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É Desporto

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17 de Outubro, 2019

Hans-Jürgen Kreische. O herói que Dresden não conseguiu controlar

Rui Pedro Silva

Hans-Jürgen Kreische

Um perfil realizado sobre a estrela do Dínamo Dresden durante a década de 70 poderia facilmente compará-lo a figuras do desporto como James Hunt ou George Best. O talento inesgotável de Kreische corria na família e foi suficiente para acumular golos e títulos na RDA, mas a sua vida mundana tornou-o demasiado problemático.

Hans-Jürgen nasceu a 19 de julho de 1947, três anos antes de o pai, Hans Kreische, ter feito parte de um dos primeiros momentos de tensão no futebol da República Democrática da Alemanha. Futebolista do Friedrichstadt de Dresden, Hans (pai) lutou até ao fim pelo título de 1950 com o Horch Zwickau. O segundo lugar foi um mal menor para o clube, que acabou dissolvido depois de inúmeros dos seus jogadores terem ido para clubes da República Federal da Alemanha.

Hans foi um deles mas não aguentou mais do que quatro anos. Com saudades de casa, decidiu regressar e devolveu o pequeno Hans-Jürgen à cidade que o tinha visto nascer e que acabaria por ver crescer enquanto um dos melhores jogadores da história da Oberliga.

O cartão de visita do segundo Kreische intimidava. Com uma técnica individual apuradíssima, era visto como um jogador impossível de desarmar. Velocíssimo, tinha um faro pelo golo muito apurado, apesar de jogar mais junto ao flanco. Em 1965, quando marcou o golo que ofereceu o título europeu de juniores à RDA (o primeiro grande troféu futebolístico do país), deixou de haver dúvidas sobre o impacto que teria.

O Dínamo Dresden tornou-se uma potência durante a década de 70 muito por culpa de Kreische. Durante esse período, venceu cinco campeonatos, duas Taças da RDA, quatro títulos de melhor marcador e um de melhor jogador da Oberliga. Pelo meio, venceu uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos em 1972 e participou no Mundial-1974.

Kreische acumulou troféus individuais e coletivos

Hans-Jürgen tinha tudo para ser um verdadeiro herói, uma lenda que servisse de bandeira aos ideais da RDA. Mas teve sempre muita dificuldade em vestir essa pele. O seu estilo de vida era considerado um problema no seio do clube e os dirigentes e treinadores faziam o possível para o tentar desviar dessa vida.

As autoridades fizeram o possível para que trabalhasse nas suas «lacunas atléticas e morais». Só em 1969, por exemplo, houve 19 reuniões individuais com o jogador para tentar forçar um comportamento aceitável. Um ano depois, o diagnóstico parecia assumir um tom derrotista: Kreische bebia demasiado, não levava os treinos a sério e acreditava ser muito melhor do que realmente era.

Walter Fritzsch, treinador do Dínamo Dresden entre 1969 e 1978, foi perdendo gradualmente a paciência para lidar com Kreische e decidiu precipitar o fim a meio da temporada 1977/1978. Com 30 anos, o futebolista fez o último jogo da sua carreira a 19 de outubro, na Taça dos Campeões Europeus contra o Liverpool, em Anfield (5-1).

Na altura, ninguém sabia que estava perto do fim. O desempenho no campeonato, com quatro golos em oito jogos, não parecia diferente do habitual, mas Fritzsch estava farto. E na segunda mão da eliminatória com o Liverpool, perante mais de 30 mil espetadores, o treinador seguiu em frente no seu plano derradeiro de humilhar o futebolista e forçar a sua despedida.

Hans-Jürgen Kreische não foi titular. E esteve vinte minutos a aquecer sem ser chamado para entrar. A eliminatória estava perdida e Fritzsch não quis perder a oportunidade. Desde essa noite até ao anúncio da despedida foi uma questão de tempo. Oficialmente, Kreische decidiu que já era velho, que estava na altura de dar oportunidade aos mais novos e que queria facilitar a transição no comando técnico para Gerhard Prautzsch. Oficiosamente, não demorou muito tempo até o próprio Kreische revelar que sentia ter pelo menos mais dois anos para dar ao futebol.

O adeus de Kreische ao futebol coincidiu com o fim da hegemonia do Dínamo Dresden, que só voltou a ser campeão em 1989.