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É Desporto

É Desporto

13 de Março, 2020

Jesse Owens. O homem que destruiu o plano de Hitler

Especial Jogos Olímpicos (Berlim-1936)

Rui Pedro Silva

Jesse Owens

Atingiu a glória olímpica e 1936 e nunca será esquecido. Pode já ter sido igualado por Carl Lewis, em 1984, mas a forma como ganhou quatro medalhas olímpicas no coração do nazismo será para sempre recordada na história dos Jogos.

Cleveland, Cleveland, Cleveland. Quando se pensa neste nome, o mais comum é recorrer à cidade do Ohio que foi batizada em honra do general Moses Cleaveland (mesmo assim, escrito de forma diferente). Para os apaixonados pela história dos Estados Unidos, há ainda Grover Cleveland, familiar de Moses. Grover foi o único presidente dos EUA a ser eleito para dois mandatos não consecutivos, o que faz dele o 22.º e o 24.º presidente do país. Ou seja, apesar de atualmente Donald Trump ser considerado o 44.º, é apenas o 43.º homem a assumir o cargo.

O Cleveland que fecha a trilogia nasceu em 1913 no Alabama e apresentava-se como JC – de James Cleveland Owens. No entanto, quis a história que fosse famoso para sempre como Jesse Owens, o atleta norte-americano que provou ser mentira a ideologia da existência de uma raça ariana defendida por Adolf Hitler.

Mas já lá vamos. Quando tinha nove anos, JC mudou-se para Cleveland e, na primeira aula, a professora, ludibriada pelo sotaque sulista do Alabama, julgou que o novo aluno se chamasse Jesse. O novo batismo pegou e James Cleveland começou a ser tratado por Jesse Owens.

No Ohio, descobriu a paixão pelo atletismo e tornou-se o recordista mundial de liceu das 100 jardas, das 220 jardas e do salto em comprimento. Ainda assim, o primeiro grande momento da carreira estava guardado para 1935 nos campeonatos universitários. Em apenas 45 minutos, Jesse Owens bateu três recordes mundiais (salto em comprimento, 220 jardas e 220 jardas barreiras) e igualou a marca das 100 jardas. Para muitos especialistas, foi o maior feito de sempre do desporto, mas o grande desafio estava guardado para os Jogos Olímpicos de Berlim, um ano depois.

Adolf Hitler tencionava fazer da prova um sinal da supremacia da raça ariana, mas Jesse Owens chocou os germânicos ao conquistar quatro medalhas de ouro (100 metros, 200 metros, 4x100 metros e salto em comprimento), feito que só Carl Lewis conseguiu igualar, em 1984, em Los Angeles.

Owens tornou-se rapidamente num dos heróis americanos e passou a percorrer o país de costa a costa para falar sobre a sua experiência de forma a inspirar os jovens. O governo aproveitou a fama de Jesse Owens para criar provas extraordinárias para que o campeão olímpico pudesse demonstrar a rapidez que o fez famoso. Numa primeira fase começou por competir contra adolescentes que partiam com uma vantagem de 15 metros. Depois o desafio ficou maior e teve de correr contra cavalos de corrida. Jesse Owens não gostava de o fazer, mas sabia que era inevitável: «Sei que é degradante correr contra cavalos, mas o que estão à espera que eu faça? Tenho de ganhar a vida. Ganhei quatro medalhas de ouro, mas não as posso comer».

O problema era esse mesmo. «Está toda a gente interessada no Jesse Owens que ganhou as medalhas mas ninguém lhe quer dar trabalho», queixava-se, fazendo também, alegadamente, uma menção em como tinha sido mais bem tratado pela Alemanha Nazi de Hitler do que nuns Estados Unidos em pleno turbilhão, onde nem sequer na parte da frente do autocarro se podia sentar.

A campanha de Jesse Owens em Berlim foi também imortalizada pela amizade improvável com Luz Long, o alemão, adversário, que teve uma importância determinante na conquista da medalha de ouro no salto em comprimento.

