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É Desporto

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18 de Outubro, 2019

Dínamo Berlim. A construção de uma hegemonia forjada

Rui Pedro Silva

Dínamo Berlim venceu todos os campeonatos da RDA entre 1979 e 1988

Foi campeão durante dez anos consecutivos, entre 1979 e 1988, mas nunca conseguiu conquistar verdadeira admiração na República Democrática da Alemanha. Visto como o clube do regime, somava decisões de arbitragem simpáticas a nível interno e desilusões desportivas nas competições internacionais. O fim da RDA foi também o seu.

«Decerto que compreenderão que a capital do país precisa de uma equipa campeã.» A frase atribuída a Erich Mielke, líder da Stasi (a temível polícia de Estado da RDA), nunca foi confirmada mas ajuda a explicar muita coisa. Naquela noite de 2 de dezembro de 1978, o Dínamo Berlim tinha empatado em Dresden com o Dínamo local (1-1) num jogo recheado de polémica.

Os protestos subiram de tom, houve 35 detenções entre os adeptos e o autocarro da equipa da capital foi brindado com uma chuva de bolas de neve à saída do estádio. Foi também por esta altura que Mielke terá descido ao balneário do Dínamo Dresden – tricampeão em título – para justificar o que se estava a passar. E, mais importante do que isso, o que era inevitável.

O Dínamo Berlim continuava sem títulos mas estava numa caminhada triunfal rumo à conquista da Oberliga em 1978/1979. O golo sofrido em Dresden foi o primeiro em onze jornadas e até lá tinha dez vitórias consecutivas. Nada lhe poderia fazer frente nesta passada esmagadora rumo a uma hegemonia forjada.

A frase de Mielke foi premonitória. O Dínamo Berlim terminou o campeonato com 46 pontos (21 vitórias, quatro empates e uma derrota) e conquistou o primeiro de dez títulos consecutivos. A concorrência foi relegada para segundo plano. Época após época, só dava Dínamo. A profecia do líder da Stasi tinha sido cumprida mas continuava a faltar algo: a confirmação do poder na Europa do futebol.

Durante esta impressionante série, o clube só chegou aos quartos de final de competições europeias duas vezes, e somou fracassos. É certo que pode recordar derrotas perante futuros campeões, como Nottingham Forest, Aston Villa e Hamburgo, mas também caiu aos pés de Austria Viena (2), Banik Ostrava e Brondby.

No meio de tantas eliminações precoces, a maior humilhação foi mesmo em 1988/1989 contra o Werder Bremen. Na primeira mão, em casa, Berlim engalanou-se para a festa. A Stasi montou o habitual circuito de vigilância para garantir que nada falhava, até porque o presidente de Berlim Ocidental, Willy Brandt, ia estar no estádio.

O triunfo por 3-0 foi um verdadeiro tónico para a RDA. Mas, à semelhança de tantas outras vezes, a equipa desmoronou-se na segunda mão, acabando de rastos com cinco golos sem resposta. A discussão era antiga: sim, o Dínamo Berlim tinha capacidade para conquistar a Oberliga mesmo jogando apenas a 80% das suas forças, mas os 20% extra faziam muita diferença no estrangeiro.

Erick Mielke felicita jogares do Dínamo

Esta eterna dicotomia entre internacionalismo (mostrar com orgulho o talento da RDA) versus isolacionismo (esmagar a competitividade interna ao promover uma equipa da capital) foi motivo de muita discussão. Os adversários – clubes e adeptos – indignavam-se cada vez com mais determinação e a pressão tornou-se tão grande que a federação foi forçada a agir, chegando a afastar alguns árbitros.

Apesar de nunca terem sido descobertas provas de que a Stasi controlava o campeonato (e os árbitros), a verdade é que pairava uma ideia de necessidade de agradar. Ou seja, os árbitros não precisavam de ser pressionadas para ajudar, faziam-no quase que inconscientemente, talvez temendo represálias.

A sensação de hegemonia forjada trabalhou sempre contra o Dínamo Berlim. A equipa nunca foi verdadeiramente popular e as médias de espetadores ultrapassavam, por pouco, as 11 mil pessoas. Quando a RDA se aproximou do seu declínio, também o Dínamo foi ultrapassado pela concorrência.

Na última Oberliga, já depois de ter passado a ser conhecido por FC Berlim, numa tentativa de criar alguma distância com o passado, não foi além do 11.º lugar, que significava um recomeço no terceiro escalão da Alemanha unificada. Nessa temporada, a média de espetadores foi de 781. No primeiro jogo da temporada seguinte, apareceram apenas 76 pessoas.

Os últimos resquícios do Dínamo Berlim estavam sem brilho. Os dez títulos nunca foram verdadeiramente reconhecidos e a ausência de resultados europeus dignos de nota não ajudou. Para muitos, as maiores memórias são mesmo de um clube que se tornou um antro de adeptos hooligans que semeavam o pânico por onde passavam.