Chemie Leipzig. Quando o orgulho vale uma Oberliga
O BSG Chemie Leipzig conquistou o campeonato nacional da RDA pela segunda vez em 1964. No último jogo da época, a equipa não quis deixar os créditos por mãos alheias e resolveu rapidamente o encontro na deslocação ao terreno do Turbine Erfurt. O título foi especial: a expressão é frequente mas este parece ter sido claramente contra tudo e contra todos.
A estrutura do futebol da Alemanha de Leste foi um carrossel de alterações do início ao fim. As autoridades estatais demoraram a perceber a importância que a modalidade tinha – nunca o fizeram na plenitude, relegando-a sempre para segundo plano – e andaram durante décadas a brincar com reorganizações que ajudassem a promover um sentido lato de distribuição territorial e de qualidades.
Há uma forma fácil de perceber as tendências da política da RDA relativa ao futebol: clubes com SC no nome eram aprovados e financiados pelo Estado, e tenderam a ser favorecidos; enquanto equipas com BSG no nome, como o Chemie Leipzig, eram cooperativas de apoio popular e foram sendo ostracizados até atingirem a total insignificância.
O BSG Chemie Leipzig sofreu na pele mas nunca desistiu. Fundado em 1950, foi campeão da Oberliga em 1951, terceiro classificado em 1952 e começou a ser desmantelado pelas estratégicas políticas em 1953. O clube podia ser popular e atrair assistências a rondar os 40 mil espetadores, mas para quem mandava isso não passava de números de uma folha de cálculo num ainda inexistente Microsoft Excel.
O primeiro ataque ao clube surgiu durante a temporada 1952/1953, quando grande parte dos melhores jogadores foram recolocados numa nova equipa, ligada ao exército, chamada Vorwärts Leipzig.
O BSG Chemie conseguiu regenerar-se. Os jogadores que tinham saído foram substituídos por jovens e as assistências continuaram em números muito altos, ao contrário do recém-criado Vortwärts que, apesar da qualidade dos jogadores, foi sendo ignorado e acabou por ser deslocado para Berlim. Em 1954, porém, não houve nada a fazer quando a restruturação da Oberliga provocou novas mudanças profundas.
Os recursos da indústria química habitualmente direcionados para o BSG Chemie foram desviados para o novo SC Chemie Halle e a equipa perdeu o direito de disputar a Oberliga. Leipzig manteria duas equipas na primeira divisão mas, como não podia deixar de ser, seriam dois clubes acabados de fundar com o selo do Estado: SC Lokomotive, associado aos caminhos-de-ferro, e SC Rotation, associado à tipografia.
O BSG Chemie perdeu mais do que a vaga entre a elite, ficou mesmo sem todos os jogadores. Os seus talentos passaram a representar o SC Lokomotive e a equipa passou a jogar no quarto escalão, com assistências de cinco mil pessoas e sobrevivendo graças a pequenos patrocinadores e à carolice de muitos, que ajudavam a garantir equipamentos e chuteiras.
Do inferno à segunda oportunidade
O clube perdeu tudo menos a sua identidade. A aposta na formação, que tantos frutos dera no passado, tornou-se essencial no novo paradigma e contribuiu de forma decisiva para que a equipa pudesse ser reconsiderada quando, nove anos depois, a Oberliga voltou a operar uma revolução na secretaria.
Leipzig ia continuar a contar com dois clubes mas o fracasso do SC Lokomotive e do SC Rotation – com assistências baixas e apenas uma Taça conquistada – precipitou uma fusão entre as duas representantes. A vaga aberta ficou para o BSG Chemie.
A nova concentração de recursos não quis enganar ninguém e as prioridades continuavam bastante claras: o novo SC Leipzig era a equipa que simbolizava a cidade, para onde deviam ir os melhores jogadores; o BSG Chemie servia de figurante, para apaziguar o povo e ficar com as sobras.
Quando a temporada 1963/1964 começou, as opiniões dos especialistas eram arrasadoras: o BSG Chemie tinha a descida à porta e o facto de o treinador ser Alfred Kunze, um homem com visões desafiadoras perante o poder instalado, não ajudava.
O que se passou surpreendeu tudo e todos. Na penúltima jornada, depois de um triunfo sobre o «velho conhecido» Vorwärts Berlin, o BSG Chemie ficou a apenas um ponto de conquistar a Oberliga pela segunda vez na sua história. O desfecho seria um embaraço para as autoridades locais, que tudo fizeram para que a cidade se inclinasse para o outro lado.
A história fez-se a 10 de maio de 1964. Garantem as reportagens da altura que a estrada entre Jena e Erfurt, num total de 150 quilómetros, parecia um enorme cordão construído pela caravana de adeptos vestidos de verde e branco. O BSG Chemie recuperou toda a massa adepta que, ansiosa pela possibilidade do título, marcou presença em peso em Erfurt no jogo contra o Turbine local.
Se uns lutavam pelo título, os outros não queriam descer de divisão. Com 30 mil adeptos na bancada, o BSG Chemie resolveu a situação no primeiro quarto de hora, com golos de Wolfgang Behla aos 12’ e de Manfred Walter aos 13’, de penálti.
A história não podia ter sido mais curiosa. O BSG Chemie não se limitou a estragar as previsões em Leipzig. Fê-lo numa temporada em que ficou com o título praticamente no bolso depois de derrotar o Vorwärts Berlin e num ano em que o SC Chemie Halle desceu de divisão. Ali, condensado, o clube popular vingou-se de tudo o que tinha sofrido nos onze anos anteriores e festejou o título de campeão mais saboroso da Oberliga.
«Não sei se houve algum desfecho de temporada mais sensacional e inesperado na Europa no último século. Se houve, quero saber qual», escreveu Ulrich Hesse-Lichtenberger.