13 de Março, 2020

Mack Robinson. A maldição de viver sempre na sombra

Especial Jogos Olímpicos (Berlim-1936)

Rui Pedro Silva

Mack Robinson ao lado de Jesse Owens

Era um dos atletas mais conceituados na comitiva dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, e conquistou a medalha de prata nos 200 metros… atrás de Jesse Owens. E foi o grande orgulho da família até o irmão mais novo, Jackie, se tornar uma figura lendária do desporto ao tornar-se o primeiro negro a jogar na Major League Baseball.

A seleção de atletismo dos Estados Unidos foi uma das grandes sensações nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Numa edição marcada pela vontade de fazer uma afirmação política e social, os nazis foram obrigados a suportar sucessivas humilhações na pista.

Jesse Owens, campeão olímpico dos 100 metros, 200 metros, 4x100 metros e salto em comprimento, tornou-se imortal mas… Mack Robinson também esteve lá. Por pouco, mas esteve. E tem uma história para contar que, em poucas palavras, se resume à tendência para ser sempre ofuscado pelos outros, por muito bom que fosse.

Matthew Robinson nasceu no seio de uma família pobre, com muitos irmãos, e com uma mãe que foi obrigada a tomar conta de todos sozinha desde muito cedo. Mudaram-se de malas e bagagens para Pasadena, na Califórnia, e Matthew – que era cada vez mais conhecido apenas por Mack – aproveitou para mostrar o talento para provas de velocidade.

Na preparação para os Jogos Olímpicos de Berlim já era um dos homens mais rápidos do país – tinha 21 anos – mas ir prestar provas para a seleção de atletismo a Nova Iorque era uma tarefa demasiado onerosa. Sem dinheiro, beneficiou de uma campanha de angariação promovida por empresários locais. Os 150 dólares foram mais do que suficientes e Mack Robinson garantiu o passaporte para a Alemanha de Hitler para competir nos 200 metros.

Jesse Owens era o cabeça de cartaz da seleção mas Mack Robinson tinha legítimas aspirações no duplo hectómetro. No dia da final, os dois norte-americanos eram os maiores favoritos e os tempos das eliminatórias anteriores ajudavam a perceber isso. Owens tinha igualado o recorde olímpico por duas vezes com 21,1 segundos, mas Mack não se deixou ficar e registou essa marca na meia-final… e na final.

O problema? Owens decidiu elevar a fasquia e bateu a sua própria melhor marca, conquistando um dos quatro títulos olímpicos com uma marca de 20,7 segundos, que representava um novo recorde mundial. «O meu pai sempre achou que se tivesse sapatilhas melhores, ou algum treinador decente, poderia ter batido Jesse. Ou, pelo menos, ter ficado ainda mais perto», contou, recentemente, uma das filhas ao New York Times.

Mack Robinson era um dos homens mais rápidos do mundo mas ninguém se lembra de quem chega em segundo. E Jesse Owens era uma estrela especial. De regresso aos Estados Unidos, Mack passou por muitas dificuldades. «Se alguém tinha orgulho em mim em Pasadena, tirando a minha família e amigos, nunca me disseram nem mostraram. A única vez que notei alguma coisa foi quando me perguntaram se estaria disponível para correr contra um cavalo», disse uma vez.

A tendência para viver na sombra dos feitos dos outros, mesmo sendo especial, alargou-se à família. Em 1947, onze anos depois da medalha olímpica, um dos irmãos mais novos, Jackie, fez história e tornou-se o primeiro atleta negro a ser utilizado na Major League Baseball. O benjamim quebrou barreiras, combateu a segregação e até no seio da família Robinson fez com que Mack se tornasse uma nota de rodapé.

Pobre, Mack varria as ruas como empregado municipal. Mas, quando foi despedido, juntamente com todos os outros negros numa vingança da câmara contra a decisão de um juiz, não teve outra opção a não ser aproveitar os conhecimentos do irmão para começar a trabalhar nos Dodgers.

Um dos maiores reconhecimentos que teve chegou apenas em 1984, quando Los Angeles acolheu os Jogos Olímpicos pela segunda vez. Mack foi escolhido para ser um dos antigos atletas a carregar uma enorme bandeira dos Estados Unidos durante a cerimónia de abertura.