Kip Keino. Aquecer para o ouro a fugir ao trânsito
Especial Jogos Olímpicos (México-1968)
Corredor queniano saiu tarde para o Estádio Olímpico e corria o risco de falhar a final dos 1500 metros. Abandonou o autocarro, percorreu o caminho que faltava e não mostrou qualquer tipo de desgaste rumo ao primeiro título olímpico da sua carreira.
A história de Kipchoge Keino nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, está longe de ser um mar de rosas. Aliás, se o queniano tivesse seguido à risca as recomendações médicas, possivelmente nem sequer teria feito a viagem transcontinental para competir no México.
O problema? Pedras na vesícula biliar. O desgaste acumulado poderia ser fatal para Keino e, mesmo que não tivesse marcas graves na sua saúde, seria sempre obrigado a sofrer mais do que o costume, sobretudo se pensarmos que tinha previsto competir nas provas dos 10 000, 5000 e 1500 metros.
A estreia confirmou as piores previsões médicas. Keino liderava a prova mas, a poucas voltas do fim, sofreu dores lancinantes e cambaleou até cair, já fora de pista. O queniano foi assistido e, apesar de saber que seria desqualificado, voltou ao tartan e insistiu em completar a distância.
Mais tarde, nos 5000 metros, chegou à medalha de prata. Recuperado das dores e sem dificuldades aparentes, o corredor disputou o título até à última com o tunisino Mohammed Gammoudi e foi derrotado por apenas 15 centésimos de segundo.
A terceira e última oportunidade para chegar ao lugar mais alto no pódio chegaria nos 1500 metros. Keino era um dos grandes favoritos mas… deixou-se dormir. Literalmente. Quando percebeu o erro cometido, apanhou o primeiro autocarro para o Estádio Olímpico que conseguiu encontrar mas o trânsito caótico da capital mexicana não ajudou. Ao ver a vida a andar para trás, percebeu que situações desesperadas exigem medidas desesperadas. Ou seja, sair do autocarro e ir a correr até ao estádio, que na altura estava ainda a cerca de três quilómetros, era a única solução.
Keino chegou a tempo – a escassos 20 minutos do arranque da prova – mas estava naturalmente mais desgastado do que a concorrência. Por outro lado, tinha feito o aquecimento perfeito. E foi precisamente isso que demonstrou na pista, dominando a corrida do início ao fim, terminando no primeiro lugar com um tempo de 3:34.91 – com quase três segundos de vantagem sobre o principal favorito Jim Ryun – e estabelecendo um novo recorde olímpico.
Cidade do México mostrou ser uma edição com muitas pedras no caminho – e não só -, mas Kip Keino apanhou-as todas e trocou-as por duas medalhas: uma de ouro e outra de prata. Estávamos apenas no início da hegemonia queniana.