma hora inteira, a medalhada olímpica de inverno mais jovem da Nova Zelândia, quatro anos depois dissipou qualquer equilíbrio no topo da escada.

A Nova Zelândia tem quatro medalhas olímpicas em Jogos de Inverno. Zoi venceu duas. A Nova Zelândia tem apenas um título olímpico em Jogos de Inverno. Foi Zoi que o venceu, agora em Pequim, afastando qualquer pressão que estivesse a sentir.

«É claro que entrei nestes Jogos com alguma pressão depois de ter conseguido a medalha de bronze na Coreia do Sul. Mas é uma pressão boa. Adora a pressão de ter os holofotes sobre mim por ter estado tão bem em tempos recentes», confessou.

A pressão apareceu em força na final. Depois de ter terminado a primeira ronda da final na liderança, Zoi foi ultrapassada pela norte-americana Julia Marino na segunda. Na terceira e derradeira oportunidade, a neozelandesa foi a última a entrar em ação. Tinha a medalha de prata já garantida mas sabia que só uma prestação a roçar a perfeição seria suficiente para chegar ao ouro. E foi isso mesmo que conseguiu.

O sucesso olímpico confirmou um sonho de menina. «Em 2012, percebi que o snowboard era a modalidade certa para mim. Gostava tanto que queria faltar sempre às aulas e já sabia que queria chegar aos Jogos Olímpicos», disse.

«Na altura era apenas o sonho de uma pequena rapariga» com dez anos, mas hoje, dez anos depois, Zoi já dispensa apresentações. Tem imensos anos pela frente mas, mesmo que não volte a conquistar qualquer pódio em Jogos Olímpicos, já conseguiu muito mais (o dobro, se quisermos ser exatos) do que qualquer outro atleta do seu país.

06 de Fevereiro, 2022

Alexander Bolshunov. O russo que nem quer ouvir falar em doping

Rui Pedro Silva

Alexander Bolshunov

A prova foi dominadora. O esquiatlo masculino (15 quilómetros em estilo clássico mais 15 quilómetros em estilo livre) viu um finlandês partir na frente logo no início e Alexander Bolshunov decidiu não lhe dar uma nesga de oportunidade para se isolar.

Como um bom predador, foi perseguindo a presa, encosta acima, encosta abaixo, à espera da oportunidade perfeita para atacar e deixar um mundo inteiro para trás. A transição para o estilo livre foi o momento certo. Iivo Niskanen, o tal finlandês, pode ser um especialista no estilo clássico, mas começou a mostrar muitas dificuldades logo nos primeiros quilómetros do segundo segmento. Aí, não houve quem se conseguisse aproximar de Bolshunov.

O homem que somou três pratas e um bronze na edição de PyeongChang há quatro anos não hesitou e partiu confiante para uma medalha de ouro, não imaginando que seria forçado a falar de doping no momento da consagração.

«Estão a insinuar que pode ter havido doping. Doping não tem nada a ver com desporto. Temos atletas limpos, atletas limpos que estão nos Jogos Olímpicos e que fazem testes praticamente todos os dias», relembrou Bolshunov, depois de terminar com um minuto e onze segundos de vantagem sobre o segundo classificado (o também russo Denis Spitsov).

Ser dominador tem os seus lados negativos. Ser russo não ajuda. Por isso, Bolshunov estava duplamente incomodado com as perguntas dos jornalistas depois de uma prova perfeita. «Temos de preencher formulários para informar onde estamos a treinar, a que horas, indicamos intervalos para sermos testados, quando vamos viajar, se vamos de avião ou de comboio de um lado para o outro, tudo…», acrescentou.

A sombra do doping paira sobre os atletas russos e em Pequim-2022, uma vez mais, a comitiva russa foi forçada a competir sob a égide do Comité Olímpico Russo e não da Rússia por si. O tema poderia ser suficiente para afastar alguma especulação mas o primeiro título olímpico de um atleta russo em Pequim trouxe novamente o tema à baila.

«Não é correto estarem a fazer perguntas deste género. Estes resultados não se alcançam de um dia para o outro, não acordamos um dia e somos campeões olímpicos, é algo que demora anos e exige muito treino», continuou.

