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É Desporto

É Desporto

22 de Abril, 2020

Dick Fosbury. O homem que reinventou o salto em altura

Especial Jogos Olímpicos (México-1968)

Rui Pedro Silva

Dick Fosbury

Pode não ter sido o primeiro mas foi aquele que mostrou a nova técnica de ultrapassar uma fasquia ao mundo. Nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, Fosbury virou as costas ao colchão, saltou triunfalmente até aos 2,24 metros, estabeleceu um novo recorde olímpico e viu a técnica ser batizada de «Fosbury Flop».

Dick Fosbury não é visto como um dos melhores atletas olímpicos da história. Nem podia ser. Conquistou uma medalha de ouro no salto em altura em 1968, é certo, mas foi a sua primeira e única presença. Era jovem, tinha uma carreira longa pela frente mas nem sequer conseguiu garantir o apuramento para Munique-1972, dedicando-se à engenharia civil.

Olimpicamente falando, Fosbury foi um epifenómeno. Mas na história da evolução do atletismo tem um dos papéis mais importantes. Não foi o criador, é certo, uma vez que há relatos de outros atletas, mais discretos, terem tentado fazer o mesmo antes, mas ninguém como ele conseguiu mostrar ao mundo como uma nova técnica no salto em altura podia ser tão mais vantajosa.

Até 1968, os atletas tentavam superar a fasquia com uma perna de cada vez, com o salto em tesoura ou com rolamento ventral. Depois, tudo mudou. Fosbury corria diagonalmente na direção da fasquia, fazia a chamada com o pé mais distante, virava as costas ao colchão e superava a fasquia primeiro com a cabeça e só depois com o resto do corpo. Hoje é uma técnica banal, mas na altura surpreendeu o mundo.

O desempenho de Dick Fosbury foi sensacional. Saltou sempre à primeira tentativa até aos 2,20 metros, numa altura em que já tinha o pódio assegurado. O primeiro derrube aconteceu aos 2,24 mas, mesmo aí, conseguiu ultrapassar a fasquia, fixando um novo recorde olímpico. Com a medalha de ouro no bolso ainda tentou o recorde mundial, a 2,29 metros, mas caiu com três nulos.

Mais do que um grande campeão olímpico, Fosbury foi um medalhado revolucionário. Mostrar a nova técnica com um sucesso estrondoso numa prova global mudou a forma como os atletas se preparavam e, um pouco por todo o mundo, as novas fornadas de saltadores já cresciam a utilizar o Fosbury Flop.

Com uma carreira tão meteórica – não venceu mais nada de grande valor – é legítimo dizer que o norte-americano deu muito mais ao desporto do que recebeu. Foi o responsável pelo momento de transformação mais radical na história do atletismo. Isso ninguém mudará.

22 de Abril, 2020

Vera Caslavska. Sedução mexicana com casamento à mistura

Especial Jogos Olímpicos (México-1968)

Rui Pedro Silva

Vera Caslavska

Ginasta checoslovaca já não tinha nada a provar mas a saída de cena de Larisa Latynina abriu espaço para que pudesse ser a maior sensação da ginástica artística. Caslavska conseguiu seduzir o público mexicano, conquistou um total de seis medalhas e… casou ainda na Cidade do México, perante cerca de dez mil pessoas.

Vera Caslavska já tinha sido a ginasta mais espetacular nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, mas teve de lidar com o facto de continuar a ser a sombra de Larisa Latynina, a soviética que atingiu o recorde total de 18 medalhas.

Quatro anos mais tarde, na Cidade do México, com a rival retirada, Caslavska não teve qualquer dificuldade ao repetir exibições de sonho e afirmar-se em definitivo como a melhor ginasta do mundo. Se em 1964 conquistara três títulos olímpicos e uma medalha de prata, em 1968 elevou a fasquia e saiu da edição mexicana com quatro medalhas de ouro e duas de prata. E o registo teria sido ainda melhor se… não houvesse uma pressão tão grande por parte da comitiva soviética.

Para não variar, os Jogos Olímpicos tiveram uma forte dinâmica política a interferir nos eventos. Os festejos de braço elevado e punho cerrado de Tommy Smith e John Carlos marcaram a edição e tornaram-se os mais memoráveis, mas a situação de tensão entre Checoslováquia e União Soviética teve muitas repercussões no outro lado do Atlântico.

Caslavska fez o possível. Foi obrigada a dividir a medalha de ouro com Larisa Petrik na prova de solo – depois de os juízes terem sentido pressão da comitiva soviética para melhorar a nota da ginasta – e foi suficientemente subtil na cerimónia protocolar para demonstrar o desagrado com a presença estrangeira em Praga, olhando para baixo e para o lado enquanto tocava o hino soviético.

O público tomou o lado de Caslavska. A ginasta seduziu os mexicanos dentro e fora do pavilhão. Com a sua graciosidade, confirmou tudo o que se esperava dela e até nas pequenas coisas fazia questão de agradar ao público, como quando escolheu uma música nacional para uma das suas rotinas.

Vera podia dar-se ao luxo disso… e muito mais. A sua supremacia no panorama mundial da ginástica era tão grande que conseguiu tornar-se a primeira – e única – atleta da história a revalidar o título olímpico do concurso completo num momento em que também era campeã mundial e campeã europeia.

Quando se despediu dos Jogos Olímpicos – naquela que foi a sua última edição -, com um total de sete títulos olímpicos e quatro medalhas de prata, Vera Caslavska aproveitou o carinho dos adeptos para casar ainda na Cidade do México. O noivo? O também atleta Josef Odlozil. A assistência? Cerca de dez mil pessoas que não quiseram deixar passar a oportunidade de marcar presença no matrimónio de uma das coqueluches do evento.

A carreira de Vera Caslavska terminou ali e o pior ainda estava para vir. De regresso à Checoslováquia, foi vítima das suas próprias ações. Os soviéticos controlavam o país e fizeram questão de demonstrar que tinham ficado desagradados com as brincadeiras da checoslovaca durante os Jogos Olímpicos. Obrigaram-na a ficar desempregada e controlaram os seus movimentos.

Só muito mais tarde, após a Revolução de Veludo, Vera Caslavska voltou a ser verdadeiramente livre. E reconhecida no próprio país.