Khadr El-Touni. O halterofilista que seduziu Hitler
Especial Jogos Olímpicos (Berlim-1936)
Prova de pesos médios do halterofilismo devia ter sido dominada pelos alemães Rudolf Ismayr e Adolf Wagner. Pelo menos era essa a informação que os nazis tinham dado, com grande confiança, a Adolf Hitler. Ninguém esperava que um egípcio chamado Khadr El-Touni se tornasse uma das maiores figuras dos Jogos Olímpicos de Berlim.
Nasceu em 1913 e chegou a Berlim, em 1936, envolto em mistério. El-Touni ganhava provas desde os 19 anos – e assim continuou até aos 36 – mas alguns dos seus resultados geraram muita desconfiança na federação internacional. Achavam ser impossível que alguém que não conheciam estivesse a bater recordes mundiais e recusaram-se a homologá-los.
Mas este egípcio não era um homem qualquer. Como criança, destacou-se ao ser o único dos seus amigos a conseguir levantar um pau de madeira com dois pesos de 40 quilos nas extremidades. Como adulto, envergonhou a oposição nos Jogos Olímpicos… tanto na sua categoria como na imediatamente acima.
Rudolf Ismayr e Adolf Wagner eram os grandes favoritos. O primeiro era o campeão em título, tinha vários recordes mundiais e tinha sido premiado ao ser selecionado para fazer o juramento olímpico na cerimónia de abertura; o segundo tinha crescido na sombra mas era encarado como o símbolo da nova geração.
Adolf Hitler assistiu à prova, achando estar perante mais uma prova de supremacia ariana, mas El-Touni trocou-lhe as voltas. Com um levantamento acumulado de 387,5 quilos, o egípcio estabeleceu um novo recorde olímpico e deixou os adversários alemães a uns impressionantes 35 quilos.
A competir na categoria entre os 67,5 e os 75 quilos, o resultado de El-Touni foi tão esmagador que teria sido suficiente para ganhar no escalão imediatamente acima, entre os 75 e os 82,5 quilos. Aí, o francês Louis Hostin conquistou a medalha de ouro com um peso acumulado de 372,5 quilos.
O heroísmo de El-Touni foi celebrado por todos… inclusivamente Hitler. O ditador alemão fez questão de o cumprimentar após a prova e, além dos elogios, terá dado ordens para que fosse batizada uma rua em Berlim com o nome do novo campeão olímpico.
O homem conhecido por Gigante Egípcio ou Besta Egípcia regressou a casa com a sensação de dever cumprido depois de um trabalho árduo que incluiu treinos diários de quatro horas. Era, naturalmente, um ídolo nacional. «Quando descia a rua com a minha mãe, toda a gente dizia que aquela era a mulher do El-Touni. A maior parte dos estabelecimentos tinham fotografias dele», contou Shoukry, um dos filhos.
De certa forma, foi o próprio Hitler a tirar-lhe a possibilidade de repetir a glória. A II Guerra Mundial interrompeu os ciclos olímpicos e El-Touni só pôde voltar a participar em 1948, em Londres, mais velho e sem a mesma capacidade. Ficou fora das medalhas e não viveu muito mais.
A 22 de setembro de 1956, enquanto fazia reparações num prédio, puxou um cabo e morreu eletrocutado. «Eu vi-o», recorda Shoukry. «Estava deitado no chão, com os lábios e o corpo a tremer. Eu estava convencido de que o meu pai não ia morrer, não podia morrer. Deus não nos ia deixar nesta situação. El-Touni não podia morrer, era mais forte do que a morte.»
A glória de El-Touni prolongou-se no tempo e até 1996, ano em que foi «destronado» por Naim Suleymanoglu, foi consensualmente considerado como o melhor halterofilista de todos os tempos.