A metamorfose que recuperou o orgulho francês
Derrota com Tonga foi vista como uma enorme humilhação e o ambiente entre equipa técnica e jogadores azedou. De repente, fez-se o clique, a tensão tornou-se secundária e a equipa começou a responder em campo. Derrota na final com a Nova Zelândia não foi suficiente para apagar a metamorfose que devolveu o brilho aos franceses em 2011.
«Nunca fui contra umas cervejas. É uma opção.» Foi desta forma que o selecionador Marc Lièvremont respondeu aos jornalistas sobre a possibilidade de ir beber com os jogadores para esclarecer as diferenças que se tinham vindo a agudizar no seio do grupo durante a fase de grupos do Mundial-2011, disputado na Nova Zelândia.
A França tinha acabado de ser humilhada ao perder com o Tonga (14-19 já depois de marcar um ensaio nos instantes finais) e seria apenas a segunda seleção na história das fases finais a atingir os quartos de final após sofrer duas derrotas durante a fase de grupos.
O ambiente era mau. Mas Lièvremont estava disposto a passar uma esponja sobre o assunto para garantir que o desempenho em campo não só não era afetado como melhorava na fase decisiva. «Há palavras que têm um significado muito forte: orgulho, solidariedade, sinceridade. Na próxima semana vou insistir nestes valores», garantiu o técnico.
As palavras de Lièvremont eram as de um selecionador encostado às cordas. A imprensa francesa estava sedenta de sangue e explorava como conseguia as quezílias que se iam acumulando no grupo. O despedimento parecia ser o cenário mais provável perante uma campanha negativa e a alternativa seria sempre fugir para a frente.
«Estamos vivos. Ainda fazemos parte desta aventura e quero lutar. E acredito que os meus jogadores também querem lutar. Confio neles, quero que lutem mais e que sejam mais eficazes. Quero que relaxem e que se concentrem no que importa… porque eu confio neles. Não temos escolha», continuou.
Lièvremont bebeu sozinho naquela noite. Mas, dia após dia, o cenário começou a mudar, muito por culpa da liderança do capitão Thierry Desautoir. De uma seleção em cacos, o grupo de jogadores que se apresentou contra a Inglaterra uma semana depois passou a uma coisa diferente. A vitória (19-12) confirmou essa sensação.
«Tivemos os mesmos jogadores em campo em relação ao jogo com o Tonga mas muitos deles apareceram com tomates», atirou Lièvremont. A contestação baixou de tom e, de repente, a França estava nas meias-finais da competição.
Num duelo europeu, Gales ficou pelo caminho (9-8) e os bleus marcaram um reencontro com os All Blacks. Na fase de grupos, a seleção da casa tinha vencido tranquilamente (37-17) mas agora o cenário era outro.
A França era uma equipa unida, acreditava no seu valor e surgiu desafiante. No momento do haka, os jogadores avançaram no relvado e ficaram cara a cara com os adversários. «A certa altura ficámos tão perto que havia quem os quisesse ir beijar. Disse-lhes para terem calma», admitiu Desautoir.
«Foi uma ideia da equipa toda», assumiu Pascal Papé, acrescentando que o capitão não conseguiu evitar a iniciativa. «Queríamos mostrar-lhes que estávamos ali e que não seria um jogo fácil.»
E não foi. A Nova Zelândia esteve grande parte do encontro em vantagem mas o ambiente no estádio, com mais de 61 mil pessoas, parecia cada vez mais tenso, sobretudo depois de Desautoir ter conseguido o ensaio, já na segunda parte, que deixou o resultado em 8-7 para os All Blacks.
O marcador não sofreu mais alterações e a Nova Zelândia conseguiu mesmo reconquistar o título, 24 anos depois. Mas a metamorfose francesa ajudou a transformar uma seleção polémica numa equipa orgulhosa. E Desautoir foi recompensado por todo o esforço ao conquistar o troféu de jogador da final e, mais tarde, de jogador do ano.
O desfecho não foi suficiente para salvar Lièvremont. A verdade veio ao de cima e o descontentamento dos jogadores, insatisfeitos com as críticas de que foram alvo durante toda a competição, marcou o fim da ligação do técnico à Federação Francesa de Râguebi.