Boavista. Acreditar que é possível e uma estreia milionária
*Este texto é a quarta de cinco partes do especial: «Boavista-2001. O making of de um título»
Em 1998, Jaime Pacheco teve um primeiro verão relativamente tranquilo no Boavista. O balneário perdeu dois dos jogadores mais antigos do plantel (Alfredo e Jaime Alves terminaram a carreira), Tavares saiu para o U. Leiria depois de nunca ter conseguido mostrar a mesma qualidade que o tinha feito ser contratado pelo Benfica e o jovem Delfim, apesar de não ter sido muito utilizado, chamou a atenção do Sporting e rumou a Lisboa.
Em sentido contrário, chegaram jogadores que viriam a assumir uma preponderância significativa nas épocas seguintes: Douala foi descoberto na equipa B do Saint-Étienne, Sánchez foi cedido pelo Benfica mas acabou por não ter uma época muito feliz, Pedro Martins deixou Alvalade envolvido nas negociações por Delfim, Rogério foi recrutado no Brasil ao Vitória Pernambucano e Jorge Silva regressou a casa depois de três temporadas a rodar, entre Académica e U. Leiria.
Sem competições europeias e numa temporada em que a participação na Taça de Portugal acabou sem glória, nos quartos de final, aos pés do Esposende, Jaime Pacheco concentrou todas as atenções no campeonato. E os resultados foram muito animadores.
Ayew voltou a mostrar a sua tendência goleadora e terminou o campeonato com 15 golos, os mesmos do romeno Timofte, a rubricar a melhor época desde que chegara a Portugal. Douala foi um agitador nas alas, tal como Jorge Couto, e a solidez defensiva, muito por culpa de um quarteto que mesclava a experiência de Paulo Sousa e de Isaías e a juventude de qualidade com Litos e Mário Silva, promovia os axadrezados para voos mais altos.
Com onze jornadas disputadas, o Boavista seguia na liderança isolada com oito vitórias e três empates. O Sporting de Mirko Jozic, também sem derrotas, estava a dois pontos, o FC Porto a quatro e o Benfica a seis. O facto, por si só, podia não revelar muito. Não era a primeira vez que os axadrezados mostravam ser capazes de se intrometer nos lugares cimeiros durante a primeira metade da época.
A diferença é que este Boavista era mais. E acreditava cada vez mais nisso. E não foi apenas na primeira metade. No final de fevereiro, depois de vencer em Braga por 2-1, a equipa de Jaime Pacheco tinha 51 pontos em 23 jogos. O FC Porto liderava com 52, o Benfica tinha 49 e o Sporting, com 44, já estava longe.
Estava tudo em aberto mas aproximavam-se dois testes de fogo: receção ao FC Porto e viagem à Luz. No ataque à liderança, no Bessa, o jogo não saiu do nulo e o Benfica aproveitou. Faltavam dez jogos para o final e, num campeonato conhecido por ser um passeio para os dragões – fora assim nos quatro anos anteriores -, havia três equipas separadas por um ponto.
O segundo teste de fogo, a 14 de março, na Luz, foi a derradeira prova que o Boavista precisava de passar. O título não era apenas uma miragem mas não era isso que estava a ser discutido: era se este Boavista, um excêntrico clube de segunda linha, fora da órbita dos grandes, conseguiria mesmo afirmar-se como aspirante legítimo até ao fim.
Ganhar já seria importante, mas o que se passou naquela tarde, contra um Benfica de Souness com a armada de britânicos em campo (Gary Charles, Steve Harkness, Michael Thomas, Mark Pembridge e Dean Saunders), foi muito mais. O Boavista deu uma lição. Agigantou-se e, ao mesmo tempo, tornou pequeno o Benfica. Marcou três golos (Ayew-2 e Luís Manuel) e não sofreu nenhum. Foi ali, neste dia, que o adepto do Boavista percebeu que o título era possível e saiu à rua para receber o autocarro da equipa no regresso ao Bessa.
É difícil olhar para trás e enquadrar perfeitamente o momento em que o Boavista começou a ser campeão. Pode ter sido com a presidência de Valentim Loureiro. Ou do filho. Com a chegada de Manuel José. Ou a de Rui Bento. Ou a de Jaime Pacheco. Todas elas terão argumentos válidos mas dificilmente se poderá retirar este jogo da equação: a vitória na Luz foi histórica. Épica. Mítica. Porque foi com ela que se começou a acreditar. E com verdadeira confiança.
A crença serviu de pouco naquele ano. Quiçá assoberbado pelo que tinha acabado de acontecer, o Boavista perdeu o comboio e desperdiçou seis pontos nas quatro jornadas seguintes (empates com V. Setúbal em casa, em Chaves e em Alvalade). Quando o campeonato terminou, o FC Porto foi pentacampeão com oito pontos de vantagem. O Boavista tinha vacilado mas, ao mesmo tempo, feito história: o segundo lugar, com seis pontos de vantagem sobre Benfica e oito sobre Sporting, valia o apuramento para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Os axadrezados já tinham sido segundos (1975/76), mas desta vez era diferente. Sentia-se isso no ar.
Aposta nos cifrões europeus
O verão de 1999 não trouxe uma experiência nova para o Boavista. Sempre que havia uma época de destaque, os grandes apareciam para pescar alguns dos destaques. O ganês Ayew era o grande prémio e foi ser campeão para Alvalade, mas de resto só saíram Sánchez (regressou ao Benfica, mas apenas na primeira metade de 1999/2000) e Isaías, que foi para o Brasil representar o Cruzeiro de Belo Horizonte.
A hipótese de chegar à Liga dos Campeões obrigou a um planeamento especial mas nem por isso o Boavista se afastou muito do seu modo de operação preferencial, recrutando sobretudo a nível interno: Emanuel (Rio Ave), Gilmar (V. Guimarães), Demétrios (Campomaiorense), Augustine Ahinful (U. Leiria), Formoso (Sp. Braga) e Erivan (Freamunde) foram os principais destaques, chegando também Whelliton do Brasil (CSA).
O sucesso da temporada dependeria, e muito, da capacidade de fazer história na UEFA. O Brondby foi o derradeiro obstáculo no acesso à fase de grupos e protagonizou uma eliminatória imprópria para… nervosos. Depois de ganhar na Dinamarca (2-1), a equipa de Jaime Pacheco tremeu no Bessa e só fechou o apuramento no prolongamento, por culpa dos golos de Augustine Ahinful (100’ e 110’) e Rui Bento (117’).
O jackpot financeiro contribuiu, e de que maneira, para a independência do Boavista, que deixava de estar à espera de vender os melhores jogadores. Dentro de campo, os resultados não desanimaram. A nível interno, o Boavista regressou à quarta posição (a 14 pontos do terceiro Benfica) e não foi além dos quartos de final na Taça de Portugal, mas na Europa do futebol representou o país de forma irrepreensível.
Os axadrezados eram a primeira equipa portuguesa a participar na prova sem qualquer título de campeão no seu currículo mas não se deixaram afetar pela pressão. Terminaram na quarta posição de um grupo com Rosenberg (11 pontos), Feyenoord (8) e Dortmund (6), porém saíram de cabeça erguida, com uma vitória (Dortmund no Bessa por 1-0 na despedida) e dois empates (ambos por 1-1 com o Feyenoord).
Que Boavista poderia ser este no futuro? Portugal, a Europa e o resto do mundo estavam prestes a descobrir. Ia escrever-se história.