Alexander Bolshunov pode ou não ter a verdade do seu lado, não é isso que está em causa, mas há quatro anos, apesar de tudo, a dupla de pares mistos no curling foi forçada a devolver a medalha de bronze depois de o elemento masculino ter acusado doping.

O russo do cross country não está para comparações e insiste no seu trabalho árduo. «Deviam vir ver as minhas sessões de treino. Acreditem em mim, são muito difíceis. Depois de me verem treinar, acredito que vocês e a vossa audiência não voltarão a fazer perguntas sobre este tema», garantiu.

06 de Fevereiro, 2022

Saba Kumaritashvili. O legado à frente da tragédia

Rui Pedro Silva

Saba Kumaritashvili

Foi uma das notícias mais marcantes dos Jogos Olímpicos de Vancouver, em 2010. Durante um treino que antecedia a competição de luge um atleta georgiano perdeu o controlo da sua trajetória numa curva à direita, saiu de pista e acabou a colidir com violência num pilar que fazia parte da estrutura.

O atleta chamava-se Nodar Kumaritashvili. Doze anos depois, em Pequim, a Geórgia voltou a ter um luger na competição e, uma vez mais, o apelido não deixou dúvidas. Kumaritashvili, Saba Kumaritashvili.

À primeira vista poderia ser apenas uma coincidência. Kumaritashvili poderia ser apenas mais um Arveladze, Kinkladze, Kaladze, Pachulia ou outros nomes georgianos que reconhecemos de outros desportos e julgamos que podem ter todos um traço familiar. No caso, não é apenas uma coincidência: há muito que a família Kumaritashvili domina o luge na Geórgia.

Vamos por partes. Saba Kumaritashvili é primo de Nodar e tinha apenas nove anos quando se deu a tragédia no Canadá. Poderia ter sido suficiente para afastar o interesse na modalidade, mas o legado acabou por se sobrepor à tragédia.

«Estou a continuar o legado de Kumaritashvili», afirmou, acrescentando que o pai está a ajudá-lo ao desempenhar o papel de presidente da federação. «Pensar no meu primo pode ser doloroso mas também me dá força», garantiu.

«Não tive medo. Queria estar nos Jogos Olímpicos competindo. Penso no Nodar. Penso nele o tempo todo. Todos na minha família estão no luge. Após o Nodar, não queria que o luge morresse na Geórgia.»

A ligação da família Kumaritashvili ao luge tem décadas e não se limita a Pequim-2022 e Vancouver-2010. Aleko Kumaritashvili, o bisavô de Saba, participou na construção da primeira pista de luge da república soviética socialista durante a década de 70. Além disso, desempenhou também o papel de treinador da seleção.

O cargo de presidente da federação pode estar a cargo do pai de Saba neste momento mas, mais uma vez, há uma ligação de décadas com vários Kumaritashvili a passarem pelo lugar. Por isso, não é de espantar que a mancha da morte de Nodar não tenha sido suficiente para afastar Saba de Pequim.

Na China, Saba competiu nas três primeiras mangas e despediu-se com um 31.º lugar em 35 atletas. Nunca foi além do 30.º lugar e perdeu sempre, no mínimo, 2,7 segundos para Johannes Ludwig, o campeão olímpico. Mas a luta dele não era essa. Apareceu, competiu e manteve viva a chama do luge na Geórgia. Tendo em conta que tem apenas 21 anos, não será de espantar se voltar a aparecer daqui a quatro anos em Cortina D’Ampezzo.

06 de Fevereiro, 2022

Claudia Pechstein. O elixir olímpico da juventude

Rui Pedro Silva

Claudia Pechstein

Irene Schouten venceu a medalha de ouro na prova de 3000 metros na patinagem de velocidade. A neerlandesa levou a melhor sobre a italiana Francesca Lollobrigida e subiu ao lugar mais alto do pódio para saborear o doce sabor do ouro olímpico, pela primeira vez, aos 29 anos.

A neerlandesa bateu toda a concorrência. Não conseguiu bater o recorde mundial de Martina Sablikova, que foi quarta na prova, mas tirou tempo ao recorde olímpico estabelecido por Claudia Pechstein a 10 de fevereiro de 2002, em Salt Lake City.

