RDA. A inevitável tragédia de deixar fugir a glória
Sucesso nos Jogos Olímpicos nunca foi verdadeiramente replicado nas maiores provas de seleções. Presença no Mundial em 1974, na vizinha Alemanha, foi um oásis num deserto povoado por desilusões marcadas a ferro pelo «quase». Nenhuma foi mais dolorosa do que o fracasso no apuramento para o Euro-1980.
Os Jogos Olímpicos foram sempre a praia dos alemães de leste. Qualquer pessoa com uma amostra significativa de cultura desportiva conhecerá esta fama, mesmo que não vá ao ponto de saber que estes resultados também chegavam no futebol olímpico. Aí, entre 1964 e 1980, a RDA conquistou quatro medalhas: ouro em Montreal-1976, prata em Moscovo-1980 e bronze em Tóquio-1964 e Munique-1972.
Esta aparente sensação de hegemonia era radicalmente diferente quando o que estava em causa eram participações nas fases finais do Europeu ou do Mundial. Aí, à semelhança de tantos outros episódios ao nível de clubes, havia sempre algo a correr mal, mesmo quando parecia que o sucesso estava alcançado praticamente ao cortar a meta.
A presença da RDA no Mundial em 1974, organizado pela RFA, é uma das memórias mais fortes desta geopolítica desportiva. Sim, a RFA foi até ao fim e conquistou o título pela segunda vez, mas a RDA regressou a casa com o orgulho intacto ao ter conseguido vencer a sua maior rival durante um jogo da fase de grupos.
Este pode ter sido o jogo mais importante na história da seleção da Alemanha de Leste. Mas outros poderiam ter acontecido não fosse a inclinação mórbida para a desgraça. Os fracassos não tiveram todos o mesmo impacto.
Comecemos pelas qualificações para o Mundial. Em 1969, a RDA precisava de vencer em Nápoles na última jornada: perdeu 0-3. Em 1977 e em 1985, perdeu os apuramentos por um ponto. Em 1989, num jogo disputado seis dias depois da queda do Muro de Berlim, um empate chegaria na Áustria mas os jogadores estavam com a cabeça no futuro e sofreram nova derrota pesada (0-3).
Nas qualificações para o Europeu, talvez por culpa de um formato mais apertado, as desilusões em cima do «apito final» não foram tão frequentes. Mas a maior foi, sem dúvida, a que aconteceu na noite de 21 de novembro de 1979.
A RDA estava no grupo 4 com a Holanda, a Polónia, a Suíça e a Islândia. Nos primeiros sete jogos, somara cinco triunfos, um empate e uma derrota, e seguia com onze pontos. Naquela noite de novembro, em Leipzig, perante mais de 90 mil espetadores e com um árbitro português (António Garrido), a celebração estava à distância de uma vitória.
A Polónia liderava com 12 pontos mas já tinha feito os oito jogos, enquanto a Holanda, que havia derrotado os alemães de leste por 3-0 em Roterdão um ano antes, também tinha onze pontos. Feitas as contas: só a vitória interessava. E não era assim tão impossível.
O que se passou naqueles 90 minutos só não entra para a história do maior colapso futebolístico de uma equipa da RDA porque o Dínamo Dresden conseguiu fazer ainda pior na década de 80. Mas esteve lá perto.
Tudo parecia correr bem à RDA. Quando Schnupasse marcou o primeiro golo aos 17 minutos, a multidão festejou de forma exuberante. Mais tarde, aos 33 minutos, António Garrido assinalou uma grande penalidade que Joachim Streich, máximo goleador na história da RDA (seleção e campeonato nacional), não desperdiçou.
Ali, de repente, o horizonte era promissor e nada fazia antever que a Holanda ia conseguir a reviravolta. Quando Frans Thijssen reduziu perto do intervalo, os alemães de leste, habituados a ver a glória fugir por entre os dedos, começaram a fazer contas à vida. E, quando Kees Kist empatou no início do segundo tempo, aproveitando uma paragem cerebral de dois defesas que ficaram imóveis depois de um cruzamento, tornou-se impossível fugir ao destino.
Sim, a RDA continuava a precisar de apenas um golo para celebrar a qualificação mas os adeptos já tinham passado demasiadas vezes por aquele drama. Sabiam que, chegada a altura, no momento decisivo, não valia a pena sofrer: a equipa ia vacilar. E vacilou ainda mais, fruto do 3-2 do holandês René van de Kerkhof aos 70 minutos. A equipa já não tinha cabeça, jogava só com o coração e os erros iam aparecendo uns atrás dos outros.
Naquela noite fria de Leipzig, a segunda maior cidade da RDA, praticamente cem mil pessoas viram fugir a melhor oportunidade da sua história para marcar presença numa fase final de um Europeu. Nunca o cenário tinha parecido tão favorável. E nunca voltou a sê-lo depois disso.
Estavam a jogar em casa, a ganhar 2-0, perante mais de 90 mil espetadores e com apenas 50 minutos para jogar. E perderam. Era inevitável.