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É Desporto

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17 de Julho, 2020

Feyisa Lilesa. Um medalhado com medo de voltar para casa

Rui Pedro Silva

Feyisa Lilesa

O maratonista etíope tem um recorde pessoal na prova de duas horas, quatro minutos e 52 segundos mas é muito mais lento do que as suas próprias palavras e gestos. Ao terminar a prova no Rio de Janeiro no segundo lugar, protestou contra os atos do governo em relação ao povo Oromo. Depois ficou com medo de voltar…  

A maratona é uma prova de sofrimento. São mais de 42 quilómetros em que o corpo é forçado a sofrer todo o tipo de provações. O grupo da frente é grande mas vai sendo reduzido a conta-gotas. Há aqueles que nunca tiveram hipótese e forçaram o máximo de tempo possível, os que eram favoritos mas estavam num dia mau e aqueles que, simplesmente, já não conseguem dar mais.

Na maratona olímpica no Rio de Janeiro, Feyisa Lilesa foi até ao fim. Nos últimos quilómetros resistia ao lado do futuro campeão, Eliud Kipchoge, e do norte-americano Galen Rupp. O sonho de Lilesa era subir ao lugar mais alto do pódio mas terminar em segundo foi mais do que suficiente para cumprir o objetivo.

Lilesa não corria apenas por si, corria pelo seu povo. Os Oromo correspondem a 25% da população etíope e estavam a ser perseguidos pelo governo. De acordo com os dados da HRW (Human Rights Watch), 400 pessoas tinham sido mortas entre novembro de 2015 e o verão de 2016.

A chegada à meta, em pleno Sambódromo, naquela que foi a última prova de atletismo nos Jogos Olímpicos, foi a oportunidade perfeita: Lilesa cruzou os pulsos e ergueu-os acima da cabeça, oferecendo desde logo uma imagem que se tornou viral, mesmo antes de se saber a origem.

 

O protesto e o medo

O gesto foi adotado pelo povo Oromo para marcar os protestos contra as ações do governo. E Lilesa decidiu ser solidário, independentemente dos perigos e das consequências que o futuro lhe esperava.

«O governo etíope está a matar o meu povo e eu estou do lado dos protestos. Tenho familiares na prisão que não podem falar dos seus direitos democráticos sob pena de serem mortos», lamentou.

Depois, foi mais longe: «Se voltar para a Etiópia talvez me matem. Se não o fizerem, põem-me na prisão. Ainda não decidi, mas talvez tenha de ir para outro país».

Sob o olhar atento do mundo, o governo etíope tentou acalmar a situação e o Ministro da Informação garantiu, em declarações à BBC, que Lilesa não tinha razão para ter medo. A Etiópia não tem razão para prendê-lo, acrescenta, frisando também que não tem quaisquer familiares presos.

 

Desconfiança e futuro

O etíope manteve o receio e falou com insistência na possibilidade de pedir asilo, juntamente com a mulher e os dois filhos. O maratonista mais jovem da história a baixar das duas horas e seis minutos na maratona ficou sem pressa para sair do Brasil.

«Se calhar vou ter de ir para outro país. Só és livre se apoiares o governo. Sem isso não podes trabalhar», lamenta, apontando também o dedo aos países que apoiam a Etiópia: «Estados Unidos, Inglaterra, França… todos os países da Europa apoiam este governo. Eles recebem esse apoio e podem comprar metralhadoras e matar o povo. Por que é que estes países não ajudam o nosso povo?»

As ofertas de ajuda a Lilesa chegaram de todos os quadrantes. Um grupo de etíopes a residir nos Estados Unidos contratou uma equipa legal para ajudar Lilesa e a família a conseguir asilo no país.

Além disso, no espaço de um dia, uma campanha de donativos angariou 89390 dólares. Um dos últimos donativos, de 500 dólares, chegou de um etíope Oromo a viver em Dublin. «Estou muito orgulhoso de ti, meu filho. Fazes com que todos nós Oromo nos sintamos maiores», escreveu na mensagem que acompanha o donativo.

A manifestação política nos Jogos Olímpicos é proibida mas essa nunca foi uma questão que preocupasse Lilesa. «Não há nada que possa fazer, é a minha opinião, o meu país tem muitos problemas. Não há nada que me possam fazer, é o que sinto.»

Feyisa Lilesa só regressou finalmente à Etiópia em outubro de 2018, depois de o primeiro-ministro Hailemariam Desalegn se ter demitido.

16 de Julho, 2020

Isaquias Queiroz. O herói brasileiro que fintou a morte

Rui Pedro Silva

Isaquias Queiroz

Teve uma infância atribulada: os médicos disseram aos pais que ia morrer aos três anos, foi raptado e perdeu um rim depois de cair de uma árvore. O canoísta resistiu a tudo e no Rio de Janeiro, com 22 anos, tornou-se o primeiro atleta brasileiro a vencer três medalhas na mesma edição de uns Jogos Olímpicos.

O Brasil conquistou 19 medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: três foram ganhas por Isaquias Queiroz. O canoísta de 22 anos foi prata em C1 1000 e C2 1000 e bronze em C1 200.

«Fico muito feliz por ver o meu nome entrar no livro dos recordes do desporto brasileiro mas a verdade é que não depende só de mim. A minha equipa está toda de parabéns. Se eles não estivessem comigo, a vitória não valeria a pena e eu não conseguiria alcançar estes objetivos. Eu dedico esta vitória à equipa da canoagem, que é maravilhosa e nunca nos abandonou», afirmou.

A entrada de Isaquias na mira dos brasileiros foi meteórica. De quase desconhecido, apesar de três títulos mundiais, passou a herói nacional. De tal forma que se criou uma onda de pressão para que a Lagoa Rodrigo de Freitas passasse a ter o seu nome.

A intenção surpreendeu o brasileiro, que garante que a maior medalha que ganhou foi o carinho do público, que marcou presença todos os dias nas provas e fez sempre questão de cantar o hino. «Estou sabendo da vontade de mudar o nome da lagoa. Fiquei surpreendido para caraca, porque sou um atleta que nunca tinha ganhado medalha na Olimpíada… chegar assim e o pessoal ter esse carinho e querer trocar o nome…»

A ideia não vai sair do papel. De acordo com uma lei federal brasileira de 1977, é proibido atribuir nome de pessoas vivas a bens públicos.

 

Infância atribulada

Para muitos, é mais surpreendente que Isaquias Queiroz tenha chegado vivo aos 22 anos do que o facto de ter conquistado três medalhas no Rio de Janeiro. Não é caso para menos: há muitos atletas olímpicos com histórias de vida insólitas mas o baiano de Ubaitaba parece superar todos os limites.

Isaquias cresceu com a mãe Dilma e nove irmãos: cinco biológicos e quatro adotados. Como o pai já tinha morrido, o dia-a-dia em casa era caótico. Num desses dias, com Dilma a trabalhar, Isaquias sofreu queimaduras graves no corpo por culpa de uma panela deixada a ferver por uma irmã.

O rapaz tinha três anos e esteve internado durante um mês no hospital. Os médicos julgaram que ia morrer e enviaram-no para casa. Mas Isaquias não morreu, longe disso. E continuou a juntar episódios caricatos atrás de episódios caricatos.