Vinte anos depois, Irene demonstrou que os recordes são mesmo para ser batidos, mas o mais insólito é que Claudia Pechstein foi adversária de Schouten nesta competição, terminando no 20.º lugar, com mais de 20 segundos de atraso.

A carreira de Claudia Pechstein fala por si e não é apenas impressionante perceber que tinha o recorde olímpico desde 2002. Quando Irene Schouten nasceu, a 21 de junho de 1992, já a sua adversária germânica tinha experiência - e uma medalha - em eventos olímpicos.

Esqueçamos a campeã e concentremo-nos naquela que terminou na última posição. Claudia Pechstein vai fazer 50 anos este mês (nasceu a 22 de fevereiro de 1972) e tem feito da patinagem de velocidade a sua verdadeira casa.

Estreou-se nos Jogos de Albertville em 1992, com um terceiro lugar nos 5000 metros, e desde então também conseguiu subir ao pódio em Lillehammer-1994, Nagano-1998, Salt Lake City-2002 e Turim-2006.

Durante este período de 14 anos, venceu cinco medalhas de ouro, duas de prata e duas de bronze. Depois, como seria expectável, começou a perder energia para competir com as atletas mais jovens. Em 2010 nem sequer teve a oportunidade de competir em Vancouver por estar a cumprir uma suspensão de dois anos por doping.

Em 2014, já com 41 anos, ficou à porta das medalhas com um quarto lugar nos 3000 metros e um quinto nos 5000 metros e há quatro anos, em PyeongChang somou um sexto, um oitavo, um nono e um 13.º

O fim da carreira será uma inevitabilidade mas só depois de bater dois recordes em Pequim: o de mulher mais velha na história da modalidade e o de única atleta a participar em oito edições diferentes - que poderiam ser nove não fosse a suspensão que impediu a presença em Vancouver.

Claudia Pechstein é mesmo tão velha, tão velha, tão velha que foi campeã germânica dos 3000 metros e dos 5000 metros este ano ao derrotar, entre outras, a adolescente Victoria Stirnemann (bronze nas duas distâncias). E quem é Victoria? A filha da grande rival de Claudia Pechstein nas edições de Lillehammer-1994 e Nagano-1998.

Na altura, tanto na Noruega como no Japão, Pechstein subiu ao lugar mais alto do pódio nos 5000 metros depois de bater Gunda Niemann-Stirnemann, que foi medalha de prata nas duas provas.

06 de Fevereiro, 2022

Francesca Lollobrigida. Uma sobrinha com queda para o desporto

Rui Pedro Silva

Francesca Lollobrigida

Gina Lollobrigida marcou uma geração do cinema italiano. Nascida a 4 de julho de 1927, fez carreira no atriz e era vista como uma sex symbol que influenciou e fez sonhar milhares de fãs um pouco por todo o mundo. 

A beleza levou-a a um terceiro lugar no concurso para Miss Itália e, já no mundo da representação, começou a ser vista como a mulher mais bela do mundo. Contracenou com atores como Humphrey Bogart e acabou por abrir caminho para muitas outras atrizes italianas com o mesmo tipo de papéis de mulheres sensuais, como Monica Bellucci, por exemplo.

O problema é que Gina já tem 94 anos e muitas das novas gerações não a virem no ecrã nem sequer reconhecem o seu nome em conversa. A sua era parece ultrapassada e o apelido Lollobrigida é hoje novamente alvo de destaque por causa de Francesca, a sua sobrinha-neta, alguém com quem não tem qualquer contacto.

E quem é Francesca? É a nova medalha de prata na prova de 3000 metros na patinagem de velocidade nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim-2022. Na última manga, ao lado da futura campeã Irene Schouten, Francesca fez o possível para lutar pelo título mas não teve argumentos e foi obrigada a conformar-se com a segunda posição.

No dia em que a Itália venceu uma medalha de patinagem de velocidade em pista curta, com a equipa mista a conquistar a prata e a permitir que Arianna Fontana entrasse para a história como a atleta mais medalhada de sempre (nove) na modalidade, Francesca Lollobrigida foi a primeira a dar nas vistas.

