O desporto paralímpico não difere muito do olímpico em Portugal. Continua a haver uma predominância masculina em quantidade, embora o mesmo se possa dizer cada vez menos na qualidade.
Veja-se o cenário mais recente dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Sim, Patrícia Mamona foi a única mulher em quatro medalhados, mas depois ainda houve Auriol Dongmo com um quarto lugar e Catarina Costa, Liliana Cá e Yolanda Hopkins com quintos lugares. E a medalha de ouro de Pichardo inclinou o campo dos campeões olímpicos para o lado masculino com um tangencial 3-2 (Carlos Lopes, Nelson Évora e Pedro Pichardo de um lado, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro do outro).
Mas este não é um texto sobre a diferença de resultados entre homens e mulheres nos olímpicos. Nem nos paralímpicos. É sobre Susana Barroso, a nadadora que poderá ser, discutivelmente, a melhor paralímpica portuguesa de sempre.
Porquê o discutível? Vamos por partes. Portugal tem 25 medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos. Houve provas coletivas que deram primeiros lugares e houve atletas que conseguiram mais do que uma. Nestas contas de somar e subtrair, chegamos à conclusão de que já houve 20 campeões paralímpicos portugueses.
Quantos são mulheres? Vamos às contas. Cristina Gonçalves, Maria Helena Martins, Maria Melo e Olga Pinto. E está feito. São só quatro. E só a última Olga Pinto tem mais do que um ouro. E é também a única a vencer títulos individuais, ambos em 1988, no atletismo (lançamento de distância e lançamento de precisão).
Cristina Gonçalves tem três medalhas (uma por cada posição) mas foram sempre em provas coletivas. Maria Helena Martins conseguiu um ouro no boccia e uma medalha no atletismo na mesma edição (1984) e Maria Melo chegou ao ouro numa prova por equipas no boccia.
Agora que está descrita a concorrência, que argumentos poderá haver para que Susana Barroso possa ser descrita como a melhor paralímpica portuguesa da história? Há dois critérios fundamentais: venceu seis medalhas – o dobro de qualquer outra portuguesa – e todas elas foram individuais.
Da natação ao boccia
A sua história também é complexa. Competiu na natação entre 1992 e 2004, período onde conquistou três medalhas de prata e três de medalhas de bronze, e depois ainda regressou para uns quintos Jogos Paralímpicos, em Londres, mas para competir no boccia. Curiosamente, essa despedida com delay foi precisamente a única edição em que não conseguiu atingir o pódio.
E quem é, afinal, Susana Barroso, a atleta que dá nome ao pavilhão municipal de Odivelas na Pontinha? Com uma doença neuromuscular de origem genética, hereditária e progressiva, começou a nadar com 10 anos e acabou por vir a dar cartas na categoria S3, destinada a atletas que preservam algumas funções de braços e mãos mas sem utilização do tronco e pernas.
O desporto paralímpico surgiu por acaso. Desafiada por um professor nas piscinas do Sporting para fazer uns tempos, percebeu que poderia competir entre as mulheres e nos Europeus de Natação em Barcelona, em 1991, o resultado não deixou dúvidas: «Fiquei com o terceiro melhor tempo do mundo, assim do nada, sem treino específico para a competição, sem nada».
«Na altura desconhecia o desporto paralímpico. Não fazia a mínima ideia de que existia desporto para pessoas com deficiência e foi esse meu treinador que me esteve a explicar a mim e aos meus pais», acrescentou, em declarações para a dissertação «A experiência vivida de atletas paralímpicos: narrativas do desporto paralímpico português», de Ana Isabel Castro Almeida e Sousa, de 2014.
A entrada em cena nos Paralímpicos, um ano depois, precisamente em Barcelona, ficou marcada pela noção de igualdade: «Não sabia muito bem o que é que ia fazer. Aquilo que pensei foi ‘Ok! Se esta gente também tem dificuldade como eu, então estamos mais ou menos em igualdade de circunstâncias e eu posso ser das melhores’». Resultado? Medalha de bronze nos 50 metros costas.
«Para mim foi dos melhores Jogos que tive, talvez por serem os primeiros também. A aldeia paralímpica era uma maravilha, era um sonho. Gostei imenso de lá ter estado. E aquilo motivou-me. Porque eu não sabia o que era, desconhecia praticamente. Via os Jogos Olímpicos, mas nunca imaginei poder estar ali, no mesmo local, de um momento para o outro. Lembro-me da música Amigos para Sempre, esse momento ficou sempre na minha recordação», afirmou.
A participação em Jogos Paralímpicos começou a ser a ambição mais forte. Podia bater recordes do mundo e vencer medalhas de ouro, como aconteceu nos Mundiais de 1994, mas eram os Jogos que a faziam mover. Em Atlanta somou um bronze nos 100 metros livres e pratas nos 50 metros costas e nos 50 metros livres. Quatro anos depois, em Sydney, somou mais uma prata nos 50 metros costas.
Por esta altura, a pressão também começou a aumentar, algo que parece comum a todos os grandes portugueses paralímpicos que marcaram a primeira era das participações portuguesas. «A determinada altura da minha carreira já sentia um peso muito grande em cima de mim antes da competição, porque sabia que sempre fui uma atleta medalhada. Toda a gente vai estar de olhos em ti, toda a gente vai estar à espera da tua medalha… era o que pensava. E eu não queria, de maneira alguma, deixar ficar mal as pessoas», disse.
O adeus à natação nos Jogos Paralímpicos deu-se em Atenas, novamente com uma medalha de bronze nos 50 metros costas. «Ainda lá podia andar mas já sabia que a nível de medalhas ia ser quase impossível. E acho, sinceramente, que vim embora na altura certa». E fê-lo com pompa e circunstância: foi porta-estandarte e na altura só Paulo de Almeida Coelho tinha mais medalhas paralímpicas em Portugal (7).
O adeus ao desporto de competição deixou um vazio grande e em 2007 decidiu dedicar-se ao boccia. «A nível nacional até comecei a ficar bem classificada. Como sou mulher e há a quota feminina para os Jogos, começaram logo a chamar-me para a seleção», contou, acrescentando que as portas se abriram muito rápido porque as pessoas já a conheciam como «atleta excecional na natação».
Por outro lado, a modalidade trouxe desafios acrescidos: «Senti muita dificuldade na integração. Acho que nunca me senti realmente bem lá. E no boccia são muitos jogos seguidos e eu quebro». Também por isso, quando conseguiu o apuramento para Londres-2012, tinha as expetativas muito em baixo: «Sabia que ia ser quase impossível ganhar o que quer que fosse. Sabia que uma medalha ou um bom lugar ia ser muito difícil».
«Custou-me muito ter ido a uma grande competição e não ter trazido medalha pela primeira vez». Uma frase que não está ao alcance de todos, só dos grandes nomes do paralimpismo português. Homens ou mulheres.