Com cinco anos, desapareceu. Ninguém sabia dele. A mãe achou estranho: afinal, pouco tempo antes, uma mulher tinha ameaçado que ia roubar-lhe um filho. Parece ter sido o que aconteceu, embora nunca se tenha provado, depois de Isaquias ter sido encontrado abandonado na rua.

O último capítulo surgiu com dez anos. Irrequieto e irreverente, viu a sua atenção ser dominada por uma cobra morta. Na ânsia de a ver de perto, subiu a uma árvore, desequilibrou-se e caiu de costas em cima de uma pedra.

Com uma hemorragia grave, foi transportado para o hospital e perdeu um rim. Ganhou a alcunha de «Sem Rim» na cidade e está desde então obrigado a beber muito mais água do que fazia.

 

Vocação encontrada

A queda foi em 2004 e em 2005 mudou a vida para sempre. «Um ano depois comecei a canoagem. As pessoas achavam que não daria certo, achavam que seria uma deficiência. Mas acabei a mostrar ao Brasil e ao mundo que não há nada de deficiência, não tem nenhum problema», comentou, em declarações à AFP.

Isaquias Queiroz até acha que deve ter acontecido mais alguma coisa durante a operação. «Acho que me devem ter implantado um pulmão extra», brinca.

A perda de um rim nunca foi motivo de conversa ou de desculpa durante as provas. «Nunca disse que tinha perdido por ter só um rim. Não, eu gosto de competir de igual para igual. O ruim é quando uma pessoa perde comigo e diz que perdeu para alguém que só tem um rim.»

O sucesso precoce na canoagem fez com que abandonasse a escola no quinto ano. Julgava que não precisava de estudar mais mas sentiu a necessidade de arranjar uma forma de ajudar a mãe e os irmãos. Por isso, começou a trabalhar na feira da cidade, sugerindo às pessoas que lhes carregasse os sacos de compras em troca de gorjetas.

 

Relações conturbadas

Ubaitaba tornou-se demasiado pequena para o talento do canoísta, por isso, em 2011, Isaquias foi viver para o Rio de Janeiro. Desadaptado, não tinha amigos nem dinheiro suficiente.

Quando ficou de fora da seleção brasileira que ia participar nos Jogos Pan Americanos, decidiu regressar para a família, sem autorização. A federação brasileira de canoagem suspendeu-o e deu-se início a uma série de duelos com o canoísta.

Isaquias não esteve nos Jogos Olímpicos de Londres, com 18 anos, mas no ano seguinte conquistou duas medalhas no Mundial. Inconformado com o tratamento recebido, escreveu um post no Facebook com o título «Desabafo de um campeão triste».

«Estou pensando em abandonar a canoagem. Já não aguento mais apresentar bons resultados e não ter mudanças significativas na minha vida», escreveu, lamentando a diferença de tratamentos e a falta de apoios e reconhecimento.

 

O momento de viragem

Queiroz era uma das maiores esperanças da canoagem brasileira e em 2013 a federação decidiu contratar o treinador Jesús Morlan. No passado, o espanhol já tinha levado atletas a vencer cinco medalhas olímpicas e, apesar de ter ofertas mais vantajosas, confessou que não resistiu à possibilidade de trabalhar com um «diamante em bruto».

O talento estava lá, era evidente, mas nem sempre foi fácil domá-lo. Em 2014, por exemplo, nos Mundiais de Moscovo, festejou o título demasiado cedo e caiu da canoa antes de cruzar a meta. Desde logo perdeu o título para o alemão Sebastian Brendel, mas a medalha de prata também lhe foi retirada. A organização entendeu que não tinha terminado a prova.

«O meu mundo desabou. A única coisa que tinha para fazer era chorar», lamentou em declarações à revista Isto É.

A evolução mental começou a acompanhar o talento desportivo e no ano que desaguou no Rio de Janeiro só houve mais um desentendimento com a federação. Foi em setembro de 2015, quando o atleta liderou o boicote ao evento-teste em protesto contra o atraso no pagamento de salários e das fracas condições de hospedagem.

Agora, tudo faz parte do passado. Isaquias Queiroz é um homem feliz, mesmo sem conquistar qualquer título olímpico, e está na história do Brasil. Nada mau para alguém que ia morrer aos três anos.

15 de Julho, 2020

David Katoatau. Dançar para não chorar

Rui Pedro Silva

David Katoatau

Halterofilista do Kiribati pode não concluir os levantamentos do peso com sucesso mas insistiu em sair em grande após cada tentativa nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. A razão? Alertar o mundo para o desaparecimento do seu país por culpa da subida do nível médio do mar. «Imploro aos países do mundo para verem o que está a acontecer ao Kiribati. A verdade é que não temos recursos para nos salvarmos. Vamos ser os primeiros a desaparecer», disse.

Foram três atletas em Atenas, dois em Pequim, três em Londres e novamente três no Rio de Janeiro. Os números não provocam grande surpresa: afinal, estamos a falar de um país perdido no meio da Oceânia com cerca de 100 mil habitantes.

No Brasil, ainda assim, o Kiribati foi mais falado do que a maioria, por culpa de um halterofilista de 32 anos chamado David Katoatau. Porta-estandarte, e o primeiro na história do país a conseguir efetivamente o apuramento para uns Jogos Olímpicos (2012), não apresentou grandes resultados, mas sim grandes danças.

No final de cada tentativa de levantamento do peso, brindava a assistência com passos divertidos e inesperados. David dançou para não chorar. Dançou para chamar a atenção do mundo, com sucesso, para o que está a acontecer no Kiribati, um país a desaparecer progressivamente com a subida do nível médio do mar.

 

A carta emocionada

A iniciativa de David não é recente. Já o faz há alguns anos. Em 2015, decidiu escrever uma carta aberta ao mundo a explicar o que se está a passar.

«Nunca me senti tão impotente na vida. Como desportista, dou tudo ao meu país mas não o posso salvar. Em nome de todas as pessoas que morrerão por um país que vai deixar de existir e pela cultura que será esquecida, peço-vos ajuda.

No ano passado construí a única casa que poderia pagar [David Katoatau aproveitou os cerca de oito mil dólares de prémio por ter vencido a medalha de ouro nos Jogos da Commonwealth], logo ao lado da casa dos meus pais. Uns meses depois foi destruída pelas ondas.

As milhares de crianças que conheci nas escolas têm o sonho de alcançar algo na vida. Como é que lhes posso mentir e dizer que podem concretizar os desejos, se o nosso país está a desaparecer?

Imploro aos países do mundo para verem o que está a acontecer ao Kiribati. A verdade é que não temos recursos para nos salvarmos. Vamos ser os primeiros a desaparecer.»

 

Problema assumido

A situação do Kiribati é grave e o país poderá mesmo afundar-se antes de 2050. Em 2014, o governo gastou sete milhões de dólares em terrenos nas ilhas Fiji para ter um espaço para cultivo e refúgio, caso seja precisa uma evacuação urgente.