A italiana que começou a andar de patins aos 14 meses foi obrigada a procurar qualquer oportunidade para treinar e perseguir o seu sonho, mesmo que isso implicasse correr risco de vida. Pelo menos é o que se pode depreender de alguém que vai de livre vontade para o meio dos condutores italianos.

«Comecei a treinar com patins nas estradas de Roma. Andava atrás dos carros. Tinha de estar sempre muito concentrada a andar a 60 ou 70 quilómetros por hora e com pessoas a buzinar-te a cada instante», contou. Por outro lado, é a própria a reconhecer que hoje já não poderia fazer o mesmo, «tendo em conta as condições das estradas de Roma».

Outra razão para ter deixado de o fazer foi a multa que apanhou por andar a 50 quilómetros de hora numa zona em que o limite de velocidade era de 30 quilómetros por hora. Sim, Francesca cometeu a proeza de ser multada a andar de patins.

O certo é que a coragem e a determinação de Francesca deram resultado. Depois de se ter estreado com um 23.º lugar nos 3000 metros em Sochi, a italiana subiu dez posições em PyeongChang e agora, em 2022, na sua terceira edição, venceu finalmente uma medalha na distância italiana também está inscrita para competir nos 1500 metros, nos 5000 metros e na partida em massa).

Apesar de nunca ter ficado realmente à porta de uma medalha (o melhor que conseguira fora um sétimo lugar na partida em massa em 2018), Francesca Lollobrigida sabia que não se ia contentar em ficar fora do pódio. «Os Jogos Olímpicos deixaram-me com um grande ressentimento, não posso negar. Não me posso contentar com um quarto lugar», assumiu, apontando às medalhas para 2022.

De facto, o quarto lugar pode nunca ter sido uma realidade nos Jogos Olímpicos, mas o caso muda de figura nos Mundiais. Aí terminou à porta do pódio em Heerenveen-2021, em Inzell-2019, em Gangneung-2018 e em Kolomna-2016, sempre na prova de partida em massa.

O segundo lugar nos 3000 metros pode ter deixado Francesca com um novo sabor amargo. Agora, o objetivo já não é uma medalha, é deixar de ser a primeira das últimas. No fundo, não gosta de estar na sombra. O nome Lollobrigida é famoso mas a era da atriz já passou. Agora é Francesca que está a fazer tudo para que a sua vida dê um filme. Não com Oscars mas com medalhas.

05 de Fevereiro, 2022

Teresa Stadlober. Quebrar o enguiço de uma família inteira

Rui Pedro Silva

Teresa Stadlober

«Quem espera sempre alcança» é um dos provérbios mais utilizados da língua portuguesa. Pretende demonstrar que vale a pena trabalhar para alcançar algo, ser persistente, não desistir, não virar a cara à luta e acreditar que, mais tarde ou mais cedo, se o esforço certo for feito, a recompensa acabará por chegar.

O provérbio é português mas é provável que os austríacos estejam a repeti-lo um pouco por todo o lado depois deste primeiro dia a sério dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim-2022. E tudo por culpa de Teresa Stadlober. Ou, para sermos mais abrangentes, da família Stadlober. 

Mas já lá vamos. Primeiro, é preciso centrar a informação no que se passou na capital chinesa durante a final de esquiatlo feminino. A austríaca podia não ser necessariamente uma grande favorita, mas sentia que tinha uma palavra a dizer.

Apesar de não ter conseguido fazer frente à norueguesa Therese Johaug, esteve muito perto de alcançar a medalha de prata e acabou por contentar-se com o bronze por uma questão de três décimas de segundo.

Pode ter sido um sabor agridoce mas o resultado final é mais importante e não se limita à carreira de Stadlober, mesmo que até fizesse sentido achar que sim. O certo é que Teresa tem a sua quota parte de objetivos destruídos em Jogos Olímpicos.

Ora vejamos. A atleta de 29 anos surgiu em Pequim para a sua terceira edição de Jogos de Inverno. Até então tinha participado num total de oito provas, quatro em Sochi e outras quatro em PyeongChang. Tinha quatro resultados no top-10 mas nunca tinha ficado acima do sétimo lugar, precisamento no esquiatlo feminino, mas na Coreia do Sul.

