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É Desporto

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13 de Setembro, 2019

Stephen Larkham. A surpresa inesperada que ninguém previu

Rui Pedro Silva

A bola já saiu dos pés de Larkham para o momento decisivo

Os pleonasmos são motivos de gozo diariamente. Quem nunca assistiu a um comentário jocoso depois de alguém ter o azar de dizer «subir para cima» ou «descer para baixo»? A verdade é que o recurso estilístico existe por algum motivo. No caso de Stephen Larkham, herói australiano na meia-final do Mundial-1999 contra a África do Sul, existe para reforçar… e insistir no nível de espanto que a decisão no prolongamento provocou.

Vamos por partes: Austrália e África do Sul disputavam em Twickenham uma vaga na final do Mundial de râguebi. Previa-se um encontro muito disputado, sem grande supremacia, e se a ronda anterior tinha demonstrado alguma coisa era que os Springboks eram perigosíssimos num jogo com estas características. No África do Sul-Inglaterra, a seleção do hemisfério sul tinha aplicado na perfeição uma estratégia para potenciar a capacidade de Jannie De Beer jogar com os pés. E foi assim que o médio de abertura marcou 34 dos 44 pontos da equipa: cinco pontapés de ressalto (recorde em fases finais), cinco penalidades e duas conversões de ensaio.

De Beer era, sem grande surpresa, uma figura a ter em conta durante aqueles 80 minutos. E não desiludiu. No final do tempo regulamentar o marcador mostrava um empate a 18 e De Beer tinha sido responsável por… todos os pontos da sua seleção (seis penalidades e um pontapé de ressalto). No prolongamento, a probabilidade de um lance assim resolver a eliminatória era ainda maior.

Stephen Larkham em ação

A chuva ajudou a aumentar a sensação de jogo mítico numa das maiores catedrais do râguebi. Os olhos estavam todos postos em De Beer, ou mesmo em Matthew Burke, o australiano responsável por converter ensaios e assumir a marcação das penalidades, mas o inesperado aconteceu mesmo. Não houve De Beer nem Burke mas sim Stephen Larkham.

O jogo já estava empatado a 21 pontos, depois de mais uma penalidade para cada equipa, e o relógio encaminhava o jogo para os 95 minutos quando Larkham decidiu testar o que ninguém tinha previsto: um pontapé de ressalto.

A situação foi tudo menos óbvia. A Austrália tinha acabado de passar a linha do meio-campo mas Larkham decidiu arriscar com um pontapé a cerca de 45 metros dos postes. A trajetória foi irrepreensível. Tudo ali pareceu perfeito, não tivesse sido tentado por quem foi. De tão longe. Numa altura tão decisiva.

A contribuição de Larkham no Mundial até ao momento reduzira-se a um ensaio na fase de grupos. Talento para tentar pontapés de ressalto? Ninguém sabia. De facto, esta foi a primeira vez que o fez na carreira profissional – tinha 25 anos na altura. Pior ainda? Estava com uma hemorragia interna no joelho direito na sequência de uma lesão no ligamento medial.

Tim Horan, uma das estrelas dos Wallabies, recorda o momento na perfeição: «Estava no banco porque já tinha sido substituído. Quando vimos que ele ia rematar, achámos que ia devolver a posse de bola e achámos surpreendente. Mas a verdade é que ele tentou o pontapé de ressalto. Não parecia grande coisa mas cruzou os postes com uma margem confortável para mais uns cinco metros. Foi um pontapé espantoso».

A iniciativa naquele momento, naquela zona do terreno, foi uma surpresa. A bola cruzar os postes com tanta facilidade foi uma consequência inesperada. E ninguém, em tempo algum, poderia ter previsto que seria Larkham a fazê-lo até ao momento em que o fez. A estrela não abriu espaço para uma mistura explosiva de pleonasmos, foi apenas o resultado final de uma conjugação cósmica de improbabilidades.