Já em 2016, o presidente cessante, Anote Tong, aconselhou a população a «emigrar com dignidade» para países vizinhos. Um homem tentou fazê-lo para a Nova Zelândia e iniciou uma disputa em tribunal para ser o primeiro refugiado das alterações climáticas. Perdeu.

Para David Katoatau, a situação deixa-o inconsolado. «A maior parte das pessoas nem sabe onde é o Kiribati. Uso a minha dança para mostrar isso ao mundo. Não sei quantos anos faltarão até a ilha desaparecer», lamenta.

O seu treinador, Paul Coffa, um australiano de origem italiana, compreendeu as limitações de David e o objetivo no Rio de Janeiro: «Não tem a ver com a medalha de ouro, estes miúdos não têm capacidade para isso. Para ele, o simples facto de transportar a bandeira para o mundo a ver já é muito importante. É o estar lá.»

 

Condições de treino

O subtítulo existe, está a negrito a separar os parágrafos e tudo, mas o conteúdo não. Pelo menos no Kiribati. «Não havia ginásio quando comecei a praticar halterofilismo, quando era mais novo, e continua sem existir», contou David.

«Tinha de ir treinar para a praia. Como a barra ficava demasiado quente por causa do sol, tinha de ser às seis da manhã», acrescenta o halterofilista que foi treinar e viver para a Nova Caledónia com 16 anos.

O futuro continuava incerto na altura. Depois de perder a primeira casa para as ondas, David e os pais construíram outra. «Mas está próxima do mar e estamos sempre preocupados.»

14 de Julho, 2020

Majlinda Kelmendi. Um título histórico para o Kosovo

Rui Pedro Silva

Majlinda Kelmendi

Judoca de 25 anos conquistou o primeiro título olímpico na história do Kosovo, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. O sonho concretizado serviu de sinal para o jovem país: «Provei que podemos ser campeões olímpicos se quisermos, mesmo vindo de um país pequeno e pobre».

Majlinda Kelmendi nasceu a 9 de maio de 1991 e não teve uma infância tranquila. No meio da guerra dos Balcãs, a judoca kosovar cresceu com as marcas da destruição muito visíveis à sua volta e com poucas oportunidades de ser alguém na vida.

O judo, que começou a praticar com oito anos, surgiu como a forma ideal para encontrar um propósito: «Tenho a certeza que se não fosse o judo, não seria ninguém, especialmente no Kosovo».

«Comecei a gostar porque fiz novos amigos, vi novas cidades e percebi que era uma forma de ser alguém. No início, os meus pais não acreditavam que conseguisse resistir, mas quando viram o quanto trabalhava e o quão boa era, ficaram muito felizes e orgulhosos», recorda, em entrevista ao Financial Times em maio de 2012.

O treinador Driton Kuka, com quem está desde os nove anos, tornou-se uma peça fundamental da sua evolução. «Desde o início que vi em Majlinda algo que outros não têm: é ambiciosa, muito corajosa e uma verdadeira lutadora», disse.

 

Batalha pelo reconhecimento

A maior luta na carreira de Majlinda Kelmendi não foi num pavilhão. O sonho de representar o Kosovo nos Jogos Olímpicos existiu desde sempre mas o Comité Olímpico Internacional não permitiu que o jovem país participasse em 2012, em Londres.

Na altura, Majlinda Kelmendi criticou o lado político da discussão: «Trabalhei muito para isto. Não quero ter alguém a dizer que não é possível fazê-lo em Londres. Não percebo por que tem tudo de ser político».

A judoca garantiu também que, acontecesse o que acontecesse, iria representar o povo do Kosovo em Londres. E fê-lo, com as cores da Albânia, perdendo na segunda ronda na categoria de -52 quilos.

 

O dia em que tudo mudou

Terça-feira, 9 de dezembro de 2014. Majlinda Kelmendi era bicampeã mundial e campeã europeia na sua categoria quando o Comité Olímpico Internacional reconheceu o Kosovo e abriu a possibilidade de o país competir no Rio de Janeiro.

Desde o primeiro momento, Majlinda saltou para a ribalta. O primeiro-ministro Hashim Thaci reagiu no próprio dia a garantir que a bandeira do Kosovo seria mostrada na cerimónia de abertura e que seria a judoca a segurá-la.

Para a atleta, a sensação seria a mesma que antevia em 2010: «Serei a pessoa mais feliz do mundo se representar o Kosovo. Somos um novo Estado, por isso seria a oportunidade ideal para mostrar ao mundo que no Kosovo há muitos jovens que conseguem fazer coisas boas».

O contrário também era verdade. A partir desse momento, os jovens kosovares ganhavam o direito de sonhar em representar o país no palco desportivo mais importante. «Foi o melhor que podia ter acontecido ao Kosovo», declarou.

 

Glória ao segundo dia

O Kosovo chegou aos Jogos Olímpicos com oito atletas (cinco mulheres e três homens divididos entre judo, atletismo, natação, ciclismo de estrada e tiro) e só precisou de dois dias para se tornar o centésimo país a vencer uma medalha de ouro.

Na final dos -52 quilos, Majlinda Kelmendi derrotou a italiana Odette Giufrida e escreveu um capítulo histórico. «Há momentos que só vivemos uma vez. Hoje foi um deles. Quando o Thomas Bach [presidente do Comité Olímpico Internacional] me entregou a medalha, disse que tinha cumprido a minha parte do acordo. Ele sempre apoiou muito o desporto kosovar.»

«É um dia especial para mim, para a minha família, para o meu treinador, para o meu país e, especialmente, para as crianças do Kosovo. Provei que podemos ser campeões olímpicos se quisermos, mesmo vindo de um país pequeno e pobre», acrescentou.

Kelmendi, uma jovem que não gostava muito de festas e que só tinha três ou quatro amigos porque só tinha tempo para treinar, festejou, por fim. E viu todos os seus sacrifícios serem recompensados à primeira grande oportunidade.

«O Kosovo não é apenas um país que sobreviveu a uma guerra. Nós temos uma nova geração incrível. Tive tantas ofertas para defender outros países, com muitos milhões envolvidos, e recusei só para poder sentir o que senti hoje. É inacreditável.» 

13 de Julho, 2020

Yusra Mardini. Nadar para salvar a vida e acabar nos Jogos Olímpicos

Rui Pedro Silva

Yusra Mardini

Síria foi obrigada a nadar pela vida depois de a embarcação em que seguia com 20 refugiados ter naufragado. Durante três horas, juntamente com a irmã, garantiu a segurança de todos e desencadeou uma série de eventos que a levou a participar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, um ano depois.

Yusra nasceu em Damasco a 5 de março de 1998. Filha de um treinador de natação, não foi preciso esperar muito até ser lançada à água para dar as primeiras braçadas. Tinha três anos e não sabia o que queria no futuro, mas tinha uma vida inteira pela frente.

Viver na Síria era garantido. Gostava do país, da cidade em que vivia, dos amigos, da escola. De tudo. Mas, dez dias depois de festejar o 13.º aniversário, tudo mudou com a guerra civil. No início, a novidade fazia com que o tema fosse recorrente na escola, mas com o passar dos meses tudo se tornou mais assustador.

