Hans Richter. O último internacional a fugir da RDA
A República Democrática da Alemanha estava a dar as últimas e as estruturas do poder pareciam cada vez mais enfraquecidas. Para Hans Richter, futebolista do Karl Marx Stadt, isso era tudo o que precisava saber para arriscar atravessar a fronteira e deixar para trás o país onde tinha crescido como homem e jogador. Foi o último internacional pela seleção a fazê-lo: 40 dias depois, o Muro de Berlim caiu.
Domingo, 1 de outubro de 1989. Hans Richter não estava a ter uma época muito favorável ao serviço do Karl Marx Stadt, clube para o qual tinha regressado depois de uma aventura no Lokomotive Leipzig, que incluiu a presença na final da Taça das Taças de 1987. Naquela temporada, dois anos depois, tinha atuado em apenas quatro jogos na Oberliga, sempre como suplente utilizado.
Richter estava farto. Os 30 anos que figuravam no seu cartão de identificação não eram suficientes para acreditar que era incapaz de conseguir mais. Mas, mais do que o plano desportivo, era o estado da RDA que o atormentava.
A República Democrática da Alemanha estava a abanar à mínima brisa e sentia-se no ar que nada era como antes. O número de oficiais e informadores da Stasi estava em queda acentuada e o controlo era muito menor do que no início da década, quando praticamente um terço dos futebolistas da primeira divisão agiam, de forma mais ou menos declarada, como colaboradores da polícia do Estado.
As fugas da República nem sequer eram verdadeiramente impedidas, uma vez que a fronteira com a Alemanha Ocidental com a Checoslováquia tinha sido reaberta. Foi precisamente aí que a 1 de outubro, exatamente 40 dias antes da queda do Muro de Berlim, Richter atravessou rumo a Frankfurt.
A fuga de Richter está na história. Não teve o mesmo mediatismo de outras, até porque já não era o mesmo jogador de outrora, mas será conhecida para sempre como o último futebolista internacional pela RDA a abandonar o seu país.
A reação das autoridades, noutros tempos determinada e vigorosa, não foi mais do que um confirmar de resignação perante as inevitabilidades. Pelo menos é esse o espírito que emana do memorando enviado a Egon Krenz, que na altura ainda não era presidente da RDA.
Os desportistas da República Democrática da Alemanha estavam cada vez mais decididos a procurar outras oportunidades e, no caso específico do futebol, oito dos 20 casos de fugas registadas aconteceram precisamente nos meses anteriores à queda do Muro. Se, noutras situações, a ausência de casos de sucesso de futebolistas no estrangeiro, à exceção de Nachtweih, tinha servido de fator de desencorajamento, agora não havia mesmo nada a fazer.
A única alternativa era assistir impávida e serenamente ao descalabro da República Democrática da Alemanha. O antigo patrão da Stasi, Erich Mielke, lamentou anos mais tarde esta postura curvada perante os acontecimentos: «Como é que conseguimos abrir mão da RDA de forma tão simples?».
Hans Richter não fazia parte desta luta. Viveu livremente, mas não conseguiu angariar qualquer tipo de protagonismo desportivo no outro lado da fronteira, não indo além do terceiro escalão. Como curiosidade fica o facto do último jogo nas competições europeias: um 1-0 contra o Boavista a 12 de setembro de 1989, naquela que foi a estreia internacional de… João Vieira Pinto.