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É Desporto

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18 de Novembro, 2019

O dia em que Michael Jordan foi o #12 dos Bulls

Rui Pedro Silva

Michael Jordan com o seu inédito número

Esta é uma história de amor. Da forma como Michael Jordan se deixou encantar pela rotina, pela superstição, pela possibilidade de repetir os mesmos gestos, as mesmas ações, as mesmas palavras, dia após dia num jogo da NBA. E de como ficou irritado na noite em que não o pôde fazer.

Esta é uma história do Dia dos Namorados de 1990. A 14 de fevereiro, em Orlando, os Chicago Bulls estavam sem energia e sem paciência. Era o último encontro de uma digressão de seis jogos fora e as quatro derrotas nas cinco partidas anteriores não auguravam grande coisa para a equipa orientada por Phil Jackson, naquela que era a sua primeira temporada com os Bulls.

O objetivo era voltar a casa o quanto antes mas aquele último jogo com a nova equipa da NBA obrigava-os a ficar mais umas horas na Florida. Michael Jordan, com médias superiores a 30 pontos por jogo e antigo MVP da liga mas ainda à procura do primeiro título, era a maior vedeta.

Jordan tinha os seus hábitos, as suas superstições próprias. Usava sempre os mesmos calções por baixo do equipamento, desde os tempos do basquetebol universitário, e reagia mal à mudança. Por isso, os minutos antes do jogo com os Orlando Magic foram uma irritação.

A camisola #23 de Michael Jordan tinha desaparecido, algures entre o treino ligeiro umas horas antes do encontro e a hora de início da partida. Os responsáveis dos Bulls tentaram encontrar uma alternativa. Os tempos eram outros: não havia tantas camisolas à disposição e, no meio do caos, lembraram-se de ir procurar adeptos de Chicago nas bancadas. Com sorte, talvez um deles tivesse uma camisola que pudesse servir a Jordan. Não havia, eram todas demasiado pequenas.

Michael Jordan com um #12 sem nome

O plano B provocou uma das estatísticas triviais mais curiosas na carreira de Michael Jordan. Para o que desse e viesse, os Bulls viajavam sempre com uma camisola com o número 12, sem nome nas costas, caso viesse a ser preciso. Nunca foi… até àquele dia.

Jordan resignou-se e usou o #12, provocando um aviso do speaker em Orlando, para garantir que os espetadores mais distraídos não ficavam sem perceber quem era aquele jogador (como se ele precisasse de notas prévias). Em 47 minutos, marcou 49 pontos em 43 lançamentos mas não foi capaz de evitar a derrota frente aos Magic, no prolongamento, por 135-129. «A minha frustração vem de perder um jogo que devíamos ter vencido. Não ligo patavina à forma como joguei», disse um Jordan visivelmente irritado aos jornalistas no final.

O roubo da camisola também foi motivo de conversa. «Nunca me tinha acontecido antes. É irritante porque estou habituado a certas coisas e não gosto de mudanças», afirmou. Do lado dos Magic, os responsáveis fizeram o possível para encontrar a camisola e todos os funcionários do pavilhão foram interrogados.

O que aconteceu? Não se sabe bem. Mesmo hoje, praticamente vinte anos depois, há versões contraditórias entre a imprensa norte-americana: uns dizem que a camisola nunca apareceu, outros que foi encontrada dois dias depois no teto falso do balneário visitante.

Para a história, ficam os 49 pontos num jogo… banal (?) de Michael Jordan. Afinal, aquela foi apenas uma de 22 ocasiões em que marcou pelo menos 40 pontos durante a temporada e, umas semanas depois, chegaria aos 69 contra os Cleveland Cavaliers.

A trivialidade do incidente fez com que, anos mais tarde, a NBA tenha comercializado uma camisola dos Bulls com o número 12, sem nome, para recordar o episódio. O preço? 300 dólares.

18 de Novembro, 2019

Boavista. A chegada de Manuel José ao clube das camisolas esquisitas

Rui Pedro Silva

Manuel José com Valentim Loureiro

*Este texto é a primeira de cinco partes do especial: «Boavista-2001. O making of de um título»

Quando Manuel José trocou os tigres de Espinho pelas panteras do Bessa no verão de 1991, encontrou um Boavista que procurava afirmar-se em definitivo como uma das principais equipas do campeonato português. O algarvio não brilhara no segundo escalão (o Sp. Espinho não fora além de um lugar a meio da tabela) mas tinha um passado de renome: sabia o que era treinar um clube grande (Sporting em duas ocasiões) e conhecia os ingredientes necessários para elevar ainda mais a fasquia.

O Boavista não era uma tábua rasa. Os tempos áureos da década de 70, com a conquista de três Taças de Portugal, eram uma memória muito presente e os axadrezados até tinham experiências regulares nas competições europeias. Até à chegada de Manuel José, viajaram até à Europa do futebol em nove ocasiões e, pelo meio, eliminaram nomes como Atlético Madrid e Fiorentina. Por outro lado, havia um bloqueio psicológico claro: nas seis vezes que conseguiram ultrapassar uma ronda, caíram logo a seguir.