Nunca abandonou a natação. Mas não foi fácil. Por vezes, estava a caminho de uma prova quando recebia um telefonema da mãe, preocupada com os bombardeamentos: «Volta para casa». Na piscina onde treinava habitualmente também não era fácil. «O teto ficou com buracos depois de um bombardeamento e tivemos de parar. Houve muitos jogadores de futebol que conhecia que morreram durante os bombardeamentos», revela.

A situação tornou-se insustentável. A casa onde viviam tinha sido destruída e Yusra e a irmã Sarah sentiram-se obrigadas a tomar uma decisão: abandonar a Síria. «Talvez morra pelo caminho, mas no meu país estou quase morta. Não há nada que possa fazer», recordou depois.

A decisão não foi simples. Os pais iam ficar para trás: «Tinha medo que algo acontecesse a uma de nós e do que isso faria à minha mãe».

 

A aventura que mudou tudo

A partida começou em agosto de 2015. Foram em direção ao Líbano e daí partiram para a Turquia. Pelo meio, passaram quatro dias no meio da floresta, sem comida, sem água e entregues à vontade de traficantes. Até ao dia em que, a troco de dinheiro, garantiram um barco que as levaria para a Grécia.

A embarcação, que não deveria levar mais do que seis ou sete pessoas, estava a abarrotar com vinte refugiados. Sem potência suficiente, o motor parou durante a viagem. As polícias marítimas ignoraram os pedidos de ajuda e Yusra e a irmã sentiram que estava na altura de agir, juntamente com as outras duas únicas pessoas que sabiam nadar.

Não foi fácil. Num primeiro momento, Yusra e Sarah discutiram enquanto a água continuava a entrar para o barco. A irmã mais velha não queria que Yusra também fosse para a água. Mas não tinha alternativa. «Pensei que seria uma grande vergonha se, sendo nadadora, morresse afogada», relembra numa das inúmeras entrevistas que deu.

«Não ia ficar ali, impávida, a queixar-me que me ia afogar. Se era para acontecer, ao menos afogava-me orgulhosa de mim e da minha irmã. Teria sido uma vergonha se as pessoas no barco morressem. Era gente que não sabia nadar», recorda.

O que se seguiu foi um esforço sobre-humano, especialmente para alguém com 1,68 metros e 53 quilos. Com uma corda atada a um dos pulsos, nadou durante três horas e meia. Quando ainda faltava meia hora para chegar a Lesbos, perdeu as forças e teve de regressar para dentro do barco, deixando apenas três pessoas a nadar: «Estava sem força e tinha tanto frio...»

 

O novo capítulo

O mais difícil estava feito. Por muito que pudesse acontecer a partir daí, os dois maiores desafios tinham sido ultrapassados: escapar à guerra civil e à travessia no Egeu com vida.

«É duro, foi muito difícil para toda a gente. Não censuro quem tenha chorado. Mas acho que às vezes temos de seguir em frente. Às vezes, os problemas podem ser o ponto de partida para uma mudança de vida. Quando tens um problema, este não te obriga a que fiques sentada a chorar como um bebé», garante.

Foi esta força redobrada que permitiu encarar o caminho até Berlim de forma tranquila, apesar da desinformação que havia em relação aos refugiados: «Muitas pessoas pensam que os refugiados não têm casa, que não têm nada. Às vezes, as pessoas ficavam surpreendidas quando me viam com um iPhone. Acham que vivemos numa espécie de deserto, mas não, tínhamos tudo como noutros países.»

Mardini passou pela Macedónia, Sérvia, Hungria, Viena e Munique antes de chegar à capital alemã em setembro de 2015. Na sua mente, só pensava em encontrar uma piscina para continuar a nadar. Afinal, era essa a sua maior paixão. Mas não em mar alto, a lutar pela sua vida, pela da irmã e pela de mais 18 refugiados, inclusivamente um rapaz de seis anos. Não, queria estar numa piscina em condições, sem receio das bombas que pudessem cair a qualquer instante.

 

De Berlim ao Rio de Janeiro

Yusra descobriu que havia um clube de natação perto do centro de refugiados: o Wasserfreunde Spandau 04. Um dia, decidiu ir lá com a irmã.

«Viram que a nossa técnica que era boa e aceitaram-nos», relembra Yusra. Com o passar das semanas, as marcas de uma viagem extenuante e de uma alimentação deficitária deixaram de se fazer sentir e a adolescente continuou a progredir e a dar nas vistas até que em março de 2016 entrou para uma lista de refugiados que poderiam fazer parte da equipa oficial para os Jogos Olímpicos.

Dois meses depois, a notícia chegou por e-mail. Tinha sido escolhida. Se até aí já era uma história que fazia sensação na imprensa internacional, o passo que faltava ser dado tornou tudo ainda mais mediático. Por isso, a síria de 18 anos aceitou o desafio de servir de exemplo.

«Quero mostrar a toda a gente que a seguir à dor e à tempestade chegam dias mais calmos. Não quero que desistam dos sonhos, quero que façam o que vos diz o coração, mesmo que pareça impossível», atira.

 

A pensar em Damasco

A vida de Yusra Mardini estava radicalmente diferente em relação ao que era um ano antes e a nadadora estava a caminho de participar nos 100 metros mariposa (40.ª no final e com uma eliminatória ganha) e nos 100 metros livres (45.ª), sem esquecer o passado.

«Sinto muito a falta de Damasco e sei que vou voltar um dia. Sinto a falta de todas as pessoas e quero muito que se lembrem de mim. Muitas pessoas ali esqueceram-se dos seus sonhos e espero que todos possam sonhar para alcançar algo bom no futuro», explica.

E vai mais longe: «Quero que as pessoas saibam que os refugiados são pessoas normais que perderam as casas. Não foi só porque queriam fugir, porque queriam ser refugiados».

Nas piscinas do Rio de Janeiro, por uns minutos, a história de vida foi relegada para segundo plano: «Na água não faz diferença se és refugiado, se és sírio, se és alemão. Na água estás só tu e os teus adversários». 

10 de Julho, 2020

Shin A Lam. Perder a «vida» num segundo

Rui Pedro Silva

Shin A Lam

Esgrimista sul-coreana bateu o recorde olímpico de lágrimas derramadas depois de perder de forma trágica no duelo das meias-finais. Durante um curto espaço de tempo, Shin A Lam julgou que tinha garantido a vitória mas afinal ainda havia um segundo para disputar. E aí, de forma surpreendente, a alemã Britta Heidemann conseguiu um toque decisivo.

Conhecem a famosa lengalenga, muito utilizada na prevenção rodoviária, que mais vale perder um segundo na vida do que a vida num segundo? Se alguma vez se cruzaram com Shin A Lam, uma sul-coreana nascida a 26 de setembro de 1986 e uma das melhores esgrimistas asiáticas, não se espantem se ela não gostar muito da expressão.

Em julho de 2012, durante os Jogos Olímpicos, Shin A Lam sentiu que tinha, de facto, perdido a vida num segundo. E poucos instantes depois de ter sentido o sabor da vitória a descer-lhe pelo corpo.

