Lutz Eigendorf. Uma morte acidental na sombra da Stasi
Era um dos jogadores mais talentosos da RDA e alinhava pelo Dínamo Berlim, clube com o apoio da Stasi. Uma noite, depois de um particular na RFA com o Kaiserslautern, decidiu fugir e procurar asilo na Alemanha vizinha. É o caso mais famoso da fuga de um futebolista por ter acabado com uma estranha morte… quatro anos depois.
Lutz Eigendorf não foi um jogador qualquer. Já não o era mesmo antes de ter fugido para a RFA. Produto da formação das escolas de futebol de Berlim, não tardou até ser uma aposta frequente no Dínamo da cidade, equipa que viria a ser associada diretamente à Stasi, a polícia política da República Democrática da Alemanha.
A estreia oficial deu-se em 1974, antes do período áureo do clube, e o progresso foi vertiginoso. Tornou-se uma figura indissociável da equipa e em 1978 jogou pela primeira vez pela seleção, marcando dois golos no empate com a Bulgária (2-2).
Se quisesse, Eigendorf teria sido um jogador privilegiado. Tinha qualidade e estava ao serviço da «equipa do Estado», ainda que esta referência fosse apenas tácita e não declarada. Mas Eigendorf não estava disposto a abdicar dos seus direitos, da sua liberdade. Por isso, na noite de 20 de março de 1979, tudo mudou.
O Dínamo Berlim estava a regressar a casa depois de um encontro particular na RFA com o Kaiserlautern. Estas viagens eram sempre altamente controladas – muitos dos jogadores eram informadores da Stasi – e só viajavam os futebolistas que não constituíssem um risco de fuga acrescido.
Eigendorf passou no teste. Tinha família em Brandemburgo e uma mulher e uma filha à espera em Berlim. E não havia nenhum contacto, familiar distante ou amigo, na Alemanha Federal. Normalmente, estas duas características eram suficientes para garantir a aprovação. Mas o futebolista trocou-lhes as voltas.
A fuga deu-se durante uma paragem numa estação de serviço junto à fronteira. Sem que ninguém desse por isso, Eigendorf apanhou um táxi, regressou a Kaiserslautern e pediu asilo com sucesso. Na RDA, esta aventura foi vista como um insulto e uma afronta pessoal a Erich Mielke, líder da Stasi.
Felicidade ausente e a morte trágica
A vida na RFA não correu como esperava. A UEFA suspendeu-o por um ano por causa da fuga e não teve opção para gastar o tempo a não ser orientar uma equipa de formação do Kaiserslautern. A família tinha ficado para trás.
Para a Stasi, o mal estava feito mas havia formas de equilibrar o assunto. A mulher e a filha passaram a ser vigiadas de perto, bem como os pais. Desse por onde desse, a polícia do Estado ia impedir que Eigendorf pudesse voltar a ver a sua família.
Dentro de campo, quando voltou, o cenário não melhorou. A aventura no Kaiserslautern foi fugaz e acabou transferido para o Eintracht Braunschweig, em 1982, à procura de melhores oportunidades. Três anos depois da deserção, tudo estava diferente. A mulher, apaixonada por um agente da Stasi à paisana, tinha conseguido o divórcio. Nada voltaria a ser como antes.
Quis o destino que uma noite de março voltasse a ser importante na vida de Eigendorf. Na noite de 5 para 6 em 1983, o futebolista teve um acidente de viação grave ao volante do seu Alfa Romeo, saindo da estrada e acabando a embater numa árvore. Foi transportado para o hospital com lesões graves na cabeça e no peito e acabou por morrer dois dias depois.
O relatório da polícia garante que não houve outros veículos envolvidos, que o carro não apresentou problemas mecânicos e que Eigendorf viajava sem cinto de segurança e… com uma taxa de álcool no sangue muito acima do permitido por lei. E assim fechou a investigação.
Praticamente duas décadas depois, em 2000, o jornalista Heribert Schwan aventou a possibilidade de assassinato. De acordo com a sua teoria, o jogador teria sido raptado, forçado a beber álcool misturado com uma substância venenosa e perseguido na estrada a alta velocidade até ter o acidente.
O nível de álcool ajuda a sustentar esta hipótese: era equivalente a 4,3 litros de cerveja ou a dois litros de vinho. E logo ele, alguém que não tinha a fama de beber muito e que naquela noite, de acordo com algumas testemunhas, tinha bebido apenas uma ou duas cervejas.
O caso ficou sempre na mesma. Nunca nada foi encontrado que sustentasse a tese de assassinato, mas a desconfiança popular sempre existiu. A Stasi operava desta forma e era precisamente isto que se esperava de Mielke e da RDA. Até pode ter sido apenas um acaso infeliz, mas ninguém duvida que possa ter sido o oposto.