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É Desporto

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04 de Maio, 2021

Carlos Monzón. O argentino que se dizia melhor do que Sugar Ray Robinson

Rui Pedro Silva

Carlos Monzón

Nasceu a 7 de agosto de 1942 e era o quinto de 12 irmãos de uma família pobre de San Javier, na Argentina. À falta de dinheiro, deixou a escola no ensino primário para ir engraxar sapatos e distribuir jornais ou leite. O boxe surgiu como uma extensão natural de alguém que sempre mostrou problemas de violência e chegou a ser preso duas vezes, por um motim num jogo de futebol e por uma luta num autocarro.

O hobby tornou-se profissão depois de, em dezembro de 1962, ter vencido Bienvenido Cejas. A partir daí, a evolução na categoria de pesos médios foi meteórica: campeão argentino em 1966, sul-americano em 1967 e mundial em 1970, em Roma, contra Nino Benvenuti, naquela que foi a primeira vez que disputou um combate fora da Argentina ou do Brasil.

O combate também foi problemático fora do ringue. Durante a pesagem, Monzón queixou-se de que Benvenuti lhe tinha tocado no rabo. «Olhei para ele e pensei que o ia matar. Quando o árbitro parou o combate no 12.º assalto, fez bem.»

Até 30 de julho de 1977, na noite em que venceu Rodrigo Valdéz – naquela que foi a única vez que foi atirado ao tapete –, defendeu o título com sucesso em 14 ocasiões. A carreira terminou com 100 combates, 87 vitórias, nove empates, três derrotas e um combate sem decisão.

Os únicos desaires surgiram em 1963 (1) e 1964 (2), os últimos 31 combates foram todos ganhos e não perdeu uma única vez nos últimos 80 realizados. «Dizem-me que não posso ser melhor do que o Sugar Ray Robinson porque ele venceu cinco vezes o título mundial. Mas só porque o perdeu três vezes. Eu nunca o fiz.»

Mas, por aquela altura, sentia que estava a entrar numa fase decadente e, aos 34 anos, trocou o ringue pelos jogos de cartas com idosos num bar de Buenos Aires. Fora dos ringues, a postura violenta também era constante e os casamentos mudaram-lhe a vida.

Em 1973 foi alvejado pela mulher nas costas e numa perna. A primeira bala nunca chegou a sair, a segunda só foi retirada após sete horas de operação. Com a segunda mulher, Alicia Muñiz, foi ao contrário. A 14 de fevereiro de 1988, o casal, que já estava separado, teve uma discussão.

Os dois caíram da varanda do segundo andar e Monzón sempre disse ser um acidente, mas a acusação provou que a mulher tinha lesões substanciais no pescoço e que estava inconsciente quando caiu. A 13 de julho de 1989 foi condenado a 11 anos de prisão. «Eu e o meu mau temperamento somos os verdadeiros responsáveis. Sim, o meu mau temperamento», justificou.

Enquanto esteve preso recebeu a visita de Mickey Rourke, que estava na Argentina a filmar. O ator conseguiu convencê- lo a um pequeno combate no ginásio da prisão, mas acabou envergonhado ao cair inconsciente após um golpe do pugilista argentino. A 8 de janeiro de 1995, Carlos Monzón morreu num acidente de viação, depois de ter recebido autorização para ir visitar a família e os amigos durante um fim de semana. Foi um fim trágico para quem se habitou a ganhar (quase) sempre.

03 de Maio, 2021

Najee Harris. O antigo sem-abrigo que idolatra Megan Rapinoe chegou à NFL

Rui Pedro Silva

Najee Harris

Era um dos segredos mais mal guardados do draft da NFL. Se Trevor Lawrence, o quarterback de Clemson, era visto como a única opção possível dos Jacksonville Jaguars na primeira escolha do evento, poucos eram aqueles que duvidavam que os Pittsburgh Steelers iam escolher Najee Harris na posição 24.

A opção merecia algumas críticas. Não é aconselhável escolher running backs na primeira ronda, apesar de os casos abundarem, porque é visto como uma posição em que a recompensa continua a ser possível nas rondas seguintes. Ouvindo um pouco dos muitos episódios de podcast sobre NFL que se produziram nas vésperas do draft, parecia haver um consenso: Najee Harris, de Alabama, era um excelente jogador, era quase certo que ia ser escolhido pelos Steelers mas… todos ressalvavam que, sobretudo nos últimos anos, é cada vez menos comum optar por essa posição tão cedo.