A história explica-se de forma curta mas dolorosa. O resultado entre Lam e Heidemann estava empatado e, de acordo com os regulamentos, a sul-coreana teria direito ao triunfo se não houvesse qualquer toque durante o minuto de morte-súbita. E foi isso que aconteceu. Ou assim pensou Lam.

Instantes depois, o relógio foi ajustado para um segundo. Lam teria tudo para evitar o toque naquela margem curtíssima, mas a alemã arriscou e conseguiu algo impensável. A sul-coreana nem queria acreditar, sentando-se na estrutura e chorando compulsivamente.

«Acho injusto. O segundo já tinha terminado. Acho que devia ter vencido», disse na conferência de imprensa, pouco tempo depois, através de um intérprete. Pior: no duelo pela medalha de bronze, Shin A Lam voltou a perder, desta feita contra a líder do ranking mundial, a chinesa Sun Yujie.

A esgrimista teve muitas dificuldades para se conseguir recompor. Tinha perdido uma vida de trabalho naquele segundo, quando tudo estava encaminhado para garantir, no mínimo, a primeira e única medalha individual da sua carreira.

«Não entendo como é que isto pode ter acontecido e não vejo mesmo forma de expressar o que estou a sentir neste momento. Ando a tentar e a trabalhar para uma medalha há quatro anos e agora perdi-a num segundo. É impossível de aceitar. Ainda não sei, tal como a maior parte das pessoas, por que razão o jogo não foi declarado finalizado antes do toque», continuou.

A federação defendeu-se, escudando-se num problema técnico provocado por ter havido um toque duplo a um segundo do fim. Do outro lado, Brita Heidemann foi fiel à mentalidade germânica: «Sempre que há um toque é uma questão de um segundo. Também já passei por isto e estou feliz com a decisão que foi tomada. A discussão é desnecessária».

Nem tudo foi mau para Shin A Lam. Na semana seguinte, na prova por equipas, integrou a seleção da Coreia do Sul que, de forma algo surpreendente, chegou à final com a China. As sul-coreanas podem ter perdido mas pelo menos Lam conquistou uma medalha de prata.

E não foi a única daquela edição. Sensível ao sofrimento de Shin A Lam, a federação internacional de esgrima, decidiu-se pela atribuição de uma «medalha especial» à sul-coreana, atribuída com base no «objetivo de vitória e respeito pelas regras».

E será que Shin A Lam gostou da distinção? «Não me faz sentir melhor porque não é uma medalha olímpica. Não aceito o resultado porque acho que foi um erro.» Lá se foi o respeito pelas regras, acrescentamos nós.

09 de Julho, 2020

Edith Bosch. Uma judoca está sempre de serviço

Rui Pedro Silva

Edith Bosch

Holandesa demonstrou nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, que era mais do que uma simples judoca (com direito a medalha) quando decidiu fazer justiça pelas próprias mãos ao ver um espetador a atirar uma garrafa para a pista imediatamente antes da final masculina dos 100 metros de atletismo.

Edith Bosch foi uma nota de rodapé em Londres-2012 e, ao mesmo tempo, cabeçalho. O mundo acordou para a sua existência quando se preparava em peso para ver mais uma final de Usain Bolt mas, verdade seja dita, o currículo da holandesa, nascida em 31 de maio de 1980, dispensava apresentações.

Depois de se estrear em Sydney-2000, com apenas vinte anos, Bosch partiu para uma série de três edições consecutivas a terminar no pódio, na categoria de -70 quilos. Nunca foi campeã olímpica, é certo, mas teve sempre um metal para trincar.

Em 2004, em Atenas, só foi travada na final e conquistou a medalha de prata. Quatro anos depois, numa campanha que incluiu uma vitória sobre Ronda Rousey, contentou-se com o bronze. Finalmente, em Londres-2012, já com 32 anos, voltou a ficar com o terceiro lugar do pódio.

Não sendo um currículo absolutamente brilhante – há melhores no judo – não deixa de ser um resultado sensacional e ao alcance de poucos. Até porque, além dos Jogos Olímpicos, tem também um palmarés invejável em Mundiais (um ouro, uma prata e um bronze) e nos Europeus (quatro ouros, uma prata e dois bronzes).

Dito isto tudo, o que catapultou Bosch para a fama em 2012 não aconteceu num tatami mas no Estádio Olímpico. Depois de ver que um espetador atirou uma garrafa para a pista, decidiu enfrentá-lo. Deu-lhe um soco, controlou-o e entregou-o aos seguranças, para gáudio de quem assistiu à demonstração de manobras judocas aplicadas à vida real.

08 de Julho, 2020

Liu Xiang. Um chinês de sofrimento prolongado

Rui Pedro Silva

Liu Xiang

Velocista chinês era um especialista das barreiras e considerado, sem favor, um dos melhores do mundo. O azar bateu-lhe sempre à porta e não conseguiu ganhar quando mais queria. Depois da enorme desilusão de Pequim em 2008, os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, voltaram a ser uma página para esquecer. A última de um livro que merecia mais.

Liu Xiang era uma das estrelas do desporto olímpico chinês mesmo antes de haver o impulso dos Jogos de Pequim, em 2008. Vencedor da medalha de ouro nos 110 metros barreiras em Atenas, com 21 anos, o atleta teve um início de século XXI memorável.

Foi medalha de bronze nos Mundiais de Paris, em 2003, prata em Helsínquia-2005 e ouro em Osaka-2007. Em Pequim, com as expectativas ao rubro, Xiang teve a primeira grande desilusão olímpica.

Nas eliminatórias dos 110 metros barreiras no Ninho de Pássaro, o chinês abandonou a pista depois de uma falsa partida de um rival sem prestar grandes explicações. Não estava em condições. Estava a sofrer de uma inflamação recorrente no tendão de Aquiles e não se sentiu capaz de completar a prova.

Apesar das promessas de recuperar a uma condição física perfeita, Xiang não voltou a competir nesse ano e falhou os Mundiais de 2009, em Berlim. Com os olhos em Londres-2012, a sua grande meta, voltou a subir ao pódio num grande palco quando foi medalha de prata em Daegu-2011.

Estava tudo pronto para o regresso ao palco olímpico. Sem lesões, com muita vontade de triunfar e… com o apoio de milhões de chineses. Só que o azar bateu-lhe à porta novamente. Uma vez mais, o tendão de Aquiles não quis nada com ele, provocando uma lesão grave que o fez cair na primeira barreira.

Desta vez, porém, Xiang insistiu em cruzar a meta, por uma questão de teimosia. O corpo traíra-o novamente, da pior maneira, mas o chinês não se incomodou. Chegou tarde, muito depois de todos os outros adversários, e só conseguiu abandonar o estádio de cadeira de rodas.

Parecia impossível mas não estava destinado. A estreia promissora em Atenas-2004 tinha sido sucedida por constantes problemas físicos. Sabendo que aquela era a sua despedida definitiva, beijou o último obstáculo e saiu pela porta pequena, apesar da enorme ovação do público.

Foi um fim inglório. Ninguém merecia, muito menos Liu Xiang.