O problema dos números é que nem sempre contam tudo, por isso é mesmo melhor dar a palavra à própria atleta depois da conquista do bronze. «É fantástico, não tenho palavras. Há quatro anos estava empatada por uma medalha mas cometi um erro perto do fim e não a consegui», lamentou.

Teresa Stadlober garante que trabalhou para alcançar finalmente este pódio durante os últimos quatro anos. «Sempre tive o sonho de conquistar uma medalha. Agora consegui-a e é inacreditável», garantiu.

O objetivo de uma vida era também o da família Stadlober. O pai de Teresa, Alois, participou nos Jogos Olímpicos de 1984, 1988, 1992, 1994 e 1998 e nunca tinha conseguido melhor do que um oitavo lugar. A mãe, Roswitha, esteve nos Jogos de 1994 e 1998, no esqui alpino, e não foi além do quarto lugar na prova de slalom… nas duas edições. Finalmente, o irmão Luis também participou no cross-country em 2018 e terminou na 13.ª edição.

Feitas as contas, a família Stadlober tinha até 2022 um total de dez presenças em Jogos Olímpicos sem uma única medalha. Teresa Stadlober quebrou finalmente o enguiço e assumiu-se como a melhor atleta da família. Já se sabe qual será a história constante em todos os jantares de Natal.

05 de Fevereiro, 2022

Therese Johaug. O ouro olímpico como redenção

Rui Pedro Silva

Therese Johaug sempre na dianteira

O tiro de partida do esquiatlo feminino (7,5 quilómetros em estilo clássico mais 7,5 quilómetros em estilo livre) demonstrou que Therese Johaug era uma mulher com uma missão: vencer o título olímpico.

A norueguesa não precisava de razões extra. Era a primeira final dos Jogos de Pequim, seria a primeira medalha que os órgãos de comunicação social iriam noticiar um pouco por todo o mundo. Neste tipo de eventos, em que existe sempre uma enxurrada de informação, há coisas que não escapam e a primeira medalha é uma delas.

Mas não era só esse tipo de história que Johaug corria atrás. Ou esquiava atrás. A escandinava queria também vencer a primeira medalha de ouro olímpica individual da sua carreira. Depois do título na estafeta dos 4x5 quilómetros em Vancouver-2010, não voltara a saborear o doce sabor do primeiro lugar, muito menos a nível individual.

Ainda em 2010, somou um sexto e um sétimo lugar. Em Sochi-2014, foi segunda na partida em massa dos 30 quilómetros e terceira nos 10 quilómetros, além da quarta posição no esquiatlo e do quinto na estafeta.

E depois… 2018. Seria de esperar que pudesse ser o evento para tirar todas as teimas, mas a atleta de 29 anos nem sequer viajou para a Coreia do Sul. Um ano e alguns meses antes, em outubro de 2016, testou positivo a um esteróide anabolizante chamado clostebol. 

A suspensão de 18 meses impediu-a de participar na terceira edição consecutiva de Jogos Olímpicos e foi obrigada a esperar quatro anos. Em Mundiais, depois da suspensão, demonstrou que teria uma palavra a dizer: em Seefeld, na Áustria, há três anos, venceu três provas. No ano passado, em Oberstdorf, na Alemanha, outras três.

Não espantou, portanto, que aparecesse em Pequim como a maior candidata à vitória. E não desiludiu. Mesmo que não tenha estado sempre na frente, nunca deixou fugir a dianteira e no momento certo, logo após a transição para o estilo livre atacou e não mais voltou a olhar para trás.

Com a família a assistir em euforia na Noruega, Therese Johaug cruzou a meta com mais de 30 segundos de vantagem sobre a russa Natalia Nepryaeva. A redenção tinha sido alcançada. A norueguesa tinha voltado mais forte e, finalmente, subiria sozinha ao pódio.

«É um sonho concretizado. Ando a treinar para isto há muitos, muitos anos», afirmou a mulher que viu o avô construir pistas à porta de casa para que pudesse desenvolver a paixão pela modalidade.

«Treinei milhares de horas para isto e passei muito tempo longe de casa durante a minha carreira, por isso é fantástico alcançar este objetivo. Significa muito para mim, ainda não tinha uma medalha de ouro individual, estou muito feliz».