A equipa da Pensilvânia não ligou a isso. Os Steelers acham que Najee Harris é especial e foram recrutar uma peça importante para o ataque da equipa. Onde outrora houve Le’Veon Bell, vai passar a estar um jovem da Califórnia. Que é, de facto, especial, mas não apenas pelo que faz dentro de campo.

Najee Harris tem Megan Rapinoe, futebolista da seleção dos Estados Unidos, como exemplo e não se tem coibido de elogiar a atleta nos últimos meses. «Talvez não seja muito comum haver um homem a apontar uma mulher como modelo nos tempos que correm. Mas admiro-a muito mesmo por aquilo que faz fora do mundo do desporto», contou no final de 2020.

«Por tudo aquilo que faz, por tudo aquilo que representa. É uma feminista e faz-se ouvir em relação à forma como as mulheres são tratadas injustamente e como são pagas de forma diferente dos homens. Gosto que faça isso», acrescentou.

Najee Harris começou a imitar a celebração de Megan Rapinoe

Os dois atletas acabaram por estabelecer uma relação invulgar. Najee Harris replicou o famoso gesto de celebração de Rapinoe e Megan retribuiu com um tweet encorajador, pedindo-lhe que num jogo pudesse saltar por cima de um adversário. Algo que Najee Harris acabou mesmo por fazer.

«Ser uma mulher e dizer tudo o que tem dito… pode ser assustador para uma mulher dentro de um mundo que se diz ser dos homens», destacou uma vez mais. «Ela faz o seu papel, não liga aos detratores, mantém-se fiel ao que é, ao que acredita e ao que representa. É inspirador», salientou.

 

Uma vida à procura de uma recompensa

Najee Harris não é apenas especial por ter uma mulher como exemplo. Ou por ter sido escolhido como running back na primeira ronda do draft. Najee Harris é mais um caso de como uma pessoa consegue utilizar o desporto para dar um novo rumo à vida e superar os obstáculos do passado.

Na noite do draft, enquanto grande parte dos jogadores que esperavam ser recrutados na primeira ronda estavam em Cleveland, no lugar do evento, de fato e gravata e com a família e amigos à volta, Najee Harris recuou nos anos e foi celebrar com outra «família» que teve.

O jogador de 23 anos visitou as instalações para sem-abrigos do Greater Richmond Interfaith Program, na zona de San Francisco-Oakland, onde viveu com os pais e os quatro irmãos, interruptamente, entre oito a dez vezes diferentes, quando tinha 12 anos.

«Houve momentos em que precisei de uma ajuda. Deram-nos uma oportunidade para reencontrarmos o nosso rumo. Agora o meu trabalho é retribuir», disse aos jornalistas, durante o evento em que fez questão de levar comida para todos.

Najee Harris no local onde viveu várias vezes em 2010

Kathleen Sullivan, diretora-executiva do programa, não ficou imune ao gesto: «Vê-lo como um homem e com esta oportunidade pela frente dele e saber que viveu neste abrigo e em muitos outros locais com a sua família, a mudar de local em local, faz-nos perceber que tudo é possível».

A mãe de Najee Harris não conseguiu esconder a emoção de regressar a um local que tem uma simbologia muito forte no seu passado. «Foi muito forte para ela», disse Najee. «Esteve praticamente a chorar, de certa forma, porque temos muitas memórias daqui. Foi numa fase em que a minha vida estava a bater no fundo.»

Depois, tudo começou a encarrilar. A família conseguiu deixar o programa de vez e mudou-se para Antioch, a cerca de 70 quilómetros de San Francisco. Najee Harris frequentou o ensino secundário no liceu de Antioch, notabilizou-se no futebol americano com 94 touchdowns em 41 jogos e recebeu múltiplas ofertas de bolsa, acabando por escolher os Alabama Crimson Tide de Nick Saban.

O resto é história. E é uma história especial. Para continuar a seguir com atenção, agora na NFL.