07 de Julho, 2020

Hamadou Djibo Issaka. Remar para a história

Rui Pedro Silva

Hamadou Djibo Issaka

Gostava de água e até era um nadador apaixonado mas nunca pensou que um dia poderia estar nos Jogos Olímpicos. Aconteceu em Londres, em 2012, no remo. O homem do Níger foi convidado três meses antes e não virou as costas ao desafio, mesmo que estivesse destinado a ser visto como uma aberração pelos rivais.

Hamadou Djibo Issaka foi o Eric Moussambani dos Jogos Olímpicos de Londres. Não tinha talento para ser atleta olímpico mas beneficiou das iniciativas globais do Comité Olímpico Internacional para levar cada vez mais modalidades a mais países e acabou por ser o representante do Níger, um país com muito pouca água, na competição de remo.

Jardineiro de profissão e nadador nos tempos livres, Issaka aceitou o repto três meses antes do início da competição e lançou-se num plano de preparação que exigia, acima de tudo, que aprendesse a remar.

As primeiras lições surgiram no Egito mas depois prosseguiu o planeamento na Tunísia. Conquistando o disputadíssimo, ou talvez não, campeonato nacional de remo no Níger, surgiu em Londres feliz, entusiasmado e determinado em mostrar a todos o orgulho de um país. E nada mais do que isso.

Na primeira prova em que participou, de dois mil metros, demorou mais de oito minutos a cumprir a distância, terminando praticamente a um minuto do penúltimo classificado. Enquanto os favoritos iam avançando rumo à luta pelas medalhas, Issaka entrava de rompante nas manchetes da imprensa um pouco por todo o mundo.

Apaixonados por histórias de desajeitados sem grande talento para o que fazem, os jornalistas foram dando cada vez mais destaque à pessoa por trás do atleta. O público mordeu o anzol e começou a preocupar-se em acompanhar o que poderia fazer o nigerino na competição. Só havia duas coisas garantidas: o último lugar e os fortes aplausos.

Os rivais – e históricos remadores – não agradeceram propriamente a presença de um intruso a roubar a atenção da essência da modalidade. O histórico Steve Redgrave foi um dos que lançou críticas à organização, garantindo que não encontrava qualquer razão que valesse a pena para Issaka estar a competir, retirando lugar a atletas com mais qualidade.

A verdade é que Issaka, tal como Moussambani, e muitos outros pelo caminho, não tiram lugar a ninguém. Têm uma quota específica pensada ao pormenor para criar paixão por novas modalidades um pouco por todo o mundo e, quem sabe, inspirar novas gerações de atletas.

Dentro de água, claro, Issaka não fugiu ao seu destino. Terminou em último lugar na repescagem, em último lugar na meia-final dos piores classificados e… em último lugar da final F. Foi, portanto, o último dos últimos dos últimos dos últimos. Ou, se quisermos ver o copo meio-cheio – de uma forma bastante mais interessante –, o primeiro remador do Níger em Jogos Olímpicos.

06 de Julho, 2020

Sarah Attar. Uma mulher a competir pela Arábia Saudita

Rui Pedro Silva

Sarah Attar

Viveu toda a vida nos Estados Unidos mas recebeu um telefonema para competir pela Arábia Saudita poucos meses antes dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Foi uma das duas primeiras mulheres a participar pelo país árabe e ajudou a marcar um progresso lento mas que continuou para o Rio de Janeiro.

O Comité Olímpico Internacional estava a pressionar a Arábia Saudita para apresentar, pela primeira vez na história, mulheres nos Jogos de Londres em 2012. Esse desejo era partilhado por Arwa Mutabagani, uma figura do hipismo saudita e a primeira mulher a fazer parte do Comité Olímpico Saudita.

Um dia, em conversa, com um tio de Sarah Attar, Arwa confessou essa vontade. Do outro lado ouviu: «Tenho uma sobrinha que faz atletismo nos Estados Unidos.» Graças a isso, em fevereiro de 2012, na Califórnia, a família Attar recebeu um telefonema inesperado.

O Comité Olímpico Saudita queria saber se Sarah, de pai saudita e mãe norte-americana, estaria disposta a competir em Londres. «Os Jogos Olímpicos sempre foram aquilo em que os atletas de elite estavam… e eu via na televisão. Nunca tinha pensado fazer parte disso, foi estranhíssimo», afirmou Sarah, na altura com 19 anos.

«Assim que me perguntaram pelos tempos que fazia, pensei que já não teria hipótese, não tinha mínimos, iam perceber que não estava ao nível desejado», recorda, não sabendo na altura que o Comité Olímpico Internacional ia abrir vagas excecionais.

Sarah ia mesmo para Londres. Ia quebrar barreiras e correr duas voltas ao estádio na prova de 800 metros. A distância não era perfeita mas afigurava-se como a escolha possível. «Não queria arriscar correr os dez mil metros e passar a vida a ser dobrada pelas outras», afirmou.

A condição física não foi a única preparação necessária para Sarah, era preciso obedecer à lei islâmica. Numa primeira fase, todas as fotografias que Sarah tinha na internet de calções, tops ou cabelo descoberto foram apagadas. Depois, juntamente com a mãe, teve de arranjar uma forma de encontrar um equipamento que satisfizesse os sauditas.

Chegada a Londres, o impacto mediático não se fez esperar. Logo na cerimónia de abertura, foi notório o posicionamento da comitiva, com as duas únicas mulheres, Sarah e uma judoca, Wojdan Shaherkani, a surgirem apenas no final, atrás de todos os homens. Segundo Sarah, foi um acaso: «Não foi nada pensado, não houve obrigação. Acho que até foi um modo de ser uma revelação, de deixar a novidade para o fim. Eles gostaram que estivéssemos ali com eles».

Na Arábia Saudita, alguns estudiosos lamentaram a novidade: a presença de Sarah foi vista de forma negativa porque entenderam que era uma forma de o país agradar internacionalmente sem ser obrigado a mudar, de facto, alguma coisa a nível interno.

Sarah manteve o otimismo: «Se tudo correr bem, isto fará uma enorme diferença». Mesmo a nível pessoal, não conseguia evitar a sensação única: «Há pessoas que se dedicam uma vida inteira a isto, quatro anos, oito anos, sem parar. Comigo, vieram-me perguntar se queria».

Em pista, cumpriu-se o esperado. Ficou imediatamente para trás nos primeiros 100 metros e terminou a sexta série das eliminatórias a 43 segundos da vencedora e a mais de 30 da penúltima. Ao cortar a meta, recebeu uma enorme ovação de que, na verdade, mal se apercebeu. «Só queria garantir que continuava a correr, não dei por nada, eram apenas… cores», confessou.

«Estava a correr por todas as mulheres na Árabia Saudita, por todas as raparigas que assim tiveram alguém a representá-las, a mostrar-lhes algo que pode ser um objetivo para o futuro.»

A mentalidade na Arábia Saudita mudou, mesmo que pouco, desde a participação de Attar nos Jogos Olímpicos de Londres. Em 2011, numa das visitas frequentes que faz para visitar a família, decidiu ir correr e precisou da ajuda para se vestir como se fosse um homem para não ser importunada na rua. A descrição é feita pelo pai, Amer: «Pôs um chapéu, umas calças de fato de treino e uma camisola com mangas compridas e disse-lhe para começar a correr. Ia a conduzir perto dela e se acontecesse alguma coisa, logo se veria o que faríamos».