O desafio de Manuel José, impulsionado por um cada vez mais presente Valentim Loureiro, era claro: elevar a fasquia tanto a nível interno como europeu. Não sabia como, onde, nem porquê, mas havia talento, conhecimento e determinação para ultrapassar essa barreira na Europa e voltar a tentar uma surpresa nas provas nacionais.

O primeiro plantel que Manuel José teve à sua disposição no Boavista era uma mistura de experiência com juventude, de solidez com irreverência, de força e de técnica. Se Gabriel Alves falava da força da técnica contra a técnica da força, o treinador conseguia formar um onze tecnicamente forte e com uma força técnica de registo.

João Vieira Pinto tinha 19 anos, acabara de regressar de uma experiência para esquecer em Madrid mas era campeão do mundo de sub-20. Fernando Mendes e Samuel vieram da Luz, Ricky da Amadora, Tavares do FC Porto e o guarda-redes Pudar, orientado por Manuel José em Espinho, chegou para lutar com Alfredo, Hubart e um adolescente Costinha, acabado de sair da formação.

Os nomes não se ficavam por aqui. A defesa contava com a experiência de Paulo Sousa, Barny e Nogueira, o meio-campo juntava a força de Bobó e Casaca à consistência de Nelo (muito melhor jogador do que mostrou na Luz) e no ataque ainda havia Marlon Brandão, que também já passara pela tutela de Manuel José em Alvalade.

O quarto lugar da época anterior, num ano em João Alves e Raul Águas dividiram o comando técnico, abriu caminho para um Boavista europeu. E foi precisamente aí que este Boavista de Manuel José começou a dar nas vistas.

Quando o Inter viajou para o Bessa em setembro de 1991, o Boavista seguia com três vitórias em quatro jornadas no campeonato, incluindo um surpreendente triunfo na Luz logo a abrir (golo de Casaca). A equipa italiana tinha um plantel de sonho e com vários campeões do mundo (Bergomi, Brehme, Matthäus e Klinsmann).

Inter metia medo mas caiu com o Boavista

Na baliza, havia Walter Zenga, o veterano guarda-redes que cunhou a expressão que ficou para a história. No seguimento das habituais perguntas sobre o adversário, o italiano disse que não sabia nada sobre o Boavista. Ou melhor, sabia apenas que era o clube das camisolas esquisitas.

Nas semanas seguintes, aprendeu bastante mais. Sofreu dois golos no Bessa na derrota por 2-1 (Marlon e Barny; Fontolan) e viu o seu ataque ficar a zeros no Giuseppe Meazza. Assim, num abrir e fechar de olhos, o Boavista de Manuel José tornou-se Boavistão e fez cheque-mate ao então campeão em título da Taça UEFA. No espaço de um mês e meio, os axadrezados haviam eliminado o Inter, derrotado o Benfica no campeonato e seguiam na liderança do campeonato em igualdade pontual com o FC Porto.

O mote estava dado. As camisolas esquisitas na UEFA caíram na ronda seguinte, novamente contra italianos (Torino) e prolongando o destino de não ultrapassar rondas consecutivas mas, a nível interno, os bons resultados continuaram a aparecer.

Lutar pelo título era uma ambição que ninguém equacionava, mas os duelos contra os grandes mostravam cada vez mais que este Boavista podia ser um caso sério: terminou a primeira volta com cinco pontos nesse minicampeonato, fruto de vitórias com Benfica e Sporting e um empate com o FC Porto. A segunda volta trouxe novos bons resultados, com mais uma vitória sobre os encarnados (1-0), um empate em Alvalade (1-1) e, na única derrota contra os crónicos candidatos, um 0-2 nas Antas.

Festa do Boavista no Jamor

Os sinais dados no campeonato foram decisivos para a Taça de Portugal. Depois de eliminatórias tranquilas com Lusitânia Lourosa, União da Madeira, Freamunde e Gil Vicente, o Boavista garantiu um lugar na final do Jamor ao eliminar o Benfica… na Luz.

A 24 de maio de 1992, no último jogo da temporada, a aposta de Valentim Loureiro em Manuel José foi coroada com o erguer de um troféu: o primeiro dos dez anos seguintes. O FC Porto foi derrotado por 2-1 (Marlon Brandão e Ricky; Jaime Magalhães) e o Boavista mostrou que ia atacar a década com um novo espírito.

O terceiro lugar no campeonato – em igualdade pontual com o Sporting mas com vantagem no desempate, e a apenas dois pontos do Benfica – foi apenas mais um ingrediente da receita de sucesso deste novo Boavistão.

Ricky sagrou-se o melhor marcador do campeonato, com 30 dos 45 golos dos boavisteiros, e João Pinto afirmou-se definitivamente como um talento geracional. Depois de entrar na época como campeão do mundo de sub-20, foi cobiçado até à última pelos grandes de Lisboa e chegou a acordo com o Benfica.

Manuel José podia perder o seu maior talento mas de Lisboa acabaria por chegar a primeira peça do plantel que seria campeão em 2001: Rui Bento. Lentamente, o puzzle estava a ser montado.