Como o apartheid ajudou os All Blacks a vencer em 1987
A África do Sul só participou num Mundial pela primeira vez em 1995 mas teve uma importância fundamental no título da Nova Zelândia na edição inaugural. Destino de uma equipa não autorizada dos All Blacks, provocou uma onda de acontecimentos que vieram a ser decisivos no desfecho em 1987.
Chamavam-se New Zealand Cavaliers mas eram, na verdade, um conjunto de All Blacks a desafiar as regras da federação nacional. Quando se começou a falar de uma digressão à África do Sul, em 1985, a polémica não se fez esperar. A atitude era vista como uma ação conivente com o regime instalado no país africano e a viagem acabou por ser impedida por um tribunal. No ano seguinte, porém, os Cavaliers seguiram mesmo viagem e mostraram ser a primeira peça de um dominó que terminou com o título mundial em 1987.
A história é complexa mas simples de explicar. A digressão ao país do apartheid constituía uma excelente oportunidade financeira para os jogadores. Numa era em que a modalidade era amadora – e qualquer ideia de profissionalismo era placada à nascença – os Cavaliers viram naqueles quatro jogos uma ocasião para ganhar algum desafogo financeiro.
Os jogadores dos All Blacks, mesmo sem esta chancela oficial, corresponderam praticamente em peso apesar da contestação nacional em todos os quadrantes, e apenas dois dos internacionais habituais recusaram a oportunidade: John Kirwan jogava em Itália, tinha o pai doente e não quis viajar; David Kirk recusou por questões morais.
Os primeiros confrontos surgiram ainda antes da viagem para a África do Sul. Os adeptos não queriam que se pactuasse com o regime do apartheid e fizeram questão de o fazer sentir. No regresso, depois de uma vitória em quatro jogos, as consequências estavam apenas no início: alguns jogadores que eram funcionários públicos acabaram despedidos e todos os elementos foram suspensos por dois jogos.
David Kirk tornou-se o novo líder da equipa – sucedendo a Andy Dalton neste período – e viu entrar uma nova geração de jogadores que ficou conhecida por «Baby Blacks». O egoísmo dos mais experientes foi, assim, uma oportunidade para os mais novos poderem mostrar o que valiam e justificar a entrada em ação de novas soluções para os All Blacks.
O Mundial-1987 estava cada vez mais próximo – e seria organizado a meias entre a Nova Zelândia e a Austrália – e a instabilidade no seio dos All Blacks era uma preocupação. Quando as suspensões terminaram, nasceu um conflito na equipa. Os Cavaliers de regresso queriam recuperar o comando da seleção e encetaram uma estratégia para forçar o abandono de Kirwan e Kirk.
As tentativas saíram sempre goradas. A opinião pública estava contra os Cavaliers e os protestos continuavam, inclusive com cercos ao hotel onde estavam hospedados os All Blacks. «Dividiu o país. Dava para sentir que algo estava mal. Os mais velhos voltaram, não perdoavam a ausência de Kirwan e Kirk na digressão à África do Sul e quiseram expulsá-los da equipa», disse Sean Fitzpatrick, na altura um jogador com pouca influência nos All Blacks.
A chegada ao Mundial continuou a ser uma grande incógnita mas a persistência valeu a pena. David Kirk não só continuou na equipa como foi mesmo o capitão no evento após a lesão de Andy Dalton; os Cavaliers recuperaram a estabilidade e fizeram a diferença como veteranos de créditos firmados; e os Baby Blacks aumentaram o leque de opções, conquistando uma experiência que nunca poderia sido adquirida se os Cavaliers não tivessem sido suspensos.
Foi assim, do caos, que os All Blacks entraram na história como os primeiros campeões do mundo.