RDA vs. RFA. O duelo mundial que salvou o orgulho nacional
Mundial-1974 marcou a primeira e única presença da República Democrática da Alemanha numa fase final de uma grande prova. Confronto com a RFA, anfitriã e futura campeã, foi o ponto mais alto e o golo marcado por Jürgen Sparwasser contribuiu para uma vitória histórica e com grande peso simbólico. Aquele 22 de junho de 1974 ficou recordado como «o dia em que até as mulheres ficaram fãs de futebol».
A atribuição da organização do Mundial-1974 à República Federal da Alemanha ajudou a aumentar o nível de ambição dos alemães de leste. A seleção ainda não tinha conseguido um único apuramento para uma grande prova mas o timing parecia perfeito. A geração de futebolistas era uma das melhores de sempre e, dois anos depois, a equipa conquistara a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Munique.
O sorteio da fase de qualificação abriu caminho para uma campanha praticamente irrepreensível. No grupo 4 com Roménia, Finlândia e Albânia, a equipa de Joachim Streich, Jürgen Sparwasser e Hans-Jürgen Kreische somou cinco vitórias e sofreu apenas uma derrota: na Roménia, por 1-0.
Com 18 golos marcados no apuramento – sete deles por Streich -, a RDA só não foi o ataque mais concretizador da fase de qualificação porque esta era também a geração da Laranja Mecânica que, no grupo 3 com Bélgica, Noruega e Islândia, terminou com 24 golos apontados. Cruijff também marcou sete.
O ano de 1974, considerado por muitos como um dos melhores na história futebolística da RDA, começou com o sorteio da fase final, a 5 de janeiro. O que muitos temiam acabou por acontecer: as duas Alemanhas ficaram no mesmo grupo. Quando o anúncio foi feito pelo então presidente da FIFA, Stanley Rous, o auditório entrou numa espiral de silêncio que, segundos depois, foi substituída por aplausos. O futuro era imprevisível e os rumores – rapidamente negados – de que a RDA poderia desistir da participação na fase final não demoraram muito a surgir.
Entre 5 de janeiro e 22 de junho, o dia da terceira e última jornada da fase de grupos, a República Democrática da Alemanha ganhou confiança. Nas competições europeias, o Magdeburgo foi a primeira equipa a chegar a uma final. E fê-lo com estilo, derrotando o AC Milan de Giovanni Trapattoni na final de Roterdão (2-0). Um dos jogadores que alinhou na Holanda a 8 de maio foi Jürgen Sparwasser. Um mês e meio depois, o avançado voltaria a ser fundamental.
Um peso que saiu dos ombros
O duelo das Alemanhas foi o último jogo do grupo 1. Por esta altura, já depois do empate entre Chile e Austrália, não havia batalha que restasse para o apuramento. RFA e RDA estavam ambas qualificadas e o desfecho do encontro de Hamburgo, com mais de 60 mil pessoas nas bancadas, serviria apenas para definir o primeiro classificado do grupo.
A definição de apuramento não esvaziou a pressão. Pelo contrário. Primeiro, porque só uma hora e meia antes do apito inicial é que se confirmou o apuramento duplo; segundo, porque mais do que um peso desportivo, este confronto era também uma verdadeira batalha diplomática, especialmente do lado oriental.
A auto-estima na RDA no estrangeiro, sobretudo quando posta à prova, era um desafio constante e as autoridades nem conseguiram dormir a pensar nos efeitos que uma eventual derrota poderia ter nos objetivos políticos. À semelhança dos Jogos Olímpicos, a validação política era alcançada especialmente através da afirmação desportiva.
O país parou para ver o jogo naquele que é recordado como «o dia em que até as mulheres ficaram fãs de futebol». Para uma jovem nação, derrotar a RFA por 1-0 – Jürgen Sparwasser marcou o único golo do encontro – foi uma memória coletiva que ninguém conseguiria apagar. Ainda hoje, quando a Alemanha já está unificada há 30 anos, ninguém se esquece do que estava a fazer e de como viu o encontro entre RDA e RFA.
Com o momento mais aterrorizador para trás das costas, o resto do Mundial foi um fracasso para uns e um enorme sucesso para outros. Se a RFA partiu triunfantemente até ao título mundial, a RDA não voltou a vencer um jogo, somando um empate (Argentina 1-1) e duas derrotas (Brasil 0-1 e Holanda 0-2) na segunda fase de grupos.
O desfecho final foi aceitável. A RDA terminou no sexto lugar oficial e voltou para casa com uma brilhante vitória para recordar. O orgulho permaneceu intacto, contra todos os medos.