Feyisa Lilesa. Um medalhado com medo de voltar para casa
O maratonista etíope tem um recorde pessoal na prova de duas horas, quatro minutos e 52 segundos mas é muito mais lento do que as suas próprias palavras e gestos. Ao terminar a prova no Rio de Janeiro no segundo lugar, protestou contra os atos do governo em relação ao povo Oromo. Depois ficou com medo de voltar…
A maratona é uma prova de sofrimento. São mais de 42 quilómetros em que o corpo é forçado a sofrer todo o tipo de provações. O grupo da frente é grande mas vai sendo reduzido a conta-gotas. Há aqueles que nunca tiveram hipótese e forçaram o máximo de tempo possível, os que eram favoritos mas estavam num dia mau e aqueles que, simplesmente, já não conseguem dar mais.
Na maratona olímpica no Rio de Janeiro, Feyisa Lilesa foi até ao fim. Nos últimos quilómetros resistia ao lado do futuro campeão, Eliud Kipchoge, e do norte-americano Galen Rupp. O sonho de Lilesa era subir ao lugar mais alto do pódio mas terminar em segundo foi mais do que suficiente para cumprir o objetivo.
Lilesa não corria apenas por si, corria pelo seu povo. Os Oromo correspondem a 25% da população etíope e estavam a ser perseguidos pelo governo. De acordo com os dados da HRW (Human Rights Watch), 400 pessoas tinham sido mortas entre novembro de 2015 e o verão de 2016.
A chegada à meta, em pleno Sambódromo, naquela que foi a última prova de atletismo nos Jogos Olímpicos, foi a oportunidade perfeita: Lilesa cruzou os pulsos e ergueu-os acima da cabeça, oferecendo desde logo uma imagem que se tornou viral, mesmo antes de se saber a origem.
O protesto e o medo
O gesto foi adotado pelo povo Oromo para marcar os protestos contra as ações do governo. E Lilesa decidiu ser solidário, independentemente dos perigos e das consequências que o futuro lhe esperava.
«O governo etíope está a matar o meu povo e eu estou do lado dos protestos. Tenho familiares na prisão que não podem falar dos seus direitos democráticos sob pena de serem mortos», lamentou.
Depois, foi mais longe: «Se voltar para a Etiópia talvez me matem. Se não o fizerem, põem-me na prisão. Ainda não decidi, mas talvez tenha de ir para outro país».
Sob o olhar atento do mundo, o governo etíope tentou acalmar a situação e o Ministro da Informação garantiu, em declarações à BBC, que Lilesa não tinha razão para ter medo. A Etiópia não tem razão para prendê-lo, acrescenta, frisando também que não tem quaisquer familiares presos.
Desconfiança e futuro
O etíope manteve o receio e falou com insistência na possibilidade de pedir asilo, juntamente com a mulher e os dois filhos. O maratonista mais jovem da história a baixar das duas horas e seis minutos na maratona ficou sem pressa para sair do Brasil.
«Se calhar vou ter de ir para outro país. Só és livre se apoiares o governo. Sem isso não podes trabalhar», lamenta, apontando também o dedo aos países que apoiam a Etiópia: «Estados Unidos, Inglaterra, França… todos os países da Europa apoiam este governo. Eles recebem esse apoio e podem comprar metralhadoras e matar o povo. Por que é que estes países não ajudam o nosso povo?»
As ofertas de ajuda a Lilesa chegaram de todos os quadrantes. Um grupo de etíopes a residir nos Estados Unidos contratou uma equipa legal para ajudar Lilesa e a família a conseguir asilo no país.
Além disso, no espaço de um dia, uma campanha de donativos angariou 89390 dólares. Um dos últimos donativos, de 500 dólares, chegou de um etíope Oromo a viver em Dublin. «Estou muito orgulhoso de ti, meu filho. Fazes com que todos nós Oromo nos sintamos maiores», escreveu na mensagem que acompanha o donativo.
A manifestação política nos Jogos Olímpicos é proibida mas essa nunca foi uma questão que preocupasse Lilesa. «Não há nada que possa fazer, é a minha opinião, o meu país tem muitos problemas. Não há nada que me possam fazer, é o que sinto.»
Feyisa Lilesa só regressou finalmente à Etiópia em outubro de 2018, depois de o primeiro-ministro Hailemariam Desalegn se ter demitido.