Jonny Wilkinson. O pé de ouro do desporto inglês
Inglaterra conquistou um título inédito no Mundial de Râguebi em 2003 depois de ter derrotado a Austrália no prolongamento. Os pontos decisivos vieram diretamente dos pés de Jonny Wilkinson que, depois de falhar três pontapés de ressalto durante o encontro, resolveu quando a sua equipa mais precisava.
As atenções do desporto inglês em 2003 eram praticamente dominadas por David Beckham. O médio era mais do que uma cara bonita que namorava com uma Spice Girl e o seu talento dentro de campo era inegável. O filme Bend it like Beckham tinha sido lançado no ano anterior e reforçava uma ideia que grassava por todo o mundo: ninguém conseguia fazer a bola curvar tão bem como o inglês.
E Beckham usava este recurso em tudo o que precisava: cruzamentos, cantos, livres diretos. Quando no verão de 2003 trocou o Manchester United para se juntar aos galácticos do Real Madrid, o patamar da fama elevou-se ainda mais. O futebolista parecia capaz de acertar numa pulga na marca de penálti a cinquenta metros da área. Fazia maravilhas. E ao mesmo tempo tinha momentos de desastre.
Istambul, 11 de outubro de 2003. A Inglaterra estava à porta do Euro-2004 mas não podia perder na Turquia, correndo o risco de falhar o apuramento no playoff. Com cinco golos na campanha, Beckham dividia o título de melhor marcador do grupo com Michael Owen e assumiu-se como o natural candidato a marcar um penálti.
Ali, naquele momento, aos 37 minutos de jogo, os ingleses acharam que podiam começar a marcar viagem para Portugal. Mas o resultado foi desastroso. Parafraseando o direto do The Guardian, Beckham escorregou na relva e marcou um penálti à Stam, fazendo a bola subir quatro mil pés acima da barra. «De facto, acho que foi diretamente para o céu, ao estilo da NASA. Verdadeiramente o pior penálti de sempre», continuava a bem-disposta descrição.
A Inglaterra sobreviveu ao desastre, segurou o empate a zero e garantiu o apuramento para o Euro-2004, mas a fé nacional nos pés de Beckham sofreu um rude golpe.
Quis o destino que a Inglaterra iniciasse a sua campanha no Mundial de Râguebi no dia seguinte, praticamente no outro lado do planeta, em Perth. Sem a fama de Beckham, Jonny Wilkinson não se podia queixar muito. O médio de abertura inglês era uma das mais-valias do selecionador Clive Woodward e assumia um papel preponderante na altura de atirar aos postes.
Não havia penteados mediáticos nem grandes tentativas de aplicar um efeito à bola. Mas Wilkinson era verdadeiramente importante. Na estreia, converteu cinco ensaios e marcou duas penalidades com êxito durante o triunfo sobre a Geórgia (84-6). E quando a fase de grupos terminou já tinha mais quatro conversões de ensaio, seis penalidades e três pontapés de ressalto.
A capacidade de contribuir de todas as formas e feitios prolongou-se na fase a eliminar, marcando 23 pontos no triunfo sobre Gales (28-17) e 24 pontos na vitória sobre a França (24-7). Progressivamente, Wilkinson tinha deixado de ser apenas uma das mais-valias; era já a ponta da lança inglesa rumo ao primeiro título da sua história.
O dia que tudo mudou
Quando a final começou em Sydney, a 22 de novembro de 2003, já ninguém se lembrava de Beckham. O mago com os pés era o 10 da seleção de râguebi. Somava 98 pontos em cinco jogos e era o elemento mais temível para os australianos que, a jogar em casa, não queriam desperdiçar a oportunidade de conquistar o Mundial pela segunda vez.
O jogo foi emocionante. A Austrália abriu as hostilidades mas a Inglaterra foi para o intervalo a vencer 14-5, já com nove pontos de Wilkinson. Na segunda parte, porém, os australianos cavalgaram a recuperação em cima do apoio de mais de 80 mil pessoas e forçaram o prolongamento com 14-14 no marcador.
A final ia decidir-se nos pormenores e Wilkinson parecia estar a ceder, desperdiçando dois pontapés de ressalto durante o segundo tempo. Mas, com a pressão do jogo a aumentar para níveis estratosféricos, tudo mudou. Marcou uma penalidade aos 82 minutos e fez os ingleses sonhar, até Flatley imitar a façanha para os australianos aos 97 minutos, a três do final do prolongamento.
Era impossível haver mais tensão neste jogo. Com os segundos a esgotarem-se, a bola encontrou as mãos de Jonny Wilkinson e, no último minuto do encontro, deixou-a bater na relva, rematando-a depois na direção dos postes. Assim, mostrando que não tinha ficado afetado pelos falhanços anteriores, o médio de abertura decidiu a final e ofereceu o primeiro título de sempre à Inglaterra e a uma seleção europeia (ainda hoje é assim).
«É indescritível. Era algo que queríamos e para o qual trabalhámos tanto individual como coletivamente. O nosso trabalho começou há mais de cinco anos. Queríamos ganhar cada jogo que disputássemos. Metemos muita pressão no nosso objetivo e sabíamos que ia ser difícil. Foi um ano muito difícil mas merecemos», garantiu Wilkinson depois da final. A imortalidade estava garantida.