A corrida não durou muito. «Foram literalmente cinco minutos. Um carro cheio de homens de vinte e qualquer coisa anos apareceu e eles começaram a gritar connosco. Decidimos parar.»

O regresso foi diferente. Depois de 2012, já ninguém a incomodava e até conseguiu avistar outras mulheres a correr, uma delas com o marido.

Sarah Attar está a aproveitar a experiência para servir de exemplo quando visita a Arábia Saudita. «Sempre que lá vou, as raparigas dizem-me que as inspiro muito. Mesmo que seja só um pequeno passo, já é fantástico», diz.

Agora, a saudita tem até um mural com uma imagem da sua participação em Londres e fala nas escolas para contar a experiência. «Sinto-me como uma celebridade. Todas querem o meu autógrafo e escreveram-me cartas a dizer o quanto as inspirei a fazer desporto. Numa das escolas, perguntei quantas queriam participar nos Jogos Olímpicos e todas levantaram a mão.»

A atleta lembra que este tipo de fascínio não desaparece. São estes momentos, de viver a experiência por perto, que farão a diferença para sempre, garante.

A Arábia Saudita voltou a apresentar mulheres nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Desta vez foram quatro e Sarah Attar voltou a estar presente, agora na maratona. Ao contrário dos 800 metros, esta é uma distância em que se sente mais à vontade e na qual tem mais experiência. Em 2013, por exemplo, correu a maratona de Boston, terminando ainda antes das explosões. Desde então, voltou sempre.

No Brasil, apresentou-se com um recorde pessoal de 3:11.27. Continua a ser um tempo modesto mas, lá está, a atleta valoriza mais a experiência e o impacto que poderá ter na mudança na mentalidade na Arábia Saudita.

Uma dessas influências foi imediata. Outra das atletas sauditas no Rio foi a velocista Kariman Abuljadayel, que competiu nos 100 metros – foi sétima na terceira série com um tempo de 14,61 segundos. «Ela veio ter comigo na maratona de Boston há dois anos e disse-me que estava a correr por causa do que eu tinha feito em Londres. Foi exatamente por isto que fiz o que fiz.»

De última nos 800 metros, Sarah Attar passou para penúltima na maratona, com um tempo de 3:16.11. A experiência, ainda assim, foi tão boa ou melhor do que em Londres: «Durante a prova, consegui ver onde estavam as atletas da frente porque andávamos em circuito. Estar com um olho nas líderes enquanto se está a correr é surreal. Elas são as melhores do mundo.»

Conta que fez praticamente toda a corrida com a singapurense Neo Jie Shi. Mesmo sem falarem, foram puxando uma pela outra, fazendo turnos à frente. As duas estavam nos últimos lugares mas não se importavam: o objetivo era terminar.

03 de Julho, 2020

Usain Bolt. Como nascem as lendas?

Rui Pedro Silva

Usain Bolt

Jamaicano já era recordista dos 100 metros e até tinha passado pelos Jogos Olímpicos em 2004 mas continuava a passar pelos intervalos da chuva entre os adeptos sazonais do atletismo. A partir dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, tudo mudou. Hoje, mais de uma década depois, não há ninguém que não conheça o melhor velocista da história.

Usain Bolt e Michael Phelps foram as duas estrelas mais brilhantes dos Jogos Olímpicos que a China mostrou em 2008. Numa organização em que se pensou tudo em grande, houve dois atletas que responderam ao chamamento e fizeram desta edição uma das mais memoráveis de sempre.

Os dois atletas têm pontos em comum. Tal como Phelps, Bolt também se estreou em Jogos Olímpicos como um adolescente desconhecido. Porém, se o norte-americano nadara com 15 anos em 2000, o jamaicano correra apenas em 2004, nos 200 metros, e sem sequer chegar à final.

O problema? As lesões. Os problemas físicos marcaram grande parte da evolução de Bolt até aos Jogos de Pequim. Com talento e potencial para se tornar um dos velocistas mais importantes de sempre, Bolt foi somando lesões, sobretudo nos momentos mais importantes, como o Mundial em 2005.

Quando chegou à China, em 2008, o currículo do jamaicano estava longe de ser impressionante. Tinha apenas duas medalhas em Mundiais, ambas em Osaka, ambas de prata, nos 200 metros e na estafeta dos 4x100. Por outro lado, já era o recordista mundial dos 100 metros, com uma marca de 9,72 segundos estabelecida poucos meses antes de Pequim.

Se até lá, Bolt tinha pouco para mostrar, sobretudo ao nível de pódios em grandes palcos, a partir dos Jogos de 2008 tudo mudou. Com uma capacidade impressionante para galgar metros atrás de metros – sobretudo por ser muito alto e com uma passada larga –, Bolt começou a ganhar a dar de avanço.

Pese o exagero, era isso que parecia. Havia sempre três pontos em comum nas suas corridas: os arranques eram lentos, as acelerações eram arrasadoras e os finais eram… em descompressão, tal era a vantagem sobre os rivais. Mesmo com este tri de características muito próprias, Usain Bolt bateu novamente o recorde do mundo dos 100 metros (9,69 segundos) e subiu ao lugar mais alto do pódio em três provas: 100, 200 e 4x100 metros.

Pequim foi a apresentação plena de Usain Bolt ao mundo. Os adeptos – e até os curiosos – deixaram de ver as provas de 100 metros para saber quem ganhava; preocupavam-se apenas em perceber se Bolt iria finalmente correr uma prova rápida do início ao fim e qual seria o derradeiro tempo de recorde mundial.

Em 2009, logo no ano seguinte, nos Mundiais de Berlim, Usain Bolt cumpriu a distância com uma marca de 9,58 segundos. O jamaicano tinha apenas 22 anos e a dúvida dos especialistas – e de toda a gente, na verdade – passou a ser se seria possível correr o hectómetro em menos de nove segundos e meio.

Talvez Bolt fosse capaz de fazê-lo. Mas nunca mais se aproximou dessa marca. Durante os anos seguintes, até terminar a carreira, demonstrou vezes e vezes sem conta, mesmo quando os adversários começaram a encurtar as distâncias, que a sua aura era imbatível.

Com uma personalidade contagiosa, uma boa disposição constante e resultados em pista, Usain Bolt tornou-se um favorito dos adeptos. Depois de novos tripletes de medalhas de ouro em 2012 e 2016, teria tudo para fazer história com nove medalhas de ouro no atletismo mas… viu o ouro da estafeta dos 4x100 de Pequim-2008 ser-lhe retirado depois de um dos seus compatriotas, Nesta Carter, ter acusado doping.

Nunca ninguém o conseguiu vencer em pista, num grande palco como os Jogos Olímpicos, desde a verdadeira estreia. Usain Bolt foi sempre mostrando quem era e o que valia e no final fica apenas uma derrota memorável: o dia em que uma falsa partida o impediu de conquistar a medalha de ouro nos 100 metros dos Mundiais de Daegu, em 2011. Não fosse isso e teria conseguido ser campeão mundial dos 100 e 200 metros entre 2009 e 2015.

Em 2017, no último adeus à velocidade, não passou do terceiro lugar dos 100 metros nos Mundiais de Londres. A passagem de testemunho foi, ainda assim, estranha: o novo campeão foi Justin Gatlin, o norte-americano com um passado de doping, campeão dos 100 metros em Atenas-2004 e habituado a estar na sombra constante de Bolt.

02 de Julho, 2020

Michael Phelps. Quando as madrugadas não deram sono

Rui Pedro Silva

Michael Phelps

Foi a narrativa mais acompanhada dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Michael Phelps partiu para a China com o objetivo de superar Mark Spitz e conseguir o que nunca ninguém tinha alcançado: oito medalhas de ouro numa edição da prova.

A estreia do nadador norte-americano em Jogos Olímpicos aconteceu em 2000, em Sydney. Tinha apenas 15 anos, era uma das grandes revelações da natação dos Estados Unidos, e tinha o objetivo de se intrometer entre a elite nos 200 metros mariposa, a sua grande especialidade ao longo da carreira.

Pela primeira vez – e única – ao longo das suas participações olímpicas, ficou fora do pódio. Terminando no quinto posto, ficou a 33 centésimos da medalha de bronze e a mais de um segundo do seu compatriota, Tom Malchow, que venceu o título com um novo recorde olímpico.

Sydney é poucas vezes lembrado na carreira olímpica brilhante de Michael Phelps, que se estendeu até o Rio de Janeiro em 2016, com 23 medalhas de ouro, três de prata e dois de bronze, num recorde impressionante (e imbatível até prova em contrário, como tantos outros) de 28 pódios.

Se em Atenas fez história pela primeira vez ao igualar o recorde do ginasta Aleksandr Dityatin (Moscovo-1980) de oito medalhas numa única edição, graças a seis medalhas de ouro e duas de bronze, em Pequim-2008 o objetivo foi ainda mais ambicioso. Michael Phelps queria ser imortal e nadou para isso, atrás de umas impressionante oito medalhas de ouro em oito provas.

O mundo parou. Noite após noite – sempre madrugada em Portugal–, os fãs paravam para ver se o norte-americano tinha mais olhos do que barriga ou se aqueles braços longos como tentáculos iam garantir que se fizesse história à frente dos nossos olhos.

A melhor forma de descrever o que aconteceu? Foi incrível. Com quase nenhum tempo para descansar, Phelps correspondeu às expetativas e foi medalha de ouro nos 200 metros livres, 100 e 200 metros mariposa, 200 e 400 metros estilos, 4x100 e 4x200 livres e 4x100 estilos. O mais impressionante? Fê-lo com um total de sete recordes mundiais. Só nos 100 metros mariposa foi obrigado a contentar-se com um… recorde olímpico.

Entre as oito provas, duas ficaram na memória. A sétima que venceu foi talvez a mais histórica, não só por igualar Mark Spitz, mas porque esteve, até à última fração de segundo, em desvantagem perante o sérvio Milorad Cavic. No final, em super câmera-lenta, percebeu-se que a última braçada foi decisiva para vencer por apenas um centésimo.

A outra está mais ligada a Jason Lezak. Se Phelps tem hoje o recorde que tem, muito disso se deve ao fenomenal contributo do seu compatriota no último percurso da estafeta dos 4x100 metros livres. Os franceses tinham tudo na mão para serem campeões olímpicos mas, surpreendentemente, Alain Bernard não conseguiu manter a vantagem confortável nos últimos 50 metros. Ou, dito de outra forma, talvez tenha sido Lezak que teve uma experiência extrassensorial em que deslizou pelas águas de Pequim de forma absolutamente impressionante e garantindo que Phelps poderia manter o seu objetivo intacto.

«Os recordes sempre foram feitos para serem batidos, independentemente de quem fores. Toda a gente o consegue desde que se dedique a isso», garantiu Michael Phelps depois de cumprido o objetivo.

Com a tarefa mais difícil da sua carreira para trás, Phelps manteve-se na natação, com algumas pausas e polémicas pelo meio, para garantir que ficava mesmo no topo da história. Em Londres, somou mais quatro medalhas de ouro e duas de prata e no Rio de Janeiro, em 2016, despediu-se dos grandes eventos com cinco ouros e uma prata.

O denominador comum desde 2004? Phelps ganhou sempre a prova dos 200 metros estilos, mostrando que é verdadeiramente o nadador mais completo na história do desporto.

01 de Julho, 2020

Sheila Taormina. Uma mulher com bicho de carpinteiro

Rui Pedro Silva

Sheila Taormina

Estreou-se em Jogos Olímpicos em Atlanta-1996. Conquistou uma medalha de ouro e gostou tanto da experiência que fez questão de repetir participações até Pequim-2008. Mas só por uma vez repetiu a modalidade em que competia.

Michigan é um estado de trabalhadores incansáveis. Conhecido pela sua ligação à indústria automóvel, é visto como uma das regiões dos Estados Unidos que ajudam a fazer o coração do trabalho bater. Foi lá que Sheila Taormina nasceu, a 18 de março de 1969.

Como tantas outras crianças norte-americanas, escolheu um desporto, demonstrou qualidade e acabou por especializar-se: a natação. Esta foi a semente que não parou de dar frutos no resto da sua vida e marcou cada nova aventura.

Pela Universidade da Geórgia apresentou-se ao mundo e garantiu a qualificação para os Jogos Olímpicos de Atlanta. Não podia ser mais perfeito. A nadar ao lado da universidade, integrou a equipa das estafetas dos 4x200 metros livres que conquistou a medalha de ouro com um novo recorde olímpico.

Taormina tinha acabado de alcançar algo que milhões de atletas desejam por todo o mundo, mas não estava satisfeita. Sentia que precisava de algo mais e foi à procura. Soube pegar no seu talento da natação e aplicá-lo numa nova modalidade que ia garantir a estreia nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000: o triatlo.

Na Austrália, Taormina nadou, pedalou e correu atrás de um sexto lugar na final, longe das medalhas mas saboroso o suficiente para a manter interessada nesta modalidade por mais alguns anos. Em 2004, já depois de se sagrar campeã mundial de triatlo na Madeira, repetiu pela primeira vez uma presença olímpica na mesma modalidade. Desta vez, o resultado foi sensaborão: 23.º posto.

Estava agora pronta para uma nova mudança. Se em 1996 se tinha limitado a nadar e em 2000 tinha passado de uma para três especialidades, em 2008 surgiu em Pequim com… cinco. Isso mesmo: o pentatlo moderno foi o desafio que se seguiu – e o último na sua carreira -, contribuindo para que entrasse na história como a primeira mulher a apurar-se para três modalidades diferentes em Jogos Olímpicos.

O resultado, mais uma vez, esteve longe das medalhas (19.ª), mas a história de Taormina já estava escrita. Era a de uma mulher com bicho carpinteiro que não se contentava com pouco. Foi uma sorte não ter voltado em 2012 para competir no heptatlo.