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É Desporto

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10 de Janeiro, 2020

Carlo Airoldi. Andar de Itália até à Grécia para ficar de fora da maratona

Especial Jogos Olímpicos (Atenas-1896)

Rui Pedro Silva

Carlo Airoldi

Pode a melhor história dos Jogos Olímpicos de Atenas em 1896 ser a de um atleta que não chegou a participar? Esta é a vida de Carlo Airoldi, um italiano que foi a andar de Milão até Atenas, percorrendo uma média de 70 quilómetros durante 28 dias, só para ouvir os organizadores dizerem que não podia participar na maratona.

A história de Carlo Airoldi é a história de um homem que morreu, figurativamente, mas que podia muito bem ter sido literalmente, na praia. É a história de alguém que queria competir nos Jogos Olímpicos em Atenas mesmo sem ter dinheiro para isso. É a história de um atleta que deu tudo o que tinha – e muito do que não tinha – apenas para ouvir o presidente do Comité Olímpico, o príncipe Constantino, negar-lhe a participação.

Carlo Airoldi precisava de um incentivo para percorrer a distância entre Milão e Atenas a pé. Sabia que não tinha dinheiro para o transporte mas talvez pudesse arranjar um mecenas que o ajudasse a sobreviver durante os dias de uma viagem que prometia ser épica. Foi nesta perspetiva que entrou em contacto com o diretor da publicação «La Bicicletta».

A primeira reação foi de desdém. Sim, era apenas um homem que queria participar nos Jogos Olímpicos. Porém, a conversa mudou rapidamente quando Airoldi esclareceu que pretendia fazer o caminho até Atenas a pé, passando por Áustria, Hungria e Turquia (é preciso recordar que o mapa europeu em 1896 era radicalmente diferente).

Os dois chegaram a um acordo. Em troca de algum apoio logístico, Airoldi faria alguns artigos por correspondência para a revista. Parecia simples… mas não era. A empreitada do italiano exigia que percorresse uma média de 70 quilómetros por dia durante um mês. E ia apanhar todo o tipo de obstáculos: tempestades, chuva, criminosos…

Carlo Airoldi sobreviveu a tentativas de assalto e a todo o tipo de intempéries mas não resistiu aos gritos de cautela sobre a possibilidade de atravessar a Albânia. «É uma zona de bandidos», diziam-lhe, desde o consulado até ao pequeno camponês, acrescentando que nunca na vida arriscariam atravessar a fronteira.

O italiano cedeu e arranjou uma forma de fazer essa distância por barco, fugindo pela primeira e única vez ao repto de fazer todo o percurso a pé. Quando chegou a Atenas, a missão tinha sido cumprida. Estava feliz, aliviado, confiante. Mas o interrogatório feito pelo presidente do Comité Olímpico, com um tradutor italiano, rapidamente lhe tirou o sorriso dos lábios.

A fama de Airoldi precedia-o e todos queriam saber mais sobre a vez em que tinha vencido a mítica corrida entre Milão e Barcelona. Num duelo até à exaustão com o francês Louis Ortègue, o italiano viu o adversário sucumbir nos últimos metros. Parou, carregou-o nos braços e cruzou a meta, ressalvando que ele era o verdadeiro vencedor e que Ortègue seria o segundo classificado.

O triunfo valeu um prémio de duas mil pesetas, que dividiu com Ortègue, e aproveitou para regressar de comboio a casa. Toda a história seria um motivo de orgulho mas para o Comité Olímpico foi razão para… barrar a participação. O prémio monetário era sinal de que Airoldi seria considerado um atleta profissional e, como tal, inepto para participar nos Jogos Olímpicos, reservados a amadores.

O consulado italiano apressou-se a tentar desbloquear a situação mas a organização foi inflexível. Airoldi foi obrigado a ver Spiridon Louis conquistar a prova da maratona sem ter uma palavra a dizer. «Estou ansioso para sair da Grécia, tornou-se insuportável ver os sorrisos irónicos dos gregos. Depois de tudo, sinto-me apenas consolado por ter visto, a pé, a Áustria, a Hungria, a Croácia, a Herzegovina, a Dalmácia e a Grécia, a linda Grécia que deixa uma memória indelével em mim», escreveu para a revista.

Nos meses seguintes, Airoldi estabeleceu duas metas: desafiar Spiridon Louis para uma corrida e bater a marca estabelecida pelo grego de duas horas, 58 minutos e 50 segundos. Falhou em ambas. Carlo Airoldi não participou nos Jogos Olímpicos e terminou a carreira na pobreza, sem sinal de glória. Mas continua a ser uma das melhores histórias da primeira edição da era moderna.

10 de Janeiro, 2020

Spiridon Louis. O homem que salvou o orgulho grego

Especial Jogos Olímpicos (Atenas-1896)

Rui Pedro Silva

Spiridon Louis

A participação helénica no atletismo nos Jogos Olímpicos de 1896 foi uma desilusão para os anfitriões e nada seria pior do que nova derrota na prova da maratona. Spiridon Louis, um aguadeiro de profissão, entrou em ação e deixou mais de 100 mil pessoas ao rubro ao cumprir a distância em menos de três horas.

A primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna contou com 311 atletas de um total de 14 países. O evento estava apenas a arrancar e não surpreendeu ninguém que a Grécia dominasse a lista de presenças com um total de 230 homens (não havia mulheres).

A esmagadora maioria nas presenças deveria apontar para uma superioridade a nível de medalhas, mas a Grécia foi falhando onde mais se esperava dela. Os Estados Unidos demonstraram desde logo ser a principal potência olímpica, acabando com onze títulos num total de 20 medalhas. A Grécia conquistou 46 mas não foi além de dez títulos. Um deles, porém, foi o mais saboroso.

A participação da Grécia no atletismo foi uma autêntica desilusão. Os norte-americanos conquistaram nove das doze provas e o australiano Edwin Flack fez a dobradinha com triunfos nos 800 e 1500 metros. O segundo lugar no lançamento do disco – uma das provas com maior tradição helénica – foi um duro golpe e dirigiu todas as atenções para a inédita prova da maratona. As esperanças de um título apontavam todas para aí.

A prova tinha Grécia escrita por todo o lado. Idealizada pelo francês Michel Bréal, a competição foi idealizada para render homenagem à história do país, nomeadamente quando o soldado Fidípedes percorreu a distância entre Maratona e Atenas para informar os atenienses que a batalha contra os persas havia sido ganha.

O fim trágico – com a morte por exaustão – foi ignorada. Os atletas teriam uma preparação diferente e o objetivo era homenagear os esforços do passado… de 490 antes de Cristo. Houve 17 concorrentes à partida: 13 eram gregos. Entre os quatro estrangeiros havia os três primeiros classificados dos 1500 metros – com destaque para Edwin Flack e Albin Lermusiaux – e um húngaro chamado Gyula Kellner, que havia corrido a distância de 40 quilómetros numa prova no seu país.

No estádio, o rei Jorge e mais de 100 mil espetadores foram acompanhando o desenrolar dos acontecimentos com muita ansiedade e alguma desilusão. Afinal, as notícias que iam chegando – e que se espalhavam rapidamente – contavam que Flack e Lermusiaux estavam na frente.

Spiridon Louis, habituado a correr grandes distâncias, fez uma prova tranquila, de trás para a frente. Estava tão calmo que, conta a lenda, chegou inclusivamente a parar para receber metade de uma laranja e um copo de conhaque do sogro. Precisava de recarregar baterias e estava mais do que confiante de que iria terminar no primeiro lugar.

Tinha razão. Um a um, os estrangeiros da frente sucumbiram ao desgaste, rendidos ao facto de que correr 40 quilómetros não é o mesmo que ganhar uma prova de 1500 metros. Quando cruzou a meta, em duas horas, 58 minutos e 50 segundos, Spiridon Louis tornou-se imediatamente um herói nacional.

Podia pensar-se que o resto da sua vida seria vivida à sombra dos seus feitos, mas isso esteve longe de acontecer. Trinta anos depois, por exemplo, chegou mesmo a ser preso por falsificar documentos militares. Em 1936, quatro anos antes da sua morte, foi convidado por Adolf Hitler para marcar presença nos Jogos Olímpicos de Berlim. Louis foi o porta-estandarte da comitiva grega e ofereceu um ramo de oliveira ao ditador nazi.