Gwen Berry. Quando lançar o martelo é uma pedrada no charco
«Alguém tem de se levantar e fazer frente às injustiças que estão a acontecer nos Estados Unidos. Fiz o que fiz como uma declaração de interesses não só por mim mas também por todas as pessoas que estão a sofrer. É um exagero o sofrimento pelo qual algumas têm de passar.»
Gwen Berry é norte-americana, tem 32 anos, e está nos Jogos Olímpicos de Tóquio para competir no lançamento do martelo. Há dois anos, nos Jogos Pan-Americanos em Lima, no Peru, decidiu replicar um dos gestos mais famosos em pódios olímpicos, erguendo o punho como Tommie Smith e John Carlos fizeram na Cidade do México em 1968 e, mais tarde, noutra prova, virado as costas às bandeiras durante o hino.
A consequência foi exatamente a mesma de Race Imboden, esgrimista que se ajoelhou na mesma competição: uma suspensão de doze meses imposta pelo Comité Olímpico dos Estados Unidos. Um ano depois, porém, o organismo pediu desculpa, numa fase em que a instabilidade social no país ganhava novos contornos, e promoveu o regresso em pleno de Gwen Berry.
A iniciativa surtiu o seu efeito mas Gwen Berry aprendeu que essa pode não ser a melhor forma de atuar. «Sinto que se erguer o meu punho sempre que ganhar uma medalha vai tornar-se aborrecido. Em vez disso, tenho de fazer mais. Tenho de falar mais com as pessoas por todo o país», afirmou.
A iniciativa de Gwen em 2019 teve um efeito nefasto. A lançadora perdeu patrocinadores e viu o adiamento dos Jogos de Tóquio prejudicar ainda mais o seu futuro. «O adiamento foi devastador porque cortou as minhas receitas. Fiquei sem competição, sem probas no estrangeiro, sem dinheiro dos resultados. Quando se fica sem a oportunidade de ir aos Jogos Olímpicos, tudo é cortado. A situação mental destes atletas é muito frágil. Os atletas olímpicos não são todos como os basquetebolistas, que têm muito dinheiro. O público acha que somos estrelas mas não é nada disso, talvez só 1% tenha um rendimento decente», explicou.
As aspirações de Gwen Berry estão longe do pódio ou de atingir o tal estatuto de estrela. No Rio de Janeiro não conseguiu o apuramento para a final e em Mundiais nunca foi além da 12.ª posição. A atleta que começou no triplo salto mas que encontrou a sua especialidade no martelo, é uma pedrada no charco em várias componentes.
Ter sido mãe logo com 15 anos pode ter ajudado, mas a responsabilidade pela sua identidade muito vincada não é atribuída aos obstáculos que teve de ultrapassar mas sim à forma como o pai lidou com ela. «Lutou pelo país [no Iraque] e teve de estar longe dos seus quatro filhos. Ensinou-me muito sobre este mundo, sobre a vida, sobretudo sobre a história africana. Foi sempre um rebelde, sem medo de dizer o que pensava, fazer o que era certo para si e para a sua família. Acho que foi a ele que fui buscar esta postura», disse.