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É Desporto

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04 de Junho, 2020

Derartu Tulu. A mulher que abriu caminho para a África Negra

Rui Pedro Silva

Derartu Tulu

A final dos 10 000 metros nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, foi histórica por mais do que um motivo. Primeiro, porque garantiu o primeiro título olímpico a uma mulher africana negra – a etíope Derartu Tulu; depois, porque esta corrida também valeu o regresso às medalhas da África do Sul que, terminado o apartheid, estava no evento pela primeira vez em 32 anos.

Derartu Tulu era uma jovem de 20 anos quando aterrou em Barcelona para competir nos Jogos Olímpicos. Com uma carreira a dar os primeiros passos, tinha passado grande parte da adolescência com tarefas na criação de gado – a grande tradição da família – e não tinha um grande cartão de visita que pudesse apresentar ao mundo do atletismo.

Tudo mudou a 1 de agosto, no dia das eliminatórias. Quem não a conhecia, passou a conhecer, depois de ter registado o tempo mais rápido entre as 50 atletas: 31 minutos e 55 segundos. Na final, seis dias depois, era apontada, com propriedade, como uma das principais candidatas a vencer, sabendo que se o fizesse seria tão importante para o atletismo feminino africano como Abebe Bikila, o seu compatriota, o foi nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, ao tornar-se o primeiro subsariano a vencer um título olímpico.

Tulu correu para a história, e sem abrandar. Depois de grande parte da prova ter sido marcada pelo ritmo da britânica Liz McColgan, foi a vez de a sul-africana Elana Meyer passar para a frente e levar consigo a etíope. Ali, em 1992, no rescaldo do fim do apartheid, a final olímpica dos 10 000 metros estava destinada a ser decidida entre uma africana branca e uma negra.

A etíope não desperdiçou a oportunidade de fazer história, aumentou o ritmo, deixou a adversária para trás e garantiu o tão desejado título olímpico que entrou nas páginas da cronologia do desporto como um ponto de viragem. Meyer chegou cerca de cinco segundos depois e assegurou a medalha de prata.

O melhor, porém, chegou depois do final de uma prova em que Albertina Dias foi 13.ª e Fernanda Marques e Conceição Ferreira desistiram. Durante os festejos, Tulu e Meyer deram as mãos e correram juntas durante a volta de consagração. Se dúvidas houvesse da possibilidade de reaproximação dos povos, estavam desfeitas. Tal como Nelson Mandela fez questão de vincar na África do Sul, Tulu e Meyer, de países diferentes mas do mesmo continente, provaram que no final não há diferenças.

O futuro foi diferente para as duas. Meyer era seis anos mais velha e não voltou a ter destaque olímpico, mas Derartu Tulu alcançou mais duas medalhas na mesma prova: o ouro em Sydney-2000 e o bronze em Atenas-2004. Pelo meio, em 1996, depois de uma fase em que sofreu várias lesões, não foi além da quarta posição, ficando de fora do pódio encabeçado pela portuguesa Fernanda